A vice-presidente americana, Kamala Harris, conquistou nesta segunda-feira, 22, o apoio necessário de delegados para a nomeação na Convenção Democrata depois da desistência do presidente Joe Biden no domingo, 21. Kamala conquistou uma série de apoios importantes da cúpula democrata, incluindo o da ex-presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, além dos 23 governadores do partido, de 87% dos senadores e 83% dos deputados.
Horas depois de Harris fazer comentários expondo alguns dos temas de sua campanha, a Associated Press disse que ela havia garantido o apoio de mais de 1.976 delegados necessários para vencer a nomeação no primeiro turno de votação — uma forte demonstração de unidade por trás de sua campanha presidencial, o que indica que ela provavelmente se tornará oficialmente a indicada do partido no mês que vem. O apoio prometido não é vinculativo até que os delegados votem, o que autoridades do partido disseram que aconteceria entre 1º e 7 de agosto.
Centenas de delegados estaduais, a maioria dos legisladores e governadores democratas, um grupo de presidentes de partidos estaduais e vários grupos de interesse influentes que anteriormente apoiaram Biden agora deram seu apoio a Harris, enquanto outros candidatos em potencial disseram que não a desafiariam. Os principais líderes do Congresso seguiram o exemplo, com o líder da maioria no Senado Charles Schumer e o líder da minoria na Câmara Hakeem Jeffries.
Em paralelo, arrecadou o valor recorde de US$ 81 milhões nas primeiras horas de campanha e, mais importante, nenhum nome de peso se colocou publicamente para desafiá-la. Das principais lideranças democratas, no entanto, ela ainda não conta com o respaldo dos líderes do partido no Senado, Chuck Schumer, e da Câmara, Hakeem Jeffries, nem do ex-presidente Barack Obama.
“Hoje, é com imenso orgulho e otimismo ilimitado em relação ao futuro de nosso país que eu apoio a vice-presidente Kamala Harris para presidente dos Estados Unidos”, disse Nancy Pelosi. “Meu apoio entusiasmado a Kamala Harris para presidente é oficial, pessoal e político”, destacou ela que defendeu a união do partido contra Donald Trump.
Inicialmente, Pelosi havia apenas elogiado a decisão de Joe Biden, sem mencionar o nome de Kamala Harris. Antes do presidente se retirar da disputa, ela disse privadamente que preferia um processo “competitivo” de primárias à nomeação automática da vice.
Os democratas que poderiam desafiá-la, contudo, decidiram endossá-la. A lista inclui os governadores da Pensilvânia, Josh Shapiro, da Califórnia, Gavin Newson, do Kentucky, Andy Beshear, do Michigan, Gretchen Whitmer, e o secretário de Transportes dos Estados Unidos, Pete Buttigieg.
Eles passaram a ser opção para estampar as cédulas ao lado de Kamala Harris, assim como o senador do Arizona Mark Kelly, que defendeu o presidente até o momento da desistência e expressou rapidamente o seu apoio a Kamala Harris.
‘Herança’ milionária
Além dos US$ 81 milhões arrecadados hoje, Kamala é a única que pode acessar os mais de US$ 90 milhões doados para a chapa Biden-Harris. Ainda que os republicanos prometam questionar essa “herança” na Justiça, o saldo a coloca em vantagem dentro do partido, que tenta superar rapidamente a crise aberta pelos questionamentos sobre a aptidão de Joe Biden.
“Ela se coloca como candidata natural até porque herda o financiamento de campanha e conhece o processo eleitoral, embora possa enfrentar alguma resistência por representar a continuidade do governo Biden, que é o alvo da campanha republicana”, afirma o professor de Relações Internacionais da ESPM Roberto Uebel.
Mais sobre a desistência de Joe Biden
Com a máquina do partido voltada para si, Kamala Harris foi nesta segunda-feira a Delaware para a primeira reunião com a equipe da campanha que deve liderar de agora em diante. Do QG, ela recebeu mais uma vez o apoio de Joe Biden, que participou por telefone. “Eu não vou estar na cédula, mais vou estar completamente, completamente engajado”, disse.
Kamala disse que o presidente e a primeira-dama Jill são como família. Ao que Biden respondeu no viva-voz: “É recíproco. Estou de olho em você, garota. Eu amo você.”
Ao lembrar da carreira como procuradora, ela disse ter enfrentado criminosos de todos os tipos, virando o foco para o adversário. “Predadores que abusavam de mulheres. Fraudadores que roubavam consumidores. Trapaceiros que quebraram as regras para seu próprio benefício. Portanto, ouçam-me quando digo: Eu conheço o tipo de Donald Trump”.
