Regina Jackson e Saira Rao alcançaram um grau de fama em 2020 no auge da reação popular depois que a polícia matou George Floyd, um americano negro desarmado acusado de comprar cigarros com uma nota falsa de US$ 20. Por uma taxa alta, mulheres brancas ricas contratavam a dupla para ajudá-las a confrontar preconceitos inconscientes em jantares que apresentavam brincadeiras do tipo “Levante a mão se você é racista”. Os convidados podem ter caído em lágrimas quando souberam que suas frases feitas de quem se diz indiferente aos tons de pele eram apenas mais um tijolo no edifício da supremacia branca, mas houve muito interesse. As duas mulheres apareceram em muitas reportagens e fizeram um filme sobre seus jantares, “Desconstruindo Karen”, no qual uma participante culpada confessa: “Sou uma mulher branca progressista. Somos certamente as mulheres mais perigosas”.
A atenção da mídia diminuiu desde então. O mais recente evento “Race2Dinner” aconteceu há um ano. A dupla agora apresenta exibições do filme. O problema, diz Saira, não é apenas que elas estão fartas de ter que “sentar em frente a uma pessoa branca para dizer a ela por que não pode chamar as pessoas pelo termo que começa com N”. É também que o interesse público nas questões de injustiça racial esfriou. “O ímpeto do antirracismo, anticolonialismo, anti-imperialismo, antigenocídio está morto. Não há movimento”, lamenta Saira.
Despertar
Os republicanos adoram atribuir tudo o que consideram errado com os Estados Unidos a uma epidemia de “lacração”, termo que tendem a empregar como sinônimo de qualquer coisa que cheire a virtude vaidosa ou ao politicamente correto. Assim, uma ponte sobre o porto de Baltimore desabou no início deste ano, não porque foi atingida por um navio de carga descontrolado, como pode ter parecido, mas porque um dos seis comissários do porto próximo é uma mulher negra cuja empresa de recursos humanos ajuda empresas a avaliar a diversidade de suas forças de trabalho, entre outras coisas — ou assim afirmou um candidato republicano ao governado de Utah. Donald Trump, ao aceitar a nomeação republicana para presidente em julho, culpou a liderança “lacradora” pelas falhas das forças armadas americanas. A plataforma oficial do partido este ano reclama do “governo...lacrador” estimulando processos com motivação política. A implicação é que as atitudes lacradoras estão proliferando, e que apenas os republicanos podem conter sua ascensão.
Na verdade, a discussão e a adoção de visões lacradoras atingiram o pico nos EUA no início da década de 2020 e diminuíram acentuadamente desde então. A Economist tentou quantificar a proeminência das ideias lacradoras em quatro domínios: opinião pública, mídia, ensino superior e negócios. Em quase todos os lugares que olhamos, uma tendência semelhante surgiu: a lacração cresceu acentuadamente em 2015, quando Donald Trump apareceu na cena política, continuou a se espalhar durante o subsequente surgimento do #MeToo e do Black Lives Matter, atingiu o pico em 2021-22, e vem diminuindo desde então. A única exceção é a lacração corporativa, que decolou apenas após o assassinato de Floyd, mas também recuou nos dois anos mais recentes.
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O termo “woke”, no sentido de “acordado”, foi originalmente usado na esquerda para descrever pessoas que estão alertas para as mazelas do racismo. Mais tarde, passou a abranger aqueles ansiosos para lutar contra qualquer forma de preconceito, os “lacradores”. Por essa definição, é obviamente uma coisa boa. Mas os democratas raramente usam esses termos agora, porque se tornaram associados aos ativistas mais estridentes, que tendem a dividir o mundo em vítimas e opressores. Essa perspectiva eleva a identidade do grupo em relação ao indivíduo e vê resultados desiguais para diferentes grupos como prova de discriminação sistêmica. Essa lógica é então usada para justificar meios antiliberais para corrigir injustiças arraigadas, como a discriminação reversa e o policiamento da fala. É esse tipo de “guerreiro lacrador” que os republicanos adoram criticar.
O despertar da lacração
Nossa análise inclui tanto os defensores quanto os críticos da lacração, observando ideias e ações associadas a esse tipo de ativismo, para o bem ou para o mal. Ela mede, por exemplo, conversas sobre “diversidade, equidade e inclusão” (DEI) no mundo corporativo, independentemente de serem invocadas como uma forma de corrigir a sub-representação de mulheres e minorias raciais ou como um exemplo de medida piedosa de fachada. Alguns dos critérios que usamos se aplicam apenas à forma mais doutrinária de ativismo lacrador, como o número de iniciativas para censurar acadêmicos por visões consideradas ofensivas. Outros capturam apenas os aspectos mais positivos do movimento, como dados de pesquisas a respeito da proporção de americanos que se preocupam com a injustiça racial. De qualquer forma, os resultados são consistentes: os EUA já passaram do “auge da lacração”.
A maneira mais simples de medir a disseminação de visões lacradoras é por meio de pesquisas. Examinamos as respostas nos 25 anos mais recentes a pesquisas conduzidas pela Gallup, General Social Survey (GSS), Pew e YouGov. As opiniões “lacradoras” a respeito da discriminação racial começaram a crescer por volta de 2015 e atingiram o pico por volta de 2021. Nos dados mais recentes da Gallup, do início deste ano, 35% das pessoas disseram que se preocupavam “muito” com as relações raciais, abaixo do pico de 48% em 2021, mas acima dos 17% em 2014. De acordo com a Pew, a parcela de americanos que concordam que os brancos desfrutam de vantagens na vida que os negros não têm (“privilégio branco”, no jargão) atingiu o pico em 2020. Nos dados do GSS, a visão de que a discriminação é a principal razão para as diferenças nos resultados entre as raças atingiu o pico em 2021 e caiu na versão mais recente da pesquisa, em 2022. Alguns dos maiores saltos e declínios subsequentes no pensamento lacrador ocorreram entre os jovens e aqueles da esquerda.
As pesquisas a respeito da discriminação sexual revelam um padrão semelhante, embora com um pico anterior às preocupações com a raça. A parcela de americanos que consideram o sexismo um problema muito grande ou moderadamente grande atingiu o pico de 70% em 2018, após o #MeToo. A parcela que acredita que as mulheres enfrentam obstáculos que dificultam o progresso atingiu o pico em 2019, em 57%. As visões lacradoras envolvendo o gênero também estão em declínio. A Pew descobriu que a parcela de pessoas que acreditam que alguém pode ter um sexo diferente daquele em que nasceu caiu constantemente desde 2017, quando a pergunta foi feita pela primeira vez na pesquisa. A oposição a estudantes trans jogando em times esportivos que correspondem ao gênero escolhido em vez do sexo biológico cresceu de 53% em 2022 para 61% em 2024, de acordo com o YouGov.
Para corroborar a tendência revelada pelas pesquisas de opinião, medimos a frequência com que a mídia tem usado termos da lacração como “interseccionalidade”, “micro agressão”, “opressão”, “privilégio branco” e “transfobia”. A nosso pedido, David Rozado, um acadêmico da Nova Zelândia, contou a frequência de 154 dessas palavras em seis jornais — Los Angeles Times, New York Times, New York Post, Wall Street Journal, Washington Post e Washington Times — entre 1970 e 2023. Em todos, exceto no Los Angeles Times, a frequência desses termos atingiu o pico entre 2019 e 2021 e caiu desde então. Vejamos o termo “privilégio branco”: em 2020, ele apareceu cerca de 2,5 vezes para cada milhão de palavras no New York Times, mas, em 2023, caiu para apenas 0,4 menções para cada milhão de palavras.
Encontramos em grande parte a mesma tendência na televisão, aplicando o mesmo método de contagem de palavras às transcrições da ABC, MSNBC e Fox News de 2010 e 2023, e em livros, usando os títulos dos 30 livros mais vendidos a cada semana entre 2012 e meados deste ano. As menções de termos da lacração na televisão atingiram o pico em 2021. Em livros populares, o pico veio mais tarde, em 2022, com apenas uma pequena queda em 2023, seguida por uma queda muito maior em 2024 até o momento.
