Lema de Lula da ‘esperança contra o medo’ inspirou Milei para vencer Massa, diz marqueteiro


Pablo Nobel, consultor que comandou campanhas do PT, PSDB e do governo de SP, reforçou a equipe de Milei na reta final e usou lema da ‘esperança contra o medo’

Por Carolina Marins
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - Cerca de 48 horas depois que o então candidato Javier Milei havia amargado um segundo lugar no primeiro turno das eleições argentinas, ficando 6 pontos atrás de Sergio Massa, um amigo do ex-presidente Mauricio Macri ligou para o consultor político argentino radicado no Brasil Pablo Nobel pedindo por ajuda. Um mês depois, a campanha do libertário comemorava o resultado histórico no segundo turno que tornou Javier Milei o novo presidente da Argentina.

Para a estratégia vitoriosa, foi preciso pedir para Milei guardar a motosserra, falar menos alto e pensar um pouco menos na própria militância. Em outras palavras, moderar. Mas o mote final foi inspirado na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva de 2002 na eleição contra José Serra: esperança vence o medo. Um mote de Lula para responder a outro mote de Lula, já que do outro lado, na equipe de Sergio Massa, a estratégia de marqueteiros brasileiros ligados ao PT era provocar o medo que um governo Milei poderia representar. Mesmo mote que guiou Lula em 2022 na eleição contra Jair Bolsonaro.

“Você não disputa a narrativa e o relato do medo com mais medo”, contou Nobel em uma entrevista ao Estadão. “É muito difícil você se impor discutindo quem é pior. Na nossa experiência, o antídoto para o medo é a esperança. Você se lembra de Lula 2002. Então nós resgatamos isso e trouxemos a narrativa da esperança. ‘A esperança vai vencer o medo’. Isso foi muito forte no digital e acabou de uma maneira mudando um pouco a envergadura e deixando ele mais presidenciável.”

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O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, durante seu discurso de vitória após bater Sergio Massa com 11 pontos de diferença Foto: Luis Robayo/AFP

Milei moderado

A equipe de Nobel colaborou com o marketing das propagandas televisivas. As redes sociais, conta, ficaram com outra equipe de jovens que já acompanhavam Milei desde antes. Justamente por ter chegado já no fim da corrida, o consultor rejeita o rótulo de “marqueteiro de Milei”, porque já havia uma equipe comandada por dois conhecidos Santiagos: Oría e Caputo, este último considerado o grande arquiteto da estratégia vitoriosa e a quem Milei agradeceu no discurso de vitória.

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Todo este trabalho foi feito sem nunca ter visto Milei, conta. A irmã, Karina Milei, Nobel conheceu só no dia da vitória. A verdade é que o círculo íntimo do agora presidente é bastante fechado. Mais de uma pessoa que o conhece diretamente diz que o libertário confia em poucas pessoas: a irmã, Guillermo Francos e Caputo seriam estes poucos, com mais alguns nomes como Ramiro Marra e Santiago Oría conseguindo avançar um pouco neste círculo mais íntimo. Sendo assim, todo o contato dos consultores com Milei era intermediado por Caputo.

O desafio era fazer com que uma figura tão formada na televisão - Milei se fez conhecido ao fazer comentário econômicos fortes nos programas televisivos argentinos - se tornasse “palatável” para o eleitor indeciso, inseguro e, principalmente, o gigantesco eleitorado que havia ficado órfão de Patricia Bullrich, a candidata derrotada do Juntos pela Mudança no primeiro turno.

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“O que trouxemos do ponto de vista brasileiro foi a moderação. Tinha uma audiência que já havia decidido votar em Milei, outra que ia votar em Massa. E tinha uma franja de 20% talvez 30% de brancos, indecisos, que não sabiam o que fazer. Essa moderação era necessária para utilizar, da melhor forma possível, o apoio da Patricia e do Mauricio Macri. Isso funcionou”, comemora.

A intermediação de Caputo foi fundamental para manter esta moderação do candidato, o que Nobel reconhece que foi uma tarefa difícil. “Ele é assim, gosta de ser assim, quer ser assim, e o que está por trás é, ser assim me trouxe até aqui, então não me digam o que fazer”.

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Da ‘casta’ para a presidência

Nobel e sua equipe desembarcaram em Ezeiza poucos dias depois do convite de Macri com uma pasta de estudos debaixo do braço. Com o tempo curtíssimo para vencer uma campanha adversária que contava com uma gigantesca máquina de militância como a peronista, além da própria máquina Estatal, Nobel sabia que a missão era gigante. “Mas é disso que eu gosto né? Falei ‘vamos’!”.

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O consultor contava com uma vantagem: conhece muito bem o peronismo, já que trabalhou nas campanhas de Eduardo Duhalde, Daniel Scioli (que perdeu para Macri) e na vitória de Alberto Fernández e Cristina Kirchner (novamente contra Macri). “Entramos nós com campanha do medo contra o Macri [na campanha contra Scioli]. Ele sempre me lembra disso. Odeia essa história”, conta rindo. Ainda assim, foi Macri que o apresentou para a equipe de Milei.

No Brasil, Nobel também conhece bem as campanhas petistas, psdebistas e agora bolsonaristas. Trabalhou com Marta Suplicy (então do PT), Lula, Geraldo Alckmin, Aécio Neves e ajudou Tarcísio de Freitas e se tornar o governador de São Paulo.

Ou seja, experiência, não falta. Mas o tempo era curto, e a campanha de Milei trazia novidades: uma equipe formada quase inteiramente de jovens que nunca haviam atuado na política, mas que sabiam atuar nas redes sociais. Com esta equipe original, a estratégia sempre foi da “autenticidade”. E foi isso que deu a Milei 30% de eleitorado praticamente fiel. Mas para o segundo turno é necessário mais. De preferência, 50%.

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Para reverter a derrota do primeiro turno, Javier Milei teve de 'guarda a motosserra' e moderar discurso Foto: Marcos Gomez/AG La Plata/AFP

A campanha de Milei contou com três momentos-chave, os três momentos de eleição: nas primárias, de agosto, a questão da “bronca” e da “casta” lhe garantiu um eleitorado que também estava com raiva dos políticos e viu uma empatia em Milei. Mas na hora da eleição geral, em que se definem de fato cargos, o eleitor tende a ser mais racional, e a “bronca” não é mais suficiente.

“Esse eleitor, na hora de votar nas gerais, passa a olhar pra outro lugar. Pensa: ‘ele tem raiva como eu, mas será que vai ser um bom presidente?’. Aí entra outra estratégia e outra conversa. E é aí que ele não se sai tão bem. Esse é o momento que a estratégia do medo, dos nossos queridos colegas brasileiros funciona, as pessoas começam a pensar ‘meu deus, isso pode ser uma loucura’ e votam em Milei com menos força e ele termina as gerais com números praticamente iguais ao que ele vai para as PASO”.

Estudando com calma este cenário, Nobel entendeu que no segundo turno a discussão precisava sair de Milei e focar em Massa. “O segundo turno é um plebiscito”, afirma, e neste plebiscito tende-se a mostrar que o outro é pior. “Nesse momento, tiramos a lupa do Milei e jogamos no Massa. O eleitor passa a olhar se a vida dele melhorou ou não [com Massa como ministro da Economia]. Quando a lupa sai do Milei e vai pro Massa, o voto volta pro Milei, e é catapultado para esse número extraordinário e essa diferença notável. Porque o Massa perde do Massa, independente do adversário.”

O problema era que o adversário estava fazendo o mesmo. A estratégia da campanha de Sergio Massa era utilizar Milei contra ele mesmo, segundo afirmaram membros da campanha ao Estadão. Falas recentes, porém polarizantes de Milei, e até falas antigas, foram destacadas pela equipe do peronista. “Não é campanha de medo, é apenas mostrar o que Milei está dizendo”, afirmaram. O “Milei não” chegou aos terminais de trem, universidades e bancos públicos da Argentina.

Cartaz diz "Não à privatização dos trens argentinos. Não a Milei" na estação de trem de Retiro, Buenos Aires, em 17 de novembro Foto: Carolina Marins/Estadão

Ao observar que os colegas adversários traziam questões como venda de órgãos, liberação das armas, democracia e até relações comerciais com o Brasil, a equipe de Milei evitou entrar em modo defensivo e rebateu expondo a inflação de 140%, o aumento da pobreza e a queda na qualidade de vida. Porém, o último foco havia de ser a democracia, evitando cair na dicotomia “democracia versus anti-democracia” que houve nas eleições brasileiras.

“Falamos para ele: ‘motosserra? Para com isso’, ‘fala mais suave, um tom de voz diferente, com o mesmo texto’, ‘menos palco e menos rock and roll’. Esse público já era conquistado. Falei: ‘vamos aproveitar a entrada da Patricia e conversar com as mulheres, com outra audiência’. E os meninos [da equipe] foram super abertos”.

Outro desafio foi não deixar a imagem do libertário colar tão profundamente na imagem de Bolsonaro. Durante o primeiro turno, Eduardo Bolsonaro marcou presença no bunker de Milei e protagonizou uma cena constrangedora na televisão, quando foi cortado ao vivo ao defender a posse de armas. De acordo com o marqueteiro, o tema não soou bem em uma sociedade que é historicamente contra armamento. E a campanha de Sergio Massa soube aproveitar a discussão.

“Há um momento em que o Eduardo vem para cá, e dentro da lógica conservadora, tenta trazer o armamento e legalização das armas. Mas dentro da sociedade argentina, os dois lados são contra arma. Não dá pra imaginar que o conservadorismo bolsonarista tem tudo a ver com Milei”, opina.

“O Bolsonaro tende ao Estado, o Javier Milei é 100% pró-mercado, o Bolsonaro tem questões de pauta moral sobre homossexualidade, casamento gay, aborto. O Milei é pela legalização de tudo. Ele acha que o mercado tem que se regulamentar e o Estado é o mínimo possível. Você percebe que não são a mesma coisa, parece que estão no mesmo espectro, mas quando você coloca uma lupa de cima, as diferenças são notáveis dentro desse conjunto mais conservador.”

Eduardo Bolsonaro esteve presente no primeiro turno da Argentina no QG de Milei, mas não voltou para o segundo turno Foto: Luis Robayo/AFP

O papel de Macri

A ajuda de Mauricio Macri não ficou restrita ao telefonema para Nobel. O ex-presidente e líder da coalizão Juntos pela Mudança declarou apoio a Milei nas primeiras horas após o primeiro turno. Com ele, trouxe um eleitorado que o confia e também todo o aparato de seu partido Proposta Republicana (PRO) para militar e fiscalizar pelo A Liberdade Avança, o partido recém-nascido de Milei.

“O apoio de Maurício Macri traz uma institucionalidade para o Javier Milei, para esse voto inseguro que está sobre a pressão do voto do medo. O Maurício diz: ‘você pode gostar ou não de mim, mas eu garanto que isso aqui não é uma loucura, isso aqui faz parte da Democracia, estamos dentro do espectro democrático’. Então para mim esse também é um viés que acaba explicando esse número violento, essa diferença que normalmente não aconteça em segundos turnos.”

O momento em que a virada de marés ficou explícito, afirma o publicitário, foi depois do último debate. Nas horas seguintes aos embates - em que Milei precisou segurar para não mostrar o lado “el loco” - a impressão que tinha era de que Massa havia saído o grande vencedor, por sua postura “presidenciável”. Mas em uma sociedade que está cansada dos políticos, ser político demais custa, e Nobel viu isso quando as pesquisas internas dos dias seguintes deixaram claro que Milei estava crescendo.

Esse fenômeno, ele reflete, vai impactar campanhas eleitorais mundo a fora. “O debate mostra o que há de mais político no extremo do pêndulo. E Milei se mostra o menos político no outro extremo. O resto é história. E isso é algo que vamos ter que estudar, entender, nas próximas campanhas, no Brasil e no mundo. O contraponto é o profissional, pessoas ‘coacheadas’, versus autenticidade. Essa é a linha que a comunicação política vai ter que encarar no Brasil ano que vem e mundo a fora daqui para frente”.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - Cerca de 48 horas depois que o então candidato Javier Milei havia amargado um segundo lugar no primeiro turno das eleições argentinas, ficando 6 pontos atrás de Sergio Massa, um amigo do ex-presidente Mauricio Macri ligou para o consultor político argentino radicado no Brasil Pablo Nobel pedindo por ajuda. Um mês depois, a campanha do libertário comemorava o resultado histórico no segundo turno que tornou Javier Milei o novo presidente da Argentina.

Para a estratégia vitoriosa, foi preciso pedir para Milei guardar a motosserra, falar menos alto e pensar um pouco menos na própria militância. Em outras palavras, moderar. Mas o mote final foi inspirado na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva de 2002 na eleição contra José Serra: esperança vence o medo. Um mote de Lula para responder a outro mote de Lula, já que do outro lado, na equipe de Sergio Massa, a estratégia de marqueteiros brasileiros ligados ao PT era provocar o medo que um governo Milei poderia representar. Mesmo mote que guiou Lula em 2022 na eleição contra Jair Bolsonaro.

“Você não disputa a narrativa e o relato do medo com mais medo”, contou Nobel em uma entrevista ao Estadão. “É muito difícil você se impor discutindo quem é pior. Na nossa experiência, o antídoto para o medo é a esperança. Você se lembra de Lula 2002. Então nós resgatamos isso e trouxemos a narrativa da esperança. ‘A esperança vai vencer o medo’. Isso foi muito forte no digital e acabou de uma maneira mudando um pouco a envergadura e deixando ele mais presidenciável.”

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, durante seu discurso de vitória após bater Sergio Massa com 11 pontos de diferença Foto: Luis Robayo/AFP

Milei moderado

A equipe de Nobel colaborou com o marketing das propagandas televisivas. As redes sociais, conta, ficaram com outra equipe de jovens que já acompanhavam Milei desde antes. Justamente por ter chegado já no fim da corrida, o consultor rejeita o rótulo de “marqueteiro de Milei”, porque já havia uma equipe comandada por dois conhecidos Santiagos: Oría e Caputo, este último considerado o grande arquiteto da estratégia vitoriosa e a quem Milei agradeceu no discurso de vitória.

Todo este trabalho foi feito sem nunca ter visto Milei, conta. A irmã, Karina Milei, Nobel conheceu só no dia da vitória. A verdade é que o círculo íntimo do agora presidente é bastante fechado. Mais de uma pessoa que o conhece diretamente diz que o libertário confia em poucas pessoas: a irmã, Guillermo Francos e Caputo seriam estes poucos, com mais alguns nomes como Ramiro Marra e Santiago Oría conseguindo avançar um pouco neste círculo mais íntimo. Sendo assim, todo o contato dos consultores com Milei era intermediado por Caputo.

