O líder norte-coreano, Kim Jong-un, deu o sinal mais claro até o momento de que está posicionando sua filha em idade escolar como sua sucessora, depois de uma série de fotos oficiais mostrarem a menina ao centro da mesa de um salão de banquete repleta de comandantes militares.
As fotos, publicadas na quarta-feira,8, pela Agência Central de Notícias Coreana, são de uma celebração ocorrida em Pyongyang do 75.º aniversário da fundação do Exército Popular da Coreia.
As fotos mostram Ju-ae, que acredita-se ter 10 ou 11 anos, no centro de todas as imagens — lugar que normalmente é reservado para o líder. O cabelo da menina é produzido para se parecer com o penteado usado por sua estilosa mãe, a primeira-dama Ri Sol-ju, e ela usa um sóbrio conjunto de saia e casaco preto e sapatos adequados.
Homenagens militares
Conforme eles caminham pelo salão de banquete, os líderes militares, com os uniformes de gala repletos de medalhas, levantam-se para aplaudir. À mesa, altos generais dispõem-se atrás da primeira-família, irradiando sorrisos de orelha a orelha.
O banquete foi organizado no Hotel Yanggakdo, em uma ilha do rio que atravessa Pyongyang. Era neste hotel que o estudante americano Otto Warmbier estava hospedado antes do incidente que o levou a ser detido e devolvido em estado de morte cerebral.
As cenas de júbilo apareceram impressas na primeira página do jornal Rodong Sinmun na manhã desta quarta-feira, anteriormente a um aguardado desfile militar para marcar o aniversário.
No banquete, Kim Jong-un conclamou o desenvolvimento das forças militares do país. “Redobremos todos nossos esforços e trabalhemos mais duro para fortalecer e desenvolver nosso Exército e alcançar a prosperidade e o desenvolvimento do nosso país socialista”, afirmou ele, segundo a imprensa estatal.
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A Coreia do Norte celebra nesta quinta-feira o ‘Dia da Vitória’ na Guerra da Coreia. No discurso aos veteranos do conflito, o líder Kim Jong-un fez novas ameaças ao país vizinho.
‘Afilhada’ de Dennis Rodman
A reportagem não informava o nome nem a idade da menina, identificando-a apenas como a “respeitada filha” de Kim — na primeira vez que esse adjetivo foi aplicado a ela, em uma aparente promoção em relação a “amada”. Mas acredita-se que ela seja a menina chamada Ju-ae, que o ex-astro da NBA Dennis Rodman pegou no colo quando bebê durante a visita que fez a Pyongyang em 2013.
As apresentações midiáticas da filha de Kim constituem um “esforço ativo” de Pyongyang em elevar sua proeminência, afirmou Cheong Seong-chang, especialista em liderança norte-coreana do Instituto Sejong, nas imediações de Seul. “Dados esses desenvolvimentos, não há mais dúvida a respeito de Kim Ju-ae ter sido escolhida para suceder Kim Jong-un”, afirmou ele.
Ainda que os norte-coreanos — que escutam desde o nascimento que a família Kim emana de uma nobre linhagem sanguínea e que é simplesmente correto que a dinastia deva governar — possam aceitar uma quarta geração governante, resta saber se o sistema altamente patriarcal aceitaria uma líder mulher, afirmou Cheong.
As fotos sublinham a importância dos militares em manter a reivindicação de legitimidade da família Kim.
Kim Jong-un foi apresentado para os militares como sucessor de seu pai quando tinha apenas 8 anos, de acordo com sua tia.
Em sua festa de 8 anos, em Pyongyang, Kim vestiu um uniforme de general decorado com estrelas, e generais reais, com estrelas reais, se curvaram diante dele e expressaram seu respeito a ele a partir daquele momento, afirmou Ko Yong-suk, que esteve na festa. “Era impossível para ele crescer como uma pessoa normal quando as pessoas de seu entorno o tratavam dessa maneira”, afirmou Ko em entrevista ao Washington Post, em 2016.
A filha de Kim Jong-un fez sua primeira aparição pública em novembro, quando acompanhou o pai a um campo de lançamento de mísseis e inspecionou um míssil de mãos dadas com ele, de acordo com uma foto publicada pela mídia estatal norte-coreana. Nessa oportunidade, ela foi chamada de filha “amada”.
Outra foto mostrou pai e filha, junto com Ri, em uma plataforma de observação durante o lançamento de um míssil — o segundo do tipo naquele mês — de acordo com a mídia local. Kim tentou tanto enfatizar as raízes de sua família quanto usá-las para salientar a fundação do desenvolvimento nuclear da Coreia do Norte, afirmou o legislador sul-coreano Tae Yong-ho, que trabalhou como diplomata graduado da Coreia do Norte antes de fugir do país, em 2016.
Trata-se de um sinal de que o programa de armamentos, cerne da estratégia de sobrevivência do regime, veio para ficar, afirmou ele. “Ao exibir sua filha ao lado de um míssil balístico intercontinental, (Kim) está anunciando para o mundo e para o seu povo que (a Coreia do Norte) jamais abrirá mão de ser programa nuclear, que será levado adiante por toda a sua linhagem”, afirmou Tae. Kim Jong-un é a terceira geração de sua família a governar o Estado totalitário da Coreia do Norte desde que seu avô, Kim Il-sung, o fundou, em 1948. Após a morte de Kim Il-sung, em 1994, seu filho Kim Jong-il assumiu, governando até o fim de 2011, quando foi sucedido por Kim Jong-un, atualmente com 39 anos.
Especulações sobre a sucessão
Kim Jong-un alimentou especulações generalizadas sobre seus planos para sucessão depois de apresentar publicamente sua filha pela primeira vez no fim do ano passado. Mas a dúvida a respeito de uma mulher poder governar a Coreia do Norte é complexa, afirmam mulheres que fugiram do país e pesquisadores.
Apesar de mulheres ocuparem posições poderosas no regime — há a irmã de Kim e sua principal assessora, Kim Yo-jong; a ministra de Relações Exteriores, Choe Son-hui; e Hyon Song-wol, diretora de segurança e logística dos eventos públicos com o líder — a Coreia do Norte continua uma sociedade profundamente dominada pelos homens.
A motivação de Kim Jong-un em publicar a foto de sua filha não foi retratá-la como uma possível futura líder, mas retratar a si mesmo como uma figura paternal almejando objetivos políticos, afirmou a professora Kim Seok-hyang, da Universidade de Mulheres Ewha, após as primeiras fotos serem divulgadas, no ano passado. Quebrar o último teto de vidro ainda não é politicamente viável dada a hierarquia de dominância masculina, acrescentou ela. / WASHINGTON POST, COM TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL