BEIRUTE - De seu escritório, Shady Rizk filmou de camarote a explosão apocalíptica no porto de Beirute. Cerca de 350 pontos de sutura depois, sua sobrevivência é um milagre e nesta segunda chance ele pretende morar muito longe do Líbano.
Para muitos libaneses arrasados por um colapso econômico e restrições bancárias draconianas, irritados com uma classe política considerada corrupta e sobrevivendo diariamente com serviços públicos precários, a explosão causada por uma enorme quantidade de nitrato de amônio foi a tragédia que fez o copo transbordar.
"Não me sinto mais seguro aqui", diz Rizk, engenheiro de telecomunicações. "Deus me deu outra vida, uma segunda chance, não quero viver aqui". No dia 4 de agosto, ele filmou de seu local de trabalho a fumaça densa que escapava de um armazém no porto, logo em frente. Poucos segundos depois, a explosão o atingiu com força total.
Solteiro, de 36 anos, decidiu se estabelecer no Canadá, onde tem primos. "Iria para qualquer lugar, menos aqui, perdi todas as esperanças". "Tentamos fazer uma revolução. Nada muda, tudo piora", diz ele, desejando morar em um lugar onde possa planejar seu futuro. "Estamos sendo mortos lentamente."
Exílio
Nas últimas décadas, a história do Líbano é também a do exílio. Com a guerra civil (1975-1990) e as crises econômicas, não há família que não tenha um filho, um irmão, um primo ou parente próximo que tenha ido para a Europa, Américas, Golfo.
Hoje, a diáspora libanesa é calculada em quase três vezes o tamanho da população de um pequeno país de mais de quatro milhões de habitantes.
Mesmo antes da explosão no porto, milhares de libaneses que conseguiram aproveitar uma rara oportunidade deixaram o país, fugindo de demissões em massa e cortes de salários vinculados a uma crise econômica agravada pela epidemia de covid-19.
Também houve a desilusão após o movimento de protesto popular de outubro de 2019, contra um poder que permanece inabalável.
A explosão de 4 de agosto foi o golpe final para Walid Abou Hamad. Ele decidiu enviar seus gêmeos de 17 anos para a França para morar com a mãe, médica em Paris.
O cirurgião ligou imediatamente para a ex-mulher após a tragédia. "Eu disse a ela, pegue eles, pegue eles!", conta com a voz cheia de emoção. "Como pai, tenho que garantir que meus filhos não fiquem traumatizados ou arrisquem suas vidas".
O homem de 40 anos estava em casa com o filho Paulo na hora da explosão. Seus reflexos de infância da guerra civil voltaram e ele se refugiou no banheiro, abraçando o filho.
A tragédia acelerou a partida dos gêmeos, que inicialmente deveriam partir para os estudos universitários na França.
Como muitos libaneses, Walid Abou Hamad critica o abandono e a decadência de uma classe dominante que deixou 2.750 toneladas de nitrato de amônio por seis anos armazenadas no porto, localizado no coração de Beirute, segundo as autoridades. "É normal, vivemos há 40 anos em um país sem Estado", insiste.
Depois da tragédia, o Canadá, para onde muitos libaneses emigraram há cerca de trinta anos, afirmou que "as questões e preocupações relacionadas com a imigração seriam resolvidas rapidamente".
Heiko Wimmen, do International Crisis Group (ICG), também espera partidas. "O país pode perder toda uma geração de que precisa para liderar a reconstrução e a mudança política necessária".
Sharbel Hasbany, um maquiador de 29 anos, está determinado a partir. "Talvez eu faça um crowdfund", diz. Seu trabalho diminuiu por causa da crise e suas economias estão bloqueadas pelo banco.
No dia da explosão, com a cabeça sangrando, ele caminhou de um hospital para outro, passando por amigos feridos em uma esquina de uma rua, antes de ser transportado de carro para um hospital a 20 quilômetros de Beirute.
Ele lista os nomes dos bares que frequentava nos bairros perto do porto e hoje devastados. "Estávamos lá o tempo todo, sem saber que estávamos sentados em uma bomba." / AFP
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Imagens aéreas do porto de Beirute dão a dimensão dos estragos causados pela explosão da última terça-feira. Pelo menos 137 pessoas morreram e mais de 5 mil ficaram feridas.