KIEV - A Rússia lançou nesta segunda-feira, 10, uma série de ataques aéreos contra cidades por toda a Ucrânia, incluindo áreas distantes das frentes de batalha, como a capital Kiev, dois dias depois da explosão da ponte do Estreito de Kerch. Os bombardeios mais amplos desde o início do conflito deixaram pelo menos 11 mortos e 87 feridos, segundo autoridades ucranianas, motivando trocas de acusações de terrorismo entre Kiev e Moscou.
De acordo com o Estado Maior das Forças Armadas da Ucrânia, ao menos 75 mísseis foram disparados contra alvos em centros urbanos como Kiev, Lviv, Ternopil e Zitomir, no oeste do país, Dnipro e Krementchuk, na região central, e Mikolaiv e Zaporizhia, no sul. A defesa aérea ucraniana teria conseguido neutralizar 41 deles, mas ainda assim a capital registrou ao menos quatro explosões.
O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, admitiu que que o país enfrentou “uma manhã difícil” após a onda de bombardeios. Em um vídeo publicado nas redes sociais, Zelenski acusou os russos de terrorismo e de mirar alvos civis. “Estamos lidando com terroristas. Eles têm dois alvos: infraestrutura energética e pessoas. Eles querem ver pânico e caos, destruir nosso sistema de energia. A Ucrânia estava aqui antes desse inimigo aparecer, a Ucrânia estará aqui depois dele”, disse.
Acusações de terrorismo também partiram de Moscou. O presidente Vladimir Putin afirmou que os ataques desta segundo foram uma retaliação às tentativas da Ucrânia de repelir as forças de Moscou, incluindo o ataque à ponte que ligava Rússia e Crimeia. Putin prometeu uma resposta “dura” e “proporcional”, caso a Ucrânia realize novos ataques que ameacem a segurança da Rússia. “Ninguém deve ter dúvidas sobre isso”, declarou.
Especialistas disseram que é muito cedo para dizer se os ataques terão um impacto significativo sobre as Forças Armadas da Ucrânia, mas afirmam que eles parecem ter sido realizados com o objetivo de aplacar os pedidos de nacionalistas russos, para que Putin intensifique o esforço de guerra. As críticas ao presidente aumentaram nas últimas semanas, com o avanço da contraofensiva ucraniana no leste e sul do país.
No último revés, uma explosão destruiu parcialmente a ponte do Estreito de Kerch, uma gigantesca obra que Putin inaugurou em 2018 como uma das principais de seu governo e usada para levar suprimentos da Rússia para a Crimeia, anexada em 2014. Na dinâmica da guerra, a estrutura era importante para abastecer as tropas russas no sul da sul da Ucrânia, um dos focos da contraofensiva de Kiev. Putin classificou o episódio de “ataque terrorista contra infraestrutura civil crítica”, e acusou os serviços secretos da Ucrânia de serem responsáveis pela explosão. Kiev não reivindicou a autoria do ataque.
Nacionalistas aprovam ataque
A estratégia de Putin parece ter alcançado o público-alvo. Nacionalistas russos comemoraram os bombardeios contra alvos ucranianos, entendendo a ofensiva como o sinal há muito esperado de que o Kremlin está intensificando seus ataques.
Ramzan Kadirov, o líder da república russa da Chechênia, que poucos dias atrás havia protestado contra a liderança militar em Moscou por ordenar a retirada de uma cidade-chave no leste da Ucrânia, aplaudiu o ataque desta segundo e disse estar finalmente “satisfeito com a forma como a operação militar especial está em andamento”.
Sergei Aksinov, líder russo na Crimeia, disse que os ataques demonstraram que a abordagem da Rússia à guerra mudou. Se os militares russos tivessem visado a infraestrutura civil da Ucrânia “todos os dias desde o primeiro dia da operação militar especial, teríamos encerrado tudo em maio”, escreveu ele no Telegram.
Durante meses, a mídia estatal russa, em sintonia com a linha oficial do Kremlin, vem alegando que as forças russas estavam atingindo apenas alvos militares na Ucrânia. Isso mudou na segunda-feira com o Canal 1, uma das duas principais redes de televisão do país, relatando os ataques contra cidades ucranianas como sua principal matéria. “Instalações críticas de infraestrutura foram danificadas”, disse o âncora de um noticiário da televisão estatal, narrando imagens de fumaça subindo no centro de Kiev.
Foi um sinal de que – em meio à crescente pressão dos apoiadores da guerra para que a Rússia intensifique seu ataque – o Kremlin queria que os russos soubessem sobre a extensão dos ataques de segunda-feira.
Sergei Mironov, um parlamentar de alto escalão, disse que o ataque à ponte que liga a Rússia à Crimeia mostrou que é preciso “travar a guerra”. Os “terroristas” na Ucrânia, disse ele, “devem viver com medo, eles devem entender que a punição é inevitável”.
Pior ataque em Kiev desde junho
O número total de vítimas ainda não é conhecido, já que outras explosões foram sentidas na sequência, informou a porta-voz do Serviço de Emergência da Ucrânia, Svitlana Vodolaga. O prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, relatou estrondos no distrito de Shevchenko, uma grande área que abriga o centro histórico e vários escritórios do governo.
Os militares ucranianos relataram que 75 mísseis foram usados nos ataques. “Pela manhã, o agressor lançou 75 mísseis. 41 deles foram derrubados por nossa defesa aérea”, disse o chefe do Exército ucraniano, general Valeri Zaluzhni. Eles acusam os russos de usarem drones fabricados no Irã, os chamados “drones kamikaze”. Há ainda o relato de que um prédio ligado à infraestrutura energética da Ucrânia foi danificado em um dos bombardeios.
Após a série de ataques, o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, pediu à população que não saia dos abrigos. “O alarme antiaéreo não para em toda a Ucrânia. Há ataques de mísseis. Infelizmente, há mortos e feridos. Peço a vocês: não saiam dos abrigos. Cuidem de vocês e de seus entes queridos. Vamos aguentar e ser fortes“, escreveu Zelenski, no Telegram.
Ele ainda lembrou que este é o 229º dia daquilo que ele chamou de “guerra em grande escala”. “No dia 229 eles tentam nos destruir e nos varrer da face da terra. Completamente. Destruir nosso povo que está dormindo em casa em Zaporizhzhia. Matar pessoas que estão a caminho do trabalho em Dnipro e Kiev. A manhã é difícil. Estamos lidando com terroristas”, acrescentou.
Essa é a primeira vez que a capital ucraniana é bombardeada desde junho passado. Na época, um dos mísseis atingiu um prédio de apartamentos, matando uma pessoa e ferindo seis. Mas, ao contrário dos ataques anteriores que acertaram principalmente os arredores de Kiev, a investida desta segunda-feira teve como alvo vários locais no centro da cidade.
O novo bombardeio ocorre no mesmo dia em que outras cidades também sofreram ataques aéreos. Também nesta segunda-feira, Zaporizhzia foi abalada pelo terceiro bombardeio em cinco dias. Os meios de comunicação ucranianos também relatam explosões em outros locais, incluindo a cidade ocidental de Lviv, que tem sido um refúgio para muitas pessoas que tentam escapar dos combates no leste, além de Dnipro, Ternopil, Khmelnytskyi, Zhytomyr e Kropyvnytskyi.
As ofensivas desta segunda-feira ocorreram poucas horas antes do presidente russo, Vladimir Putin, se reunir com o conselho de segurança, em encontro agendado para hoje. Os novos ataques surgem como reflexo da explosão que danificou a única ponte que liga a Rússia à Península da Crimeia, no sábado passado. A estrutura é um importante ativo logístico do Kremlin, usado para levar suprimentos militares russos para a região anexada.
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Vladimir Putin acusou os serviços secretos ucranianos de planejarem a explosão, à qual ele chamou de “ato terrorista”. Logo depois de sucessivas derrotas, Putin decidiu trocar o comando de suas tropas militares, repassando-o para o general Sergei Surovikin, que é conhecido pela fama de impiedoso e pela brutalidade de suas operações militares. /NYT, WPOST, EFE, AP e AFP