O desafio era fazer com que uma figura tão formada na televisão - Milei se fez conhecido ao fazer comentário econômicos fortes nos programas televisivos argentinos - se tornasse “palatável” para o eleitor indeciso, inseguro e, principalmente, o gigantesco eleitorado que havia ficado órfão de Patricia Bullrich, a candidata derrotada do Juntos pela Mudança no primeiro turno.

“O que trouxemos do ponto de vista brasileiro foi a moderação. Tinha uma audiência que já havia decidido votar em Milei, outra que ia votar em Massa. E tinha uma franja de 20% talvez 30% de brancos, indecisos, que não sabiam o que fazer. Essa moderação era necessária para utilizar, da melhor forma possível, o apoio da Patricia e do Mauricio Macri. Isso funcionou”, comemora.

A intermediação de Caputo foi fundamental para manter esta moderação do candidato, o que Nobel reconhece que foi uma tarefa difícil. “Ele é assim, gosta de ser assim, quer ser assim, e o que está por trás é, ser assim me trouxe até aqui, então não me digam o que fazer”.

Da ‘casta’ para a presidência

Nobel e sua equipe desembarcaram em Ezeiza poucos dias depois do convite de Macri com uma pasta de estudos debaixo do braço. Com o tempo curtíssimo para vencer uma campanha adversária que contava com uma gigantesca máquina de militância como a peronista, além da própria máquina Estatal, Nobel sabia que a missão era gigante. “Mas é disso que eu gosto né? Falei ‘vamos’!”.

O consultor contava com uma vantagem: conhece muito bem o peronismo, já que trabalhou nas campanhas de Eduardo Duhalde, Daniel Scioli (que perdeu para Macri) e na vitória de Alberto Fernández e Cristina Kirchner (novamente contra Macri). “Entramos nós com campanha do medo contra o Macri [na campanha contra Scioli]. Ele sempre me lembra disso. Odeia essa história”, conta rindo. Ainda assim, foi Macri que o apresentou para a equipe de Milei.

No Brasil, Nobel também conhece bem as campanhas petistas, psdebistas e agora bolsonaristas. Trabalhou com Marta Suplicy (então do PT), Lula, Geraldo Alckmin, Aécio Neves e ajudou Tarcísio de Freitas e se tornar o governador de São Paulo.

Ou seja, experiência, não falta. Mas o tempo era curto, e a campanha de Milei trazia novidades: uma equipe formada quase inteiramente de jovens que nunca haviam atuado na política, mas que sabiam atuar nas redes sociais. Com esta equipe original, a estratégia sempre foi da “autenticidade”. E foi isso que deu a Milei 30% de eleitorado praticamente fiel. Mas para o segundo turno é necessário mais. De preferência, 50%.

Para reverter a derrota do primeiro turno, Javier Milei teve de 'guarda a motosserra' e moderar discurso Foto: Marcos Gomez/AG La Plata/AFP

A campanha de Milei contou com três momentos-chave, os três momentos de eleição: nas primárias, de agosto, a questão da “bronca” e da “casta” lhe garantiu um eleitorado que também estava com raiva dos políticos e viu uma empatia em Milei. Mas na hora da eleição geral, em que se definem de fato cargos, o eleitor tende a ser mais racional, e a “bronca” não é mais suficiente.

“Esse eleitor, na hora de votar nas gerais, passa a olhar pra outro lugar. Pensa: ‘ele tem raiva como eu, mas será que vai ser um bom presidente?’. Aí entra outra estratégia e outra conversa. E é aí que ele não se sai tão bem. Esse é o momento que a estratégia do medo, dos nossos queridos colegas brasileiros funciona, as pessoas começam a pensar ‘meu deus, isso pode ser uma loucura’ e votam em Milei com menos força e ele termina as gerais com números praticamente iguais ao que ele vai para as PASO”.

Estudando com calma este cenário, Nobel entendeu que no segundo turno a discussão precisava sair de Milei e focar em Massa. “O segundo turno é um plebiscito”, afirma, e neste plebiscito tende-se a mostrar que o outro é pior. “Nesse momento, tiramos a lupa do Milei e jogamos no Massa. O eleitor passa a olhar se a vida dele melhorou ou não [com Massa como ministro da Economia]. Quando a lupa sai do Milei e vai pro Massa, o voto volta pro Milei, e é catapultado para esse número extraordinário e essa diferença notável. Porque o Massa perde do Massa, independente do adversário.”

O problema era que o adversário estava fazendo o mesmo. A estratégia da campanha de Sergio Massa era utilizar Milei contra ele mesmo, segundo afirmaram membros da campanha ao Estadão. Falas recentes, porém polarizantes de Milei, e até falas antigas, foram destacadas pela equipe do peronista. “Não é campanha de medo, é apenas mostrar o que Milei está dizendo”, afirmaram. O “Milei não” chegou aos terminais de trem, universidades e bancos públicos da Argentina.

Cartaz diz "Não à privatização dos trens argentinos. Não a Milei" na estação de trem de Retiro, Buenos Aires, em 17 de novembro Foto: Carolina Marins/Estadão

Ao observar que os colegas adversários traziam questões como venda de órgãos, liberação das armas, democracia e até relações comerciais com o Brasil, a equipe de Milei evitou entrar em modo defensivo e rebateu expondo a inflação de 140%, o aumento da pobreza e a queda na qualidade de vida. Porém, o último foco havia de ser a democracia, evitando cair na dicotomia “democracia versus anti-democracia” que houve nas eleições brasileiras.

“Falamos para ele: ‘motosserra? Para com isso’, ‘fala mais suave, um tom de voz diferente, com o mesmo texto’, ‘menos palco e menos rock and roll’. Esse público já era conquistado. Falei: ‘vamos aproveitar a entrada da Patricia e conversar com as mulheres, com outra audiência’. E os meninos [da equipe] foram super abertos”.

Outro desafio foi não deixar a imagem do libertário colar tão profundamente na imagem de Bolsonaro. Durante o primeiro turno, Eduardo Bolsonaro marcou presença no bunker de Milei e protagonizou uma cena constrangedora na televisão, quando foi cortado ao vivo ao defender a posse de armas. De acordo com o marqueteiro, o tema não soou bem em uma sociedade que é historicamente contra armamento. E a campanha de Sergio Massa soube aproveitar a discussão.

“Há um momento em que o Eduardo vem para cá, e dentro da lógica conservadora, tenta trazer o armamento e legalização das armas. Mas dentro da sociedade argentina, os dois lados são contra arma. Não dá pra imaginar que o conservadorismo bolsonarista tem tudo a ver com Milei”, opina.

“O Bolsonaro tende ao Estado, o Javier Milei é 100% pró-mercado, o Bolsonaro tem questões de pauta moral sobre homossexualidade, casamento gay, aborto. O Milei é pela legalização de tudo. Ele acha que o mercado tem que se regulamentar e o Estado é o mínimo possível. Você percebe que não são a mesma coisa, parece que estão no mesmo espectro, mas quando você coloca uma lupa de cima, as diferenças são notáveis dentro desse conjunto mais conservador.”

Eduardo Bolsonaro esteve presente no primeiro turno da Argentina no QG de Milei, mas não voltou para o segundo turno Foto: Luis Robayo/AFP

O papel de Macri

A ajuda de Mauricio Macri não ficou restrita ao telefonema para Nobel. O ex-presidente e líder da coalizão Juntos pela Mudança declarou apoio a Milei nas primeiras horas após o primeiro turno. Com ele, trouxe um eleitorado que o confia e também todo o aparato de seu partido Proposta Republicana (PRO) para militar e fiscalizar pelo A Liberdade Avança, o partido recém-nascido de Milei.

“O apoio de Maurício Macri traz uma institucionalidade para o Javier Milei, para esse voto inseguro que está sobre a pressão do voto do medo. O Maurício diz: ‘você pode gostar ou não de mim, mas eu garanto que isso aqui não é uma loucura, isso aqui faz parte da Democracia, estamos dentro do espectro democrático’. Então para mim esse também é um viés que acaba explicando esse número violento, essa diferença que normalmente não aconteça em segundos turnos.”

O momento em que a virada de marés ficou explícito, afirma o publicitário, foi depois do último debate. Nas horas seguintes aos embates - em que Milei precisou segurar para não mostrar o lado “el loco” - a impressão que tinha era de que Massa havia saído o grande vencedor, por sua postura “presidenciável”. Mas em uma sociedade que está cansada dos políticos, ser político demais custa, e Nobel viu isso quando as pesquisas internas dos dias seguintes deixaram claro que Milei estava crescendo.

Esse fenômeno, ele reflete, vai impactar campanhas eleitorais mundo a fora. “O debate mostra o que há de mais político no extremo do pêndulo. E Milei se mostra o menos político no outro extremo. O resto é história. E isso é algo que vamos ter que estudar, entender, nas próximas campanhas, no Brasil e no mundo. O contraponto é o profissional, pessoas ‘coacheadas’, versus autenticidade. Essa é a linha que a comunicação política vai ter que encarar no Brasil ano que vem e mundo a fora daqui para frente”.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - Cerca de 48 horas depois que o então candidato Javier Milei havia amargado um segundo lugar no primeiro turno das eleições argentinas, ficando 6 pontos atrás de Sergio Massa, um amigo do ex-presidente Mauricio Macri ligou para o consultor político argentino radicado no Brasil Pablo Nobel pedindo por ajuda. Um mês depois, a campanha do libertário comemorava o resultado histórico no segundo turno que tornou Javier Milei o novo presidente da Argentina.

Para a estratégia vitoriosa, foi preciso pedir para Milei guardar a motosserra, falar menos alto e pensar um pouco menos na própria militância. Em outras palavras, moderar. Mas o mote final foi inspirado na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva de 2002 na eleição contra José Serra: esperança vence o medo. Um mote de Lula para responder a outro mote de Lula, já que do outro lado, na equipe de Sergio Massa, a estratégia de marqueteiros brasileiros ligados ao PT era provocar o medo que um governo Milei poderia representar. Mesmo mote que guiou Lula em 2022 na eleição contra Jair Bolsonaro.

“Você não disputa a narrativa e o relato do medo com mais medo”, contou Nobel em uma entrevista ao Estadão. “É muito difícil você se impor discutindo quem é pior. Na nossa experiência, o antídoto para o medo é a esperança. Você se lembra de Lula 2002. Então nós resgatamos isso e trouxemos a narrativa da esperança. ‘A esperança vai vencer o medo’. Isso foi muito forte no digital e acabou de uma maneira mudando um pouco a envergadura e deixando ele mais presidenciável.”

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, durante seu discurso de vitória após bater Sergio Massa com 11 pontos de diferença Foto: Luis Robayo/AFP

Milei moderado

A equipe de Nobel colaborou com o marketing das propagandas televisivas. As redes sociais, conta, ficaram com outra equipe de jovens que já acompanhavam Milei desde antes. Justamente por ter chegado já no fim da corrida, o consultor rejeita o rótulo de “marqueteiro de Milei”, porque já havia uma equipe comandada por dois conhecidos Santiagos: Oría e Caputo, este último considerado o grande arquiteto da estratégia vitoriosa e a quem Milei agradeceu no discurso de vitória.

Todo este trabalho foi feito sem nunca ter visto Milei, conta. A irmã, Karina Milei, Nobel conheceu só no dia da vitória. A verdade é que o círculo íntimo do agora presidente é bastante fechado. Mais de uma pessoa que o conhece diretamente diz que o libertário confia em poucas pessoas: a irmã, Guillermo Francos e Caputo seriam estes poucos, com mais alguns nomes como Ramiro Marra e Santiago Oría conseguindo avançar um pouco neste círculo mais íntimo. Sendo assim, todo o contato dos consultores com Milei era intermediado por Caputo.

O desafio era fazer com que uma figura tão formada na televisão - Milei se fez conhecido ao fazer comentário econômicos fortes nos programas televisivos argentinos - se tornasse “palatável” para o eleitor indeciso, inseguro e, principalmente, o gigantesco eleitorado que havia ficado órfão de Patricia Bullrich, a candidata derrotada do Juntos pela Mudança no primeiro turno.

“O que trouxemos do ponto de vista brasileiro foi a moderação. Tinha uma audiência que já havia decidido votar em Milei, outra que ia votar em Massa. E tinha uma franja de 20% talvez 30% de brancos, indecisos, que não sabiam o que fazer. Essa moderação era necessária para utilizar, da melhor forma possível, o apoio da Patricia e do Mauricio Macri. Isso funcionou”, comemora.

A intermediação de Caputo foi fundamental para manter esta moderação do candidato, o que Nobel reconhece que foi uma tarefa difícil. “Ele é assim, gosta de ser assim, quer ser assim, e o que está por trás é, ser assim me trouxe até aqui, então não me digam o que fazer”.

Da ‘casta’ para a presidência

Nobel e sua equipe desembarcaram em Ezeiza poucos dias depois do convite de Macri com uma pasta de estudos debaixo do braço. Com o tempo curtíssimo para vencer uma campanha adversária que contava com uma gigantesca máquina de militância como a peronista, além da própria máquina Estatal, Nobel sabia que a missão era gigante. “Mas é disso que eu gosto né? Falei ‘vamos’!”.

O consultor contava com uma vantagem: conhece muito bem o peronismo, já que trabalhou nas campanhas de Eduardo Duhalde, Daniel Scioli (que perdeu para Macri) e na vitória de Alberto Fernández e Cristina Kirchner (novamente contra Macri). “Entramos nós com campanha do medo contra o Macri [na campanha contra Scioli]. Ele sempre me lembra disso. Odeia essa história”, conta rindo. Ainda assim, foi Macri que o apresentou para a equipe de Milei.

No Brasil, Nobel também conhece bem as campanhas petistas, psdebistas e agora bolsonaristas. Trabalhou com Marta Suplicy (então do PT), Lula, Geraldo Alckmin, Aécio Neves e ajudou Tarcísio de Freitas e se tornar o governador de São Paulo.

Ou seja, experiência, não falta. Mas o tempo era curto, e a campanha de Milei trazia novidades: uma equipe formada quase inteiramente de jovens que nunca haviam atuado na política, mas que sabiam atuar nas redes sociais. Com esta equipe original, a estratégia sempre foi da “autenticidade”. E foi isso que deu a Milei 30% de eleitorado praticamente fiel. Mas para o segundo turno é necessário mais. De preferência, 50%.

Para reverter a derrota do primeiro turno, Javier Milei teve de 'guarda a motosserra' e moderar discurso Foto: Marcos Gomez/AG La Plata/AFP

A campanha de Milei contou com três momentos-chave, os três momentos de eleição: nas primárias, de agosto, a questão da “bronca” e da “casta” lhe garantiu um eleitorado que também estava com raiva dos políticos e viu uma empatia em Milei. Mas na hora da eleição geral, em que se definem de fato cargos, o eleitor tende a ser mais racional, e a “bronca” não é mais suficiente.

“Esse eleitor, na hora de votar nas gerais, passa a olhar pra outro lugar. Pensa: ‘ele tem raiva como eu, mas será que vai ser um bom presidente?’. Aí entra outra estratégia e outra conversa. E é aí que ele não se sai tão bem. Esse é o momento que a estratégia do medo, dos nossos queridos colegas brasileiros funciona, as pessoas começam a pensar ‘meu deus, isso pode ser uma loucura’ e votam em Milei com menos força e ele termina as gerais com números praticamente iguais ao que ele vai para as PASO”.

Estudando com calma este cenário, Nobel entendeu que no segundo turno a discussão precisava sair de Milei e focar em Massa. “O segundo turno é um plebiscito”, afirma, e neste plebiscito tende-se a mostrar que o outro é pior. “Nesse momento, tiramos a lupa do Milei e jogamos no Massa. O eleitor passa a olhar se a vida dele melhorou ou não [com Massa como ministro da Economia]. Quando a lupa sai do Milei e vai pro Massa, o voto volta pro Milei, e é catapultado para esse número extraordinário e essa diferença notável. Porque o Massa perde do Massa, independente do adversário.”

O problema era que o adversário estava fazendo o mesmo. A estratégia da campanha de Sergio Massa era utilizar Milei contra ele mesmo, segundo afirmaram membros da campanha ao Estadão. Falas recentes, porém polarizantes de Milei, e até falas antigas, foram destacadas pela equipe do peronista. “Não é campanha de medo, é apenas mostrar o que Milei está dizendo”, afirmaram. O “Milei não” chegou aos terminais de trem, universidades e bancos públicos da Argentina.

Cartaz diz "Não à privatização dos trens argentinos. Não a Milei" na estação de trem de Retiro, Buenos Aires, em 17 de novembro Foto: Carolina Marins/Estadão

Ao observar que os colegas adversários traziam questões como venda de órgãos, liberação das armas, democracia e até relações comerciais com o Brasil, a equipe de Milei evitou entrar em modo defensivo e rebateu expondo a inflação de 140%, o aumento da pobreza e a queda na qualidade de vida. Porém, o último foco havia de ser a democracia, evitando cair na dicotomia “democracia versus anti-democracia” que houve nas eleições brasileiras.

“Falamos para ele: ‘motosserra? Para com isso’, ‘fala mais suave, um tom de voz diferente, com o mesmo texto’, ‘menos palco e menos rock and roll’. Esse público já era conquistado. Falei: ‘vamos aproveitar a entrada da Patricia e conversar com as mulheres, com outra audiência’. E os meninos [da equipe] foram super abertos”.

Outro desafio foi não deixar a imagem do libertário colar tão profundamente na imagem de Bolsonaro. Durante o primeiro turno, Eduardo Bolsonaro marcou presença no bunker de Milei e protagonizou uma cena constrangedora na televisão, quando foi cortado ao vivo ao defender a posse de armas. De acordo com o marqueteiro, o tema não soou bem em uma sociedade que é historicamente contra armamento. E a campanha de Sergio Massa soube aproveitar a discussão.

“Há um momento em que o Eduardo vem para cá, e dentro da lógica conservadora, tenta trazer o armamento e legalização das armas. Mas dentro da sociedade argentina, os dois lados são contra arma. Não dá pra imaginar que o conservadorismo bolsonarista tem tudo a ver com Milei”, opina.

“O Bolsonaro tende ao Estado, o Javier Milei é 100% pró-mercado, o Bolsonaro tem questões de pauta moral sobre homossexualidade, casamento gay, aborto. O Milei é pela legalização de tudo. Ele acha que o mercado tem que se regulamentar e o Estado é o mínimo possível. Você percebe que não são a mesma coisa, parece que estão no mesmo espectro, mas quando você coloca uma lupa de cima, as diferenças são notáveis dentro desse conjunto mais conservador.”

Eduardo Bolsonaro esteve presente no primeiro turno da Argentina no QG de Milei, mas não voltou para o segundo turno Foto: Luis Robayo/AFP

O papel de Macri

A ajuda de Mauricio Macri não ficou restrita ao telefonema para Nobel. O ex-presidente e líder da coalizão Juntos pela Mudança declarou apoio a Milei nas primeiras horas após o primeiro turno. Com ele, trouxe um eleitorado que o confia e também todo o aparato de seu partido Proposta Republicana (PRO) para militar e fiscalizar pelo A Liberdade Avança, o partido recém-nascido de Milei.

“O apoio de Maurício Macri traz uma institucionalidade para o Javier Milei, para esse voto inseguro que está sobre a pressão do voto do medo. O Maurício diz: ‘você pode gostar ou não de mim, mas eu garanto que isso aqui não é uma loucura, isso aqui faz parte da Democracia, estamos dentro do espectro democrático’. Então para mim esse também é um viés que acaba explicando esse número violento, essa diferença que normalmente não aconteça em segundos turnos.”

O momento em que a virada de marés ficou explícito, afirma o publicitário, foi depois do último debate. Nas horas seguintes aos embates - em que Milei precisou segurar para não mostrar o lado “el loco” - a impressão que tinha era de que Massa havia saído o grande vencedor, por sua postura “presidenciável”. Mas em uma sociedade que está cansada dos políticos, ser político demais custa, e Nobel viu isso quando as pesquisas internas dos dias seguintes deixaram claro que Milei estava crescendo.

Esse fenômeno, ele reflete, vai impactar campanhas eleitorais mundo a fora. “O debate mostra o que há de mais político no extremo do pêndulo. E Milei se mostra o menos político no outro extremo. O resto é história. E isso é algo que vamos ter que estudar, entender, nas próximas campanhas, no Brasil e no mundo. O contraponto é o profissional, pessoas ‘coacheadas’, versus autenticidade. Essa é a linha que a comunicação política vai ter que encarar no Brasil ano que vem e mundo a fora daqui para frente”.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - Cerca de 48 horas depois que o então candidato Javier Milei havia amargado um segundo lugar no primeiro turno das eleições argentinas, ficando 6 pontos atrás de Sergio Massa, um amigo do ex-presidente Mauricio Macri ligou para o consultor político argentino radicado no Brasil Pablo Nobel pedindo por ajuda. Um mês depois, a campanha do libertário comemorava o resultado histórico no segundo turno que tornou Javier Milei o novo presidente da Argentina.

Para a estratégia vitoriosa, foi preciso pedir para Milei guardar a motosserra, falar menos alto e pensar um pouco menos na própria militância. Em outras palavras, moderar. Mas o mote final foi inspirado na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva de 2002 na eleição contra José Serra: esperança vence o medo. Um mote de Lula para responder a outro mote de Lula, já que do outro lado, na equipe de Sergio Massa, a estratégia de marqueteiros brasileiros ligados ao PT era provocar o medo que um governo Milei poderia representar. Mesmo mote que guiou Lula em 2022 na eleição contra Jair Bolsonaro.

“Você não disputa a narrativa e o relato do medo com mais medo”, contou Nobel em uma entrevista ao Estadão. “É muito difícil você se impor discutindo quem é pior. Na nossa experiência, o antídoto para o medo é a esperança. Você se lembra de Lula 2002. Então nós resgatamos isso e trouxemos a narrativa da esperança. ‘A esperança vai vencer o medo’. Isso foi muito forte no digital e acabou de uma maneira mudando um pouco a envergadura e deixando ele mais presidenciável.”

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, durante seu discurso de vitória após bater Sergio Massa com 11 pontos de diferença Foto: Luis Robayo/AFP

Milei moderado

A equipe de Nobel colaborou com o marketing das propagandas televisivas. As redes sociais, conta, ficaram com outra equipe de jovens que já acompanhavam Milei desde antes. Justamente por ter chegado já no fim da corrida, o consultor rejeita o rótulo de “marqueteiro de Milei”, porque já havia uma equipe comandada por dois conhecidos Santiagos: Oría e Caputo, este último considerado o grande arquiteto da estratégia vitoriosa e a quem Milei agradeceu no discurso de vitória.

Todo este trabalho foi feito sem nunca ter visto Milei, conta. A irmã, Karina Milei, Nobel conheceu só no dia da vitória. A verdade é que o círculo íntimo do agora presidente é bastante fechado. Mais de uma pessoa que o conhece diretamente diz que o libertário confia em poucas pessoas: a irmã, Guillermo Francos e Caputo seriam estes poucos, com mais alguns nomes como Ramiro Marra e Santiago Oría conseguindo avançar um pouco neste círculo mais íntimo. Sendo assim, todo o contato dos consultores com Milei era intermediado por Caputo.

O desafio era fazer com que uma figura tão formada na televisão - Milei se fez conhecido ao fazer comentário econômicos fortes nos programas televisivos argentinos - se tornasse “palatável” para o eleitor indeciso, inseguro e, principalmente, o gigantesco eleitorado que havia ficado órfão de Patricia Bullrich, a candidata derrotada do Juntos pela Mudança no primeiro turno.

“O que trouxemos do ponto de vista brasileiro foi a moderação. Tinha uma audiência que já havia decidido votar em Milei, outra que ia votar em Massa. E tinha uma franja de 20% talvez 30% de brancos, indecisos, que não sabiam o que fazer. Essa moderação era necessária para utilizar, da melhor forma possível, o apoio da Patricia e do Mauricio Macri. Isso funcionou”, comemora.

A intermediação de Caputo foi fundamental para manter esta moderação do candidato, o que Nobel reconhece que foi uma tarefa difícil. “Ele é assim, gosta de ser assim, quer ser assim, e o que está por trás é, ser assim me trouxe até aqui, então não me digam o que fazer”.

Da ‘casta’ para a presidência

Nobel e sua equipe desembarcaram em Ezeiza poucos dias depois do convite de Macri com uma pasta de estudos debaixo do braço. Com o tempo curtíssimo para vencer uma campanha adversária que contava com uma gigantesca máquina de militância como a peronista, além da própria máquina Estatal, Nobel sabia que a missão era gigante. “Mas é disso que eu gosto né? Falei ‘vamos’!”.

O consultor contava com uma vantagem: conhece muito bem o peronismo, já que trabalhou nas campanhas de Eduardo Duhalde, Daniel Scioli (que perdeu para Macri) e na vitória de Alberto Fernández e Cristina Kirchner (novamente contra Macri). “Entramos nós com campanha do medo contra o Macri [na campanha contra Scioli]. Ele sempre me lembra disso. Odeia essa história”, conta rindo. Ainda assim, foi Macri que o apresentou para a equipe de Milei.

No Brasil, Nobel também conhece bem as campanhas petistas, psdebistas e agora bolsonaristas. Trabalhou com Marta Suplicy (então do PT), Lula, Geraldo Alckmin, Aécio Neves e ajudou Tarcísio de Freitas e se tornar o governador de São Paulo.

Ou seja, experiência, não falta. Mas o tempo era curto, e a campanha de Milei trazia novidades: uma equipe formada quase inteiramente de jovens que nunca haviam atuado na política, mas que sabiam atuar nas redes sociais. Com esta equipe original, a estratégia sempre foi da “autenticidade”. E foi isso que deu a Milei 30% de eleitorado praticamente fiel. Mas para o segundo turno é necessário mais. De preferência, 50%.

Para reverter a derrota do primeiro turno, Javier Milei teve de 'guarda a motosserra' e moderar discurso Foto: Marcos Gomez/AG La Plata/AFP

A campanha de Milei contou com três momentos-chave, os três momentos de eleição: nas primárias, de agosto, a questão da “bronca” e da “casta” lhe garantiu um eleitorado que também estava com raiva dos políticos e viu uma empatia em Milei. Mas na hora da eleição geral, em que se definem de fato cargos, o eleitor tende a ser mais racional, e a “bronca” não é mais suficiente.

“Esse eleitor, na hora de votar nas gerais, passa a olhar pra outro lugar. Pensa: ‘ele tem raiva como eu, mas será que vai ser um bom presidente?’. Aí entra outra estratégia e outra conversa. E é aí que ele não se sai tão bem. Esse é o momento que a estratégia do medo, dos nossos queridos colegas brasileiros funciona, as pessoas começam a pensar ‘meu deus, isso pode ser uma loucura’ e votam em Milei com menos força e ele termina as gerais com números praticamente iguais ao que ele vai para as PASO”.

Estudando com calma este cenário, Nobel entendeu que no segundo turno a discussão precisava sair de Milei e focar em Massa. “O segundo turno é um plebiscito”, afirma, e neste plebiscito tende-se a mostrar que o outro é pior. “Nesse momento, tiramos a lupa do Milei e jogamos no Massa. O eleitor passa a olhar se a vida dele melhorou ou não [com Massa como ministro da Economia]. Quando a lupa sai do Milei e vai pro Massa, o voto volta pro Milei, e é catapultado para esse número extraordinário e essa diferença notável. Porque o Massa perde do Massa, independente do adversário.”

O problema era que o adversário estava fazendo o mesmo. A estratégia da campanha de Sergio Massa era utilizar Milei contra ele mesmo, segundo afirmaram membros da campanha ao Estadão. Falas recentes, porém polarizantes de Milei, e até falas antigas, foram destacadas pela equipe do peronista. “Não é campanha de medo, é apenas mostrar o que Milei está dizendo”, afirmaram. O “Milei não” chegou aos terminais de trem, universidades e bancos públicos da Argentina.

Cartaz diz "Não à privatização dos trens argentinos. Não a Milei" na estação de trem de Retiro, Buenos Aires, em 17 de novembro Foto: Carolina Marins/Estadão

Ao observar que os colegas adversários traziam questões como venda de órgãos, liberação das armas, democracia e até relações comerciais com o Brasil, a equipe de Milei evitou entrar em modo defensivo e rebateu expondo a inflação de 140%, o aumento da pobreza e a queda na qualidade de vida. Porém, o último foco havia de ser a democracia, evitando cair na dicotomia “democracia versus anti-democracia” que houve nas eleições brasileiras.

“Falamos para ele: ‘motosserra? Para com isso’, ‘fala mais suave, um tom de voz diferente, com o mesmo texto’, ‘menos palco e menos rock and roll’. Esse público já era conquistado. Falei: ‘vamos aproveitar a entrada da Patricia e conversar com as mulheres, com outra audiência’. E os meninos [da equipe] foram super abertos”.

Outro desafio foi não deixar a imagem do libertário colar tão profundamente na imagem de Bolsonaro. Durante o primeiro turno, Eduardo Bolsonaro marcou presença no bunker de Milei e protagonizou uma cena constrangedora na televisão, quando foi cortado ao vivo ao defender a posse de armas. De acordo com o marqueteiro, o tema não soou bem em uma sociedade que é historicamente contra armamento. E a campanha de Sergio Massa soube aproveitar a discussão.

“Há um momento em que o Eduardo vem para cá, e dentro da lógica conservadora, tenta trazer o armamento e legalização das armas. Mas dentro da sociedade argentina, os dois lados são contra arma. Não dá pra imaginar que o conservadorismo bolsonarista tem tudo a ver com Milei”, opina.

“O Bolsonaro tende ao Estado, o Javier Milei é 100% pró-mercado, o Bolsonaro tem questões de pauta moral sobre homossexualidade, casamento gay, aborto. O Milei é pela legalização de tudo. Ele acha que o mercado tem que se regulamentar e o Estado é o mínimo possível. Você percebe que não são a mesma coisa, parece que estão no mesmo espectro, mas quando você coloca uma lupa de cima, as diferenças são notáveis dentro desse conjunto mais conservador.”

Eduardo Bolsonaro esteve presente no primeiro turno da Argentina no QG de Milei, mas não voltou para o segundo turno Foto: Luis Robayo/AFP

O papel de Macri

A ajuda de Mauricio Macri não ficou restrita ao telefonema para Nobel. O ex-presidente e líder da coalizão Juntos pela Mudança declarou apoio a Milei nas primeiras horas após o primeiro turno. Com ele, trouxe um eleitorado que o confia e também todo o aparato de seu partido Proposta Republicana (PRO) para militar e fiscalizar pelo A Liberdade Avança, o partido recém-nascido de Milei.

“O apoio de Maurício Macri traz uma institucionalidade para o Javier Milei, para esse voto inseguro que está sobre a pressão do voto do medo. O Maurício diz: ‘você pode gostar ou não de mim, mas eu garanto que isso aqui não é uma loucura, isso aqui faz parte da Democracia, estamos dentro do espectro democrático’. Então para mim esse também é um viés que acaba explicando esse número violento, essa diferença que normalmente não aconteça em segundos turnos.”

O momento em que a virada de marés ficou explícito, afirma o publicitário, foi depois do último debate. Nas horas seguintes aos embates - em que Milei precisou segurar para não mostrar o lado “el loco” - a impressão que tinha era de que Massa havia saído o grande vencedor, por sua postura “presidenciável”. Mas em uma sociedade que está cansada dos políticos, ser político demais custa, e Nobel viu isso quando as pesquisas internas dos dias seguintes deixaram claro que Milei estava crescendo.

Esse fenômeno, ele reflete, vai impactar campanhas eleitorais mundo a fora. “O debate mostra o que há de mais político no extremo do pêndulo. E Milei se mostra o menos político no outro extremo. O resto é história. E isso é algo que vamos ter que estudar, entender, nas próximas campanhas, no Brasil e no mundo. O contraponto é o profissional, pessoas ‘coacheadas’, versus autenticidade. Essa é a linha que a comunicação política vai ter que encarar no Brasil ano que vem e mundo a fora daqui para frente”.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - Cerca de 48 horas depois que o então candidato Javier Milei havia amargado um segundo lugar no primeiro turno das eleições argentinas, ficando 6 pontos atrás de Sergio Massa, um amigo do ex-presidente Mauricio Macri ligou para o consultor político argentino radicado no Brasil Pablo Nobel pedindo por ajuda. Um mês depois, a campanha do libertário comemorava o resultado histórico no segundo turno que tornou Javier Milei o novo presidente da Argentina.

Para a estratégia vitoriosa, foi preciso pedir para Milei guardar a motosserra, falar menos alto e pensar um pouco menos na própria militância. Em outras palavras, moderar. Mas o mote final foi inspirado na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva de 2002 na eleição contra José Serra: esperança vence o medo. Um mote de Lula para responder a outro mote de Lula, já que do outro lado, na equipe de Sergio Massa, a estratégia de marqueteiros brasileiros ligados ao PT era provocar o medo que um governo Milei poderia representar. Mesmo mote que guiou Lula em 2022 na eleição contra Jair Bolsonaro.

“Você não disputa a narrativa e o relato do medo com mais medo”, contou Nobel em uma entrevista ao Estadão. “É muito difícil você se impor discutindo quem é pior. Na nossa experiência, o antídoto para o medo é a esperança. Você se lembra de Lula 2002. Então nós resgatamos isso e trouxemos a narrativa da esperança. ‘A esperança vai vencer o medo’. Isso foi muito forte no digital e acabou de uma maneira mudando um pouco a envergadura e deixando ele mais presidenciável.”

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, durante seu discurso de vitória após bater Sergio Massa com 11 pontos de diferença Foto: Luis Robayo/AFP

Milei moderado

A equipe de Nobel colaborou com o marketing das propagandas televisivas. As redes sociais, conta, ficaram com outra equipe de jovens que já acompanhavam Milei desde antes. Justamente por ter chegado já no fim da corrida, o consultor rejeita o rótulo de “marqueteiro de Milei”, porque já havia uma equipe comandada por dois conhecidos Santiagos: Oría e Caputo, este último considerado o grande arquiteto da estratégia vitoriosa e a quem Milei agradeceu no discurso de vitória.

Todo este trabalho foi feito sem nunca ter visto Milei, conta. A irmã, Karina Milei, Nobel conheceu só no dia da vitória. A verdade é que o círculo íntimo do agora presidente é bastante fechado. Mais de uma pessoa que o conhece diretamente diz que o libertário confia em poucas pessoas: a irmã, Guillermo Francos e Caputo seriam estes poucos, com mais alguns nomes como Ramiro Marra e Santiago Oría conseguindo avançar um pouco neste círculo mais íntimo. Sendo assim, todo o contato dos consultores com Milei era intermediado por Caputo.

O desafio era fazer com que uma figura tão formada na televisão - Milei se fez conhecido ao fazer comentário econômicos fortes nos programas televisivos argentinos - se tornasse “palatável” para o eleitor indeciso, inseguro e, principalmente, o gigantesco eleitorado que havia ficado órfão de Patricia Bullrich, a candidata derrotada do Juntos pela Mudança no primeiro turno.

“O que trouxemos do ponto de vista brasileiro foi a moderação. Tinha uma audiência que já havia decidido votar em Milei, outra que ia votar em Massa. E tinha uma franja de 20% talvez 30% de brancos, indecisos, que não sabiam o que fazer. Essa moderação era necessária para utilizar, da melhor forma possível, o apoio da Patricia e do Mauricio Macri. Isso funcionou”, comemora.

A intermediação de Caputo foi fundamental para manter esta moderação do candidato, o que Nobel reconhece que foi uma tarefa difícil. “Ele é assim, gosta de ser assim, quer ser assim, e o que está por trás é, ser assim me trouxe até aqui, então não me digam o que fazer”.

Da ‘casta’ para a presidência

Nobel e sua equipe desembarcaram em Ezeiza poucos dias depois do convite de Macri com uma pasta de estudos debaixo do braço. Com o tempo curtíssimo para vencer uma campanha adversária que contava com uma gigantesca máquina de militância como a peronista, além da própria máquina Estatal, Nobel sabia que a missão era gigante. “Mas é disso que eu gosto né? Falei ‘vamos’!”.