Na academia, que é frequentemente considerada um viveiro de lacradores, a tendência é basicamente a mesma. Os apelos para que os acadêmicos sejam repreendidos por suas opiniões, conforme documentado pela Foundation for Individual Rights and Expression, atingiram o pico em 2021 com um total de 222 incidentes relatados (muitos desses apelos vieram da direita, não apenas da esquerda). Um banco de dados semelhante, compilado pelo College Fix, um jornal estudantil conservador, revela que 2020 foi o pico em apelos para que acadêmicos fossem censurados ou cancelados. Essas descobertas também coincidem com dados de pesquisas: a parcela de americanos que acham que expressões de visões racistas devem ser restringidas aumentou acentuadamente entre 2016 e 2021, atingindo cerca de 52%, e desde então caiu ligeiramente, para 49%, em 2022.
O ensino e a pesquisa também parecem estar se afastando da lacração, pelo menos um pouco. O uso do nosso conjunto de 154 termos lacradores começou a aumentar acentuadamente em 2015 em artigos de ciências sociais coletados pela JSTOR, uma biblioteca digital de periódicos acadêmicos. Em 2022, a incidência de “interseccional”, “branquitude”, “opressão” e semelhantes estavam no auge. A nosso pedido, Jacob Light, economista da Universidade Stanford, contou a frequência de palavras lacradoras em uma coleção de catálogos de cursos de universidades americanas. Os cursos que invocavam termos lacradores em seus nomes ou resumos aumentaram em cerca de 20% entre 2010 e 2022, mas permaneceram estáveis no ano passado.
Em parte, o recuo da academia em relação à lacração foi ordenado por lei. A Suprema Corte proibiu ações afirmativas baseadas em raça nas inscrições universitárias no ano passado. De acordo com o Chronicle of Higher Education, 86 projetos de lei em 28 estados visaram coibir iniciativas de DEI na academia no ano passado; 14 se tornaram lei. Por exemplo, o Alabama proibirá, a partir de 1º de outubro, universidades financiadas pelo estado de ter escritórios ou programas de DEI, de promover “conceitos divisivos” a respeito de “raça, cor, religião, sexo, etnia ou origem nacional” e de permitir que alunos transgênero usem os banheiros de sua escolha.
Nove estados proíbem instituições acadêmicas de exigir “declarações de diversidade” de candidatos a empregos. Os críticos atacaram essas meditações pessoais envolvendo a importância da inclusão como testes ideológicos decisivos. No início deste ano, várias universidades importantes, incluindo Harvard e o Massachusetts Institute of Technology, cederam à pressão de doadores e ex-alunos e as abandonaram. Outras, como a Universidade da Califórnia, enfrentaram processos judiciais por causa da continuidade do seu uso.
A lacração também está em declínio nas empresas americanas, embora tenha aparecido lá apenas recentemente. As menções ao DEI em apresentações de resultados aumentaram quase cinco vezes entre o primeiro e o terceiro trimestres de 2020, após a morte de Floyd. Elas atingiram o pico no segundo trimestre de 2021, quando eram 14 vezes mais comuns do que no início de 2020, de acordo com dados da AlphaSense, uma empresa de pesquisa de mercado. Desde então, elas começaram a cair drasticamente outra vez. Nos dados mais recentes, do segundo trimestre de 2024, as menções eram apenas cerca de três vezes maiores do que antes da morte de Floyd.
A parcela de novas vagas de empregos que mencionam a diversidade continua a crescer, no entanto, conforme mais empresas adicionam clichês de inclusão na parte inferior dos anúncios. Mas as evidências também sugerem que as empresas estão menos dispostas a seguir seu discurso com o investimento, em termos de DEI. O número de pessoas empregadas em DEI caiu nos últimos anos. De acordo com a Revelio, que rastreia estatísticas trabalhistas em um grupo de grandes empresas americanas, as funções de DEI como uma parcela do emprego geral dobraram do início de 2016 até o final de 2022 (para 0,02% de todos os funcionários, ou cerca de 12.600 funções). Mas, nas estimativas mais recentes, de julho, esses números caíram 11% em relação ao pico (para 0,018% dos funcionários, ou 11.100 funções). De acordo com a Farient Advisers, uma consultoria de remuneração, a parcela de empresas do S&P 500 que vincularam a remuneração dos chefes a metas de diversidade atingiu o pico em 2022 (53%) e caiu em 2023 (para 48%).