Kamala Harris continuou dizendo que ela e Trump tem visões diferentes para o futuro do país, afirmou que o republicano quer atacar os direitos dos americanos, como a assistência médica, e prometeu que, se eleita pressionaria para transformar o acesso ao aborto em lei. “O governo não deveria dizer a uma mulher o que fazer com seu corpo”, disse.
“Kamala Harris sai fortalecida dentro do partido”, afirma Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Não vejo dificuldades para a candidatura dela em termos de apoio dos grandes nomes do Partido Democrata. Esses apoios vão vir até porque o partido não tem muitas outras opções”, destaca.
Desafios de Kamala Harris
A questão é se esses apoios serão capazes de energizar a base democrata e se converter em votos até novembro. A 105 dias da votação, as pesquisas dão vantagem para Donald Trump, que teve os holofotes voltados para si na semana passada ao sobreviver a uma tentativa de assassinato e estrelar a Convenção do Partido Republicano.
Durante quatro dias, os republicanos insistiram que o custo de vida aumentou sob Joe Biden; que os democratas permitiram uma “invasão” de criminosos na fronteira; e que as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza só aconteceram porque os Estados Unidos projetaram fraqueza no cenário internacional.
Agora, a desistência abriu um novo flanco de ataque, com os republicanos acusando o partido de manter na Casa Branca um presidente inapto. “Ele não estava apto a servir desde o início, mas as pessoas que o cercavam mentiram para os Estados Unidos sobre sua completa e total decadência mental, física e cognitiva”, disse Donald Trump em uma série de publicações na sua rede, a Truth Social.
O presidente da Câmara, o republicano Mike Johnson, foi além e pediu a renúncia do presidente. “Se Joe Biden não está apto para concorrer à Presidência, ele não está apto para servir como presidente. Ele deve renunciar ao cargo imediatamente”, escreveu nas redes sociais.
Diante dos ataques, Kamala Harris dedicou o seu primeiro discurso como provável candidata à presidência a defender Joe Biden. “O legado de conquistas de Joe Biden em três anos é incomparável na história moderna americana. Em um mandato ele superou o legado da maioria dos presidentes que serviram dois mandatos”, disse hoje na frente da Casa Branca.
Joe Biden, por sua vez, deve falar ainda esta semana, possivelmente na terça, mas adiantou na carta de desistência que não vai renunciar ao cargo.
Com o foco virando para a sucessora, Kamala Harris também entrou na mira de Donald Trump. “Joe Biden será considerado o pior presidente da história dos Estados Unidos. KAMALA, NOSSA HORRÍVEL E INCOMPETENTE CZAR DA FRONTEIRA, SERÁ PIOR!”, escreveu em letras maiúsculas na Truth Social.
Tão impopular quanto Joe Biden, ela terá o desafio de explicar aos eleitores a inflação que pressiona a classe média, apesar dos dados macroeconômicos positivos do governo democrata.
“Para o eleitor comum, que está indeciso, o que pesa é a economia”, afirma Roberto Uebel. “Emprego, renda, inflação, juros. Economia é o tema central de qualquer eleição, é quase uma fórmula matemática. Se o presidente tem bom desempenho econômico ele ou o partido se manterá no poder. Se não tiver, está fora.”
“Os democratas vão ter que convencer o eleitorado que todo mundo vai ter emprego, vai ter comida na mesa, vai conseguir comprar casa”, concorda Cristina Pecequilo. “Até o momento, eles não conseguiram fazer isso porque as pessoas sentem as dificuldades no dia a dia. Existe também uma percepção muito negativa atrelada aos gastos dos EUA nos exterior, principalmente na Ucrânia.”
Se a economia é a pedra no sapato dos democratas, do outro lado, a ascensão de Kamala Harris cria dificuldades para Donald Trump, que pode afugentar o eleitorado feminino já resistente a votar nele se fizer críticas machistas à sua adversária, afirma a analista. No caso do republicano, o desafio será conter o próprio radicalismo.
“Quanto mais radical ele for, mais ele vai afastar esse eleitorado moderado que tem, de certa forma, fechado os olhos para os abusos de poder como a invasão do Capitólio. Esse eleitorado, ele está engolindo Trump, de certa forma. Mas eu acho que a eleição está aberta. Pode pender para qualquer um dos lados”, conclui Pecequilo.