O consultor contava com uma vantagem: conhece muito bem o peronismo, já que trabalhou nas campanhas de Eduardo Duhalde, Daniel Scioli (que perdeu para Macri) e na vitória de Alberto Fernández e Cristina Kirchner (novamente contra Macri). “Entramos nós com campanha do medo contra o Macri [na campanha contra Scioli]. Ele sempre me lembra disso. Odeia essa história”, conta rindo. Ainda assim, foi Macri que o apresentou para a equipe de Milei.

No Brasil, Nobel também conhece bem as campanhas petistas, psdebistas e agora bolsonaristas. Trabalhou com Marta Suplicy (então do PT), Lula, Geraldo Alckmin, Aécio Neves e ajudou Tarcísio de Freitas e se tornar o governador de São Paulo.

Ou seja, experiência, não falta. Mas o tempo era curto, e a campanha de Milei trazia novidades: uma equipe formada quase inteiramente de jovens que nunca haviam atuado na política, mas que sabiam atuar nas redes sociais. Com esta equipe original, a estratégia sempre foi da “autenticidade”. E foi isso que deu a Milei 30% de eleitorado praticamente fiel. Mas para o segundo turno é necessário mais. De preferência, 50%.

Para reverter a derrota do primeiro turno, Javier Milei teve de 'guarda a motosserra' e moderar discurso Foto: Marcos Gomez/AG La Plata/AFP

A campanha de Milei contou com três momentos-chave, os três momentos de eleição: nas primárias, de agosto, a questão da “bronca” e da “casta” lhe garantiu um eleitorado que também estava com raiva dos políticos e viu uma empatia em Milei. Mas na hora da eleição geral, em que se definem de fato cargos, o eleitor tende a ser mais racional, e a “bronca” não é mais suficiente.

“Esse eleitor, na hora de votar nas gerais, passa a olhar pra outro lugar. Pensa: ‘ele tem raiva como eu, mas será que vai ser um bom presidente?’. Aí entra outra estratégia e outra conversa. E é aí que ele não se sai tão bem. Esse é o momento que a estratégia do medo, dos nossos queridos colegas brasileiros funciona, as pessoas começam a pensar ‘meu deus, isso pode ser uma loucura’ e votam em Milei com menos força e ele termina as gerais com números praticamente iguais ao que ele vai para as PASO”.

Estudando com calma este cenário, Nobel entendeu que no segundo turno a discussão precisava sair de Milei e focar em Massa. “O segundo turno é um plebiscito”, afirma, e neste plebiscito tende-se a mostrar que o outro é pior. “Nesse momento, tiramos a lupa do Milei e jogamos no Massa. O eleitor passa a olhar se a vida dele melhorou ou não [com Massa como ministro da Economia]. Quando a lupa sai do Milei e vai pro Massa, o voto volta pro Milei, e é catapultado para esse número extraordinário e essa diferença notável. Porque o Massa perde do Massa, independente do adversário.”

O problema era que o adversário estava fazendo o mesmo. A estratégia da campanha de Sergio Massa era utilizar Milei contra ele mesmo, segundo afirmaram membros da campanha ao Estadão. Falas recentes, porém polarizantes de Milei, e até falas antigas, foram destacadas pela equipe do peronista. “Não é campanha de medo, é apenas mostrar o que Milei está dizendo”, afirmaram. O “Milei não” chegou aos terminais de trem, universidades e bancos públicos da Argentina.

Cartaz diz "Não à privatização dos trens argentinos. Não a Milei" na estação de trem de Retiro, Buenos Aires, em 17 de novembro Foto: Carolina Marins/Estadão

Ao observar que os colegas adversários traziam questões como venda de órgãos, liberação das armas, democracia e até relações comerciais com o Brasil, a equipe de Milei evitou entrar em modo defensivo e rebateu expondo a inflação de 140%, o aumento da pobreza e a queda na qualidade de vida. Porém, o último foco havia de ser a democracia, evitando cair na dicotomia “democracia versus anti-democracia” que houve nas eleições brasileiras.

“Falamos para ele: ‘motosserra? Para com isso’, ‘fala mais suave, um tom de voz diferente, com o mesmo texto’, ‘menos palco e menos rock and roll’. Esse público já era conquistado. Falei: ‘vamos aproveitar a entrada da Patricia e conversar com as mulheres, com outra audiência’. E os meninos [da equipe] foram super abertos”.

Outro desafio foi não deixar a imagem do libertário colar tão profundamente na imagem de Bolsonaro. Durante o primeiro turno, Eduardo Bolsonaro marcou presença no bunker de Milei e protagonizou uma cena constrangedora na televisão, quando foi cortado ao vivo ao defender a posse de armas. De acordo com o marqueteiro, o tema não soou bem em uma sociedade que é historicamente contra armamento. E a campanha de Sergio Massa soube aproveitar a discussão.

“Há um momento em que o Eduardo vem para cá, e dentro da lógica conservadora, tenta trazer o armamento e legalização das armas. Mas dentro da sociedade argentina, os dois lados são contra arma. Não dá pra imaginar que o conservadorismo bolsonarista tem tudo a ver com Milei”, opina.

“O Bolsonaro tende ao Estado, o Javier Milei é 100% pró-mercado, o Bolsonaro tem questões de pauta moral sobre homossexualidade, casamento gay, aborto. O Milei é pela legalização de tudo. Ele acha que o mercado tem que se regulamentar e o Estado é o mínimo possível. Você percebe que não são a mesma coisa, parece que estão no mesmo espectro, mas quando você coloca uma lupa de cima, as diferenças são notáveis dentro desse conjunto mais conservador.”

Eduardo Bolsonaro esteve presente no primeiro turno da Argentina no QG de Milei, mas não voltou para o segundo turno Foto: Luis Robayo/AFP

O papel de Macri

A ajuda de Mauricio Macri não ficou restrita ao telefonema para Nobel. O ex-presidente e líder da coalizão Juntos pela Mudança declarou apoio a Milei nas primeiras horas após o primeiro turno. Com ele, trouxe um eleitorado que o confia e também todo o aparato de seu partido Proposta Republicana (PRO) para militar e fiscalizar pelo A Liberdade Avança, o partido recém-nascido de Milei.

“O apoio de Maurício Macri traz uma institucionalidade para o Javier Milei, para esse voto inseguro que está sobre a pressão do voto do medo. O Maurício diz: ‘você pode gostar ou não de mim, mas eu garanto que isso aqui não é uma loucura, isso aqui faz parte da Democracia, estamos dentro do espectro democrático’. Então para mim esse também é um viés que acaba explicando esse número violento, essa diferença que normalmente não aconteça em segundos turnos.”

O momento em que a virada de marés ficou explícito, afirma o publicitário, foi depois do último debate. Nas horas seguintes aos embates - em que Milei precisou segurar para não mostrar o lado “el loco” - a impressão que tinha era de que Massa havia saído o grande vencedor, por sua postura “presidenciável”. Mas em uma sociedade que está cansada dos políticos, ser político demais custa, e Nobel viu isso quando as pesquisas internas dos dias seguintes deixaram claro que Milei estava crescendo.

Esse fenômeno, ele reflete, vai impactar campanhas eleitorais mundo a fora. “O debate mostra o que há de mais político no extremo do pêndulo. E Milei se mostra o menos político no outro extremo. O resto é história. E isso é algo que vamos ter que estudar, entender, nas próximas campanhas, no Brasil e no mundo. O contraponto é o profissional, pessoas ‘coacheadas’, versus autenticidade. Essa é a linha que a comunicação política vai ter que encarar no Brasil ano que vem e mundo a fora daqui para frente”.

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