THE NEW YORK TIMES, JOHANNESBURGO — Esta cidade já foi terra de sonhadores, uma vila de ouro que seduzia garimpeiros de todos os cantos atrás da riqueza. Ultimamente, porém, Johannesburgo parece mais uma piada política, uma metrópole onde o ânimo de muitos moradores é tão sombrio quanto suas vias mal iluminadas.
Este mês, depois de dias de ameaças e quedas de braço, a cidade deu posse ao seu sexto prefeito em 22 meses: Kabelo Gwamanda, um vereador em primeiro mandato, de um partido político que obteve apenas 1% dos votos nas eleições municipais mais recentes.
Sua ascensão ocorreu depois de conquistar a maioria dos votos na Câmara Municipal, de 270 membros. E coroou o mais recente capítulo de uma novela política em que mandatos de cargos majoritários têm sido medidos em semanas e meses, em que a incapacidade dos vereadores de se ater a um líder resultou em uma baderna municipal na qual os moradores de Johannesburgo são os maiores perdedores.
Enquanto líderes políticos brigam por poder e grupos de influência, cidadãos exasperados com frequência enfrentam dias inteiros sem eletricidade nem água, desviam de buracos nas ruas e se queixam dos edifícios dilapidados.
De seu sofá de couro, na segurança do apartamento de dois quartos que aluga por US$ 300 ao mês no complexo residencial Elangeni Gardens, Pretty Mhlophe se considera uma pessoa de sorte, mas também se envergonha dos problemas que os líderes da cidade deixaram apodrecer.
Os Elangeni Gardens, desenvolvidos em uma parceria público-privada, em 2002, para mitigar a escassez de moradias acessíveis economicamente na cidade, possuem um gramado artificial azul e verde, um trepa-trepa e um campo de baseball onde as crianças podem brincar livremente. Mas o prédio acinzentado e quadrado no outro lado de rua, anteriormente um posto de controle do governo do apartheid para trabalhadores negros, está repleto de lixo; e tão lotado de invasores que alguns ergueram barracos de lata no terreno dos fundos.
“Dentro do complexo é um lar, fora é assustador”, afirmou Mhlophe, de 42 anos.
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Eleições nacionais
Muitos sul-africanos temem a possibilidade de o que está ocorrendo em Johannesburgo, com população oficial de 5,6 milhões, ser um mal presságio do que está por vir nas eleições nacionais do próximo ano.
Quando nenhum partido conquista mais que a metade dos votos em uma eleição na África do Sul, os partidos buscam atingir o limiar de 50% necessário para vencer formando coalizões, o que lhes permite controlar a Câmara e escolher o prefeito. Em Johannesburgo, ao longo dos dois anos passados, os partidos das coalizões de governo brigaram entre si em diversas ocasiões, levando à criação de novas alianças que instauraram novos prefeitos.
“Isso é uma infantilidade”, afirmou Junior Manyama, membro desiludido do maior partido político da cidade e do país, o Congresso Nacional Africano, enquanto fumava um cigarro diante da prefeitura, anteriormente este mês, esperando que os vereadores elegessem um novo prefeito.
Manyama, de 31 anos, estava furioso porque seu partido, com 91 assentos na Câmara, concordou com um pacto de partilha de poder que permite a um indivíduo de um partido com apenas três assentos liderar a maior cidade da África do Sul.
“Não podemos mais confiar nessas pessoas”, afirmou ele, referindo-se aos líderes políticos.
Por cerca de duas décadas após as primeiras eleições democráticas da África do Sul, em 1994, os cidadãos do país não tiveram que se preocupar com as intermitências desses romances políticos, pois o CNA dominava as urnas nacionalmente e localmente. Mas recentemente o partido perdeu o controle de várias municipalidades importantes.
Alguns analistas pensam que o partido poderá não obter mais de 50% dos votos em uma eleição nacional pela primeira vez no próximo ano, o que significaria que o presidente do país e outros líderes graduados teriam de ser selecionados por meio de algum desses instáveis acordos de coalizão.
Desde seu nascimento como um lamacento acampamento de mineiros que se transformou em uma florescente cidade-eldorado, Johannesburgo tem dificuldade para atender todos os seus moradores. Lar de 1 a cada 10 sul-africanos, a cidade ainda luta para superar o impacto do apartheid, que levou a uma fuga para os subúrbios e mundos vastamente díspares dentro de seus lotados 1.644 quilômetros quadrados.
A estrada que conecta os subúrbios, no norte, às municipalidades pobres, no sul, passa por shopping centers sofisticados e comunidades arborizadas, em que telhados de telhas espanholas despontam atrás dos muros altos que cuidam da segurança. A via atravessa campos de mineração abandonados, amarelados pelo pó de ouro, e passa por fábricas com janelas obscurecidas antes de chegar a Soweto, onde as construções aglomeradas vão de pensões em mau estado para trabalhadores até bangalôs robustos com pilares ornados na entrada.
Aproximadamente metade da população vive abaixo da linha da pobreza. E a última vez que Johannesburgo testemunhou um investimento importante em infraestrutura foi antes da Copa do Mundo FIFA de 2010, com novas linhas de ônibus e pavimento nas calçadas. Agora isso também se deteriorou.
“Uma cidade africana de classe mundial”, afirma o slogan do município, e Joburg — como a cidade é chamada mais comumente — realmente é capaz de inspirar com sua energia.
Música ao vivo e festivais há em fartura. Restaurantes finos e ambulantes de rua servem gastronomia de todo o mundo. Ir ao teatro e exposições pode ser uma atividade cotidiana.
Não muito longe dos Elangeni Gardens, mercados descolados e gentrificados falam de uma cidade vibrante que seduz muitos jovens.
Mas essas comodidades podem servir de pouco consolo para Mhlophe e seus vizinhos, que chamam a polícia repetidamente para relatar que ladrões atacaram pessoas que os visitaram e seus carros ou denunciar traficantes vendendo drogas em suas esquinas. Certa vez, uma mulher foi arremessada de uma janela no quarto andar de um prédio.
“Nós, enquanto governo, temos de prover serviços que, no mínimo, valem o valor pedido por eles”, afirmou Gwamanda, de 38 anos, em seu discurso de posse, curvado no púlpito, falando suavemente.
Ele distribuiu sorrisos e abraços — e posou para fotos com colegas da Câmara, incluindo Dada Morero, que foi prefeito 26 dias no ano passado.
“Vamos colaborar em trazer de volta a pulsação da cidade de Johannesburgo”, afirmou Gwamanda. Ele não disse quanto tempo isso levará nem se ainda será prefeito quando isso acontecer. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL