Nas próximas duas semanas, dois dos principais aliados da Ucrânia na guerra contra a Rússia irão às urnas. Polônia e Eslováquia definirão o novo comando de seus Parlamentos. A mais de mil quilômetros de Varsóvia e Bratislava, Vladimir Putin observa ambas as votações com atenção especial.
Na Eslováquia, a eleição de domingo, 1, pode levar ao poder o ex-primeiro-ministro Robert Fico, um líder de centro-esquerda próximo ao Kremlin e crítico dos Estados Unidos. Na Polônia, onde o temor do expansionismo russo remonta, pelo menos, ao século 18, o Partido Justiça e Liberdade, em baixa nas pesquisas, recentemente se afastou de Volodmir Zelenski para recuperar o apoio do eleitorado rural, em meio a uma onda de propaganda russa disseminada no país desde o início da guerra. Ali, a eleição está marcada para 15 de outubro.
Fissuras na união anti-Putin
Polônia e Eslováquia formam junto com a República Checa e a Hungria o Grupo de Visegrado, também chamado de V-4. Criado nos anos 90, na esteira da queda do comunismo, a instituição tinha como objetivo aproximar os quatro países do Ocidente. Deu certo. Hoje todos eles estão na União Europeia e na Otan. A Eslováquia foi o primeiro país do grupo a adotar o euro como moeda.
A invasão da Ucrânia pela Rússia evidenciou pequenos rachas na unidade pró-Europa do chamado V-4. De um lado, poloneses, checos e eslovacos correram para apoiar Kiev, temerosos com as pretensões de Putin sobre o Leste Europeu e uma espécie de obsessão do líder russo em recriar a ‘velha glória’ dos tempos soviéticos. A Hungria de Viktor Órban, há anos um corpo estranho dentro da UE em virtude de suas políticas antidemocráticas, adotou uma posição ambígua, por vezes alinhada à Otan e outras contrária a sanções contra Moscou.
Após um ano e meio de guerra, no entanto, começam a aparecer fraturas nesses países da Europa Oriental sobre o conflito na Ucrânia. Putin, ciente de que o tempo é um aliado, joga por uma espécie de empate. Quanto mais tempo a Rússia segurar suas posições na linha de frente e a Ucrânia obtiver pouco ou nenhum avanço, mais os aliados da Ucrânia terão mais custos que benefícios com a guerra. Em paralelo, a passagem do tempo favorece também o trabalho de propaganda russa nesses países, para virar a opinião pública contra o apoio à Ucrânia.
Um laboratório de desinformação
A Eslováquia é uma espécie de laboratório para essa estratégia de Putin. Com apenas 5,4 milhões de habitantes, o pequeno país criado após a queda do Muro de Berlim é historicamente mais próximo da Rússia que os vizinhos checos, onde a memória da Primavera de Praga deixou cicatrizes bem profundas.
Em 2020, segundo uma pesquisa do Geopolitical Intelligence Services, um centro de estudos, 78% dos eslovacos consideravam a Rússia uma nação irmã. Depois da invasão, esse número caiu para 58%. O sentimento antirusso é maior em Bratislava. Maior cidade do país e vizinha a Viena, na Áustria, a capital é próxima cultural e economicamente da Europa Ocidental. Já no interior, sobretudo perto da fronteira da Ucrânia, a situação é diferente. Ali, a simpatia com os russos cresce.
Outra pesquisa, do think tank eslovaco Globe and Sec, dá a dimensão de como o ceticismo referente à guerra cresceu no país. De acordo com o levantamento, publicado este ano, 62% dos eslovacos veem a Rússia como uma ameaça. Na Polônia, esse número é de 90% e na República Checa, de 84%. Apenas os húngaros tem uma opinião melhor a respeito do Kremlin dentro do V-4: 45% veem Putin como um elemento perigoso.
É no apoio à Ucrânia, no entanto, que os números são mais baixos. Só 23% dos húngaros e 27% dos eslovacos apoiam a ajuda militar a Kiev. Na Polônia e na República Checa esses números são maiores - 51% e 32%, respectivamente - mas longe de um consenso.
A Eslováquia foi o segundo país da Otan a enviar armas para a Ucrânia. Ainda no ano passado, Bratislava enviou caças MiG-29 e sistemas antimísseis S-300 a Kiev. Mas com a queda do apoio à Ucrânia o governo ficou numa situação difícil.
“Se eu fizer parte do governo, não haverá munição ou armas para a Ucrânia”, alertou Fico em um comício recentemente.
A ascensão de Fico, favorito para as eleições de domingo segundo as últimas pesquisas, ocorre junto à disseminação de notícias falsas na Eslováquia, a maioria delas contrárias à Ucrânia, ao Ocidente e ao apoio eslovaco à guerra.
“Muitos políticos locais têm adotado as narrativas da propaganda russa e Fico talvez seja o maior deles”, diz Katarina Klingova, da GlobSec. Além das pautas relacionadas à guerra, Fico também tem criticado a imigração de refugiados e os direitos da comunidade LGBT+.
Uma máquina azeitada
A disseminação de fake news vindas da Rússia não é exclusiva da Eslováquia. Na Bulgária, por exemplo, foi descoberta no ano passado uma rede que pagava até 2 mil euros para influenciadores e jornalistas para tentar influenciar a opinião pública. Há relatos similares na Polônia e na Romênia.
“Despertar essas reações é muito fácil para as operações de informação russas”, diz Graham Brookie, especialista em desinformação. “A mídia estatal faz análises de audiência melhor do que a maioria das empresas de mídia do mundo.”
A Polônia, por sua vez, está usando o conflito como ferramenta eleitoral. Varsóvia e outros países do Leste europeu decidiram proibir as importações ucranianas para proteger os próprios interesses agrícolas enquanto Kiev busca rotas alternativas para o exportar grãos, desde que a Rússia abandonou o acordo que permitia o escoamento seguro pelo Mar Negro. O setor é um importante ativo eleitoral do Partido Justiça e Liberdade, que está ameaçado nas últimas pesquisas de deixar o poder.
“A Ucrânia percebe que, nos últimos meses, não está na fronteira com a Polónia, está na fronteira com as eleições polacas”, diz Ivan Krastev, do Centro de Estratégias Liberais em Sófia, Bulgária. “Os votos de cem mil agricultores polacos são mais importantes para o governo do que o que irá custar para a Ucrânia. E veremos isso acontecendo em muitos lugares.”