Um juiz federal americano tornou público nesta sexta-feira, 12, o mandado de busca para a mansão de Mar-a-Lago do ex-presidente Donald Trump na Flórida e os documentos relacionados a ele. Uma lista de documentos removidos inclui materiais marcados como ultrassecretos e destinados a serem vistos apenas em instalações seguras do governo, de acordo com uma cópia do mandado obtida mais cedo pelo jornal The New York Times.
Segundo o New York Times, no inventário que acompanha o mandado, os agentes federais cumpriram a ordem para investigar possíveis crimes associados a violações da Lei de Espionagem, que proíbe a retenção não autorizada de informações de segurança nacional que possam prejudicar os EUA ou ajudar um adversário estrangeiro; uma lei federal que considera crime destruir ou ocultar um documento para obstruir uma investigação governamental; e outro estatuto associado à remoção ilegal de materiais governamentais.
A busca do FBI na segunda-feira apreendeu 11 conjuntos de documentos em 20 caixas ao todo, incluindo alguns marcados como documentos “classificados/TS/SCI” – abreviação de “informações compartimentadas altamente secretas/sensíveis”, de acordo com o relatório. Seções do mandado e um inventário que o acompanha foram relatados anteriormente pelo jornal The Wall Street nesta na sexta-feira. O inventário não detalha quais são esses documentos confidenciais.
Segundo os jornais americanos, no total, os agentes coletaram quatro conjuntos de documentos ultrassecretos, três conjuntos de documentos secretos e três conjuntos de documentos confidenciais. Incluídos no manifesto também estavam arquivos referentes ao perdão de Roger J. Stone Jr., um antigo associado de Trump, e material sobre o presidente da França, Emmanuel Macron.
O jornal The Washington Post informou na quinta-feira que os agentes do FBI estavam procurando documentos confidenciais sobre armas nucleares, entre outros itens, segundo pessoas familiarizadas com a investigação. Eles falaram sob condição de anonimato para discutir um caso em andamento e não ofereceram detalhes adicionais, como se os documentos envolviam armas pertencentes aos EUA ou a alguma outra nação.
Os pedidos de comentários feitos pelo New York Times aos advogados de Trump não foram retornadas imediatamente.
O mandado parece ter dado aos agentes uma margem bastante ampla na busca de materiais considerados indevidamente armazenados em Mar-a-Lago, permitindo o acesso ao “Escritório 45″ e “todas as salas de armazenamento” ou edifícios ou estruturas da propriedade que pudessem ter sido usados para armazenar documentos.
Trump havia anunciado na quinta-feira que apoiava o esforço legal do Departamento de Justiça para liberar o mandado de busca executado em sua residência em Mar-a-Lago – e chegou a sugerir, de alguma forma, que isso foi ideia dele. “Libere os documentos agora!” ele disse em meio a uma enxurrada de revelações sobre a investigação sobre seu manuseio de documentos da Casa Branca.
A equipe jurídica de Trump tinha até as 15h desta sexta-feira (hora local, 17h de Brasília) para responder oficialmente ao Departamento de Justiça sobre se ele tinha alguma objeção à liberação do mandado de busca e ao inventário de itens levados por agentes federais durante a busca em sua casa na Flórida na segunda-feira. A equipe informou então ao Departamento de Justiça que não se opunha à divulgação. Com isso, o juiz Bruce Reinhart, magistrado do Distrito Sul da Flórida, tornou os documentos públicos.
Especialistas em informações confidenciais disseram que a busca altamente incomum na residência de um ex-presidente ressalta a profunda preocupação entre os funcionários do governo sobre os tipos de informações que eles pensavam que poderiam estar localizadas em Mar-a-Lago e potencialmente no risco de cair em mãos erradas.
Em um comunicado na sexta-feira, Trump chamou a questão das armas nucleares de “farsa” e sugeriu que o FBI plantou evidências, sem oferecer informações para indicar que isso aconteceu. Trump disse que os agentes não permitiram que seus advogados estivessem presentes na busca, o que não é incomum em uma operação policial, especialmente se envolver itens sigilosos. Uma segunda declaração do ex-presidente afirmou que seu antecessor, Barack Obama, mantinha documentos confidenciais. “Quantos deles pertenciam ao nuclear? A palavra é, muito!” escreveu Trump.
O Arquivo Nacional negou nesta sexta-feira a alegação de Trump sobre Obama. “A Administração Nacional de Arquivos e Registros (NARA) assumiu a custódia legal e física exclusiva dos registros presidenciais de Obama quando o presidente Barack Obama deixou o cargo em 2017, de acordo com a Lei de Registros Presidenciais (PRA)”, informou a instituição, em comunicado.
Remoção de sigilo
Trump afirmou ainda que, antes de deixar o cargo, ele tirou o sigilo de todos os documentos -- alguns deles marcados como ultrassecretos -- que o FBI encontrou na busca na Flórida. “Foi tudo desclassificado”, afirmou Trump em um comunicado.
O republicano não deu detalhes, mas se ele está dizendo que fez uma invocação oral e geral de que todos os arquivos que ele levou para Mar-a-Lago não eram confidenciais, sem fazer nenhum registro formal e escrito, isso seria difícil de provar definitivamente ou refutar. Mesmo que não haja evidências de que Trump tenha seguido os procedimentos normais, seus advogados podem argumentar que ele não era constitucionalmente obrigado a obedecer essas regras.
Mas, em qualquer caso, tal alegação não resolveria a questão. Por um lado, duas das leis nas quais o mandado de busca faz referência – as Seções 1519 e 2071 do Título 18 do Código dos Estados Unidos – tornam a obtenção ou ocultação de registros do governo um crime, independentemente de terem alguma coisa a ver com a segurança nacional.
O New York Times explica que a seção 1519 é uma lei de obstrução. Aplica-se a crimes documentais cometidos “com a intenção de impedir, obstruir ou influenciar a investigação ou a administração adequada de qualquer assunto” dentro da jurisdição de departamentos ou agências federais.
Por outro, as leis contra a retirada ou o acúmulo de material com informações restritas de segurança nacional – que geralmente acarretam penalidades mais pesadas do que o roubo de documentos comuns – nem sempre se alinham com a classificação técnica dos arquivos.
Isso ocorre porque algumas leis criminais promulgadas pelo Congresso para proteger certas informações de segurança nacional operam separadamente do sistema do Poder Executivo de classificar documentos – criados por presidentes usando ordens executivas – como “confidenciais”, “secretos” ou “ultrassecretos”.
Em particular, uma terceira lei a que se refere o mandado foi a Seção 793, que prevê penas de 10 anos de prisão por delito. Mais conhecido como Lei de Espionagem, foi promulgado pelo Congresso durante a 1ª Guerra, décadas antes de o presidente Harry Truman emitir uma ordem executiva criando o moderno sistema de classificação para o poder executivo.
Como resultado, a Lei de Espionagem não faz referência se um documento foi considerado confidencial. Em vez disso, torna crime reter, sem autorização, documentos relacionados à defesa nacional que possam ser usados para prejudicar os EUA ou ajudar um adversário estrangeiro.
Os promotores podem argumentar que algum dos documentos atende a esse padrão, independentemente de Trump o ter declarado não classificado pouco antes de deixar o cargo./NYT e WP