A queda no entusiasmo corporativo pela DEI pode ter várias causas. Primeiro, em qualquer momento de aperto no cinto, as funções de suporte são as primeiras a sofrer cortes. É assim que os consultores de DEI explicam a recente redução dos departamentos de DEI em grandes empresas de tecnologia, como Meta e Microsoft. Segundo, após a decisão da Suprema Corte a respeito da ação afirmativa na educação, as empresas estão com medo de serem processadas por práticas que possam ser interpretadas como discriminatórias contra certos grupos. Uma terceira possibilidade é que as empresas estejam percebendo o declínio do entusiasmo público pelo ativismo social corporativo. A Gallup detectou uma grande queda entre 2022 e 2023 na parcela de americanos que gostam que as empresas se posicionem em questões de debate público. Menos da metade, por exemplo, acha que as empresas devem se manifestar a respeito de questões raciais ou direitos LGBT. A Bud Light, uma marca popular de cerveja, sofreu uma grande queda nas vendas no ano passado após uma colaboração promocional com uma estrela transgênero das mídias sociais. As ações de sua empresa controladora só se recuperaram recentemente.
Questionado quanto ao motivo pelo qual empresas que há dois anos ficavam felizes em falar sobre suas credenciais de DEI agora estarem ignorando a Economist, Johnny Taylor, da SHRM, uma associação para pessoas que trabalham em recursos humanos, diz rindo: “Dois anos atrás, a Budweiser era a cerveja mais vendida no país”. Outras grandes marcas, incluindo a Disney, uma empresa de mídia, e a Target, uma varejista, também sofreram reações negativas por comportamento que alguns clientes consideraram muito lacrador. Robby Starbuck, um ativista que faz campanha para que empresas com clientes relativamente conservadores abandonem o DEI, diz que quer “Tornar a América Corporativa Sã Novamente”. Instigado por pessoas como Elon Musk, um teórico da conspiração bilionário, ele obteve concessões e desculpas rastejantes da Coors, Ford, Harley Davidson, Jack Daniel’s e John Deere. Starbuck afirma que, enquanto seus primeiros alvos cederam somente depois que ele postou vídeos sobre eles castigando-os online, atualmente as empresas estão começando a abandonar as iniciativas DEI preventivamente.
Na esteira da lacração
Embora nossa análise mostre uma clara redução na lacração, há vários motivos para cautela. Por um lado, embora todas as nossas medidas estejam abaixo do pico, elas permanecem bem acima do nível de 2015 em quase todos os casos. Além disso, em alguns aspectos, as ideias lacradoras podem ter se tornado menos discutidas simplesmente porque passaram a ser amplamente aceitas. De acordo com a Gallup, 74% dos americanos querem que as empresas promovam a diversidade, independentemente de quaisquer problemas do DEI.
Com o tempo, as atitudes em relação à lacração sem dúvida mudarão novamente. É fácil ver como Trump pode provocar um renascimento do ativismo lacrador na esquerda se ele ganhar a presidência novamente. Da mesma forma, se Kamala Harris, a candidata democrata, se tornar presidente no ano que vem, ela pode estimular uma reação entre os ativistas anti-lacração. Afinal, algumas das maiores diferenças de opinião entre democratas e republicanos dizem respeito a questões sociais: 80% dos prováveis eleitores democratas acreditam que o legado da escravidão ainda afeta os negros, por exemplo, em comparação com apenas 27% dos apoiadores de Trump, de acordo com a Pew. Também há uma chance de que a Geração Z, a geração mais lacradora, mantenha essa perspectiva conforme envelhece, o que levaria a um aumento gradual nas visões lacradoras entre a população em geral.
Mas, por enquanto, os defensores do pensamento lacrador estão desesperados. Regina Jackson, do Race2Dinner, acha que as coisas ficaram “muito piores”, principalmente quando olhamos para “o que está acontecendo com a proibição de livros, proibição da comunidade LGBTQ, proibição de pessoas trans, interrupção do DEI”. Ela acha que Trump “deu a todos permissão para serem simplesmente escrotos”. Os críticos estão exultantes: Ruy Teixeira, do American Enterprise Institute, um centro de estudos estratégicos, diz: “Acho que as pessoas um dia olharão para a era de 2015 a 2025 como um momento de loucura”. Mas, embora Teixeira pense que a onda lacradora atrasou o progresso social, ele observa que, no longo prazo, os EUA vêm reduzindo a discriminação e melhorando as oportunidades para minorias de todos os tipos. Essa tendência, ele acredita, é duradoura. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL