Uma das mais conhecidas lideranças da extrema-direita da Alemanha, Björn Höcke, enfrenta julgamento, acusado de usar frases nazistas proibidas em comícios políticos.
O uso de slogans e símbolos do nacional-socialismo é crime passível de punição na Alemanha, onde a história da ascensão de Hitler ao poder significa que a abordagem à liberdade de expressão é bem mais restritiva em comparação a outras democracias como os Estados Unidos.
Höcke lidera o grupo de extrema-direita Alternativa para a Alemanha, conhecido pela sigla alemã AfD, no estado da Turíngia. Ele e o braço estadual da organização, liderado por ele, foram classificados pelos serviços domésticos de inteligência como extremistas de direita, e estão sob vigilância.
Ele começou a ser julgado na quinta por usar o slogan “Tudo para a Alemanha” em discurso feito no estado da Saxônia, no leste do país, onde está sendo julgado. Este era o slogan da organização paramilitar nacional-socialista, as Tropas de Assalto, e era gravado em suas facas.
Höcke disse não saber que a frase era um slogan nazista. Mas os críticos insistem que tal argumentação carece de credibilidade, levando em consideração o fato de ele ter sido professor de história antes de entrar para a política. E eles destacam que políticos da AfD em dois outros estados já foram detidos pelas autoridades nos anos anteriores por causa do uso desse slogan.
O julgamento será realizado na cidade de Halle, no mais alto tribunal estadual, e deve durar até 14 de maio. Se considerado culpado, Höcke pode ser sentenciado a uma curta detenção ou ao pagamento de multa. O tribunal também pode decidir revogar temporariamente seu direito a votar e participar nas eleições. Tal decisão seria um duro golpe em um ano eleitoral de grande importância na Alemanha, no qual espera-se que Höcke e a AfD obtenham a maior parcela dos votos.
Nos três estados do leste alemão onde serão realizadas eleições este ano, a AfD é o partido mais popular. E, no país como um todo, seus resultados de intenção de voto são melhores do que os dos três partidos do governo, apesar de protestos em massa que eclodiram depois que uma reportagem investigativa revelou que alguns membros da AfD tinham participado de uma conferência sigilosa para debater a deportação de imigrantes.
O mais recente ressurgimento da AfD começou no segundo trimestre do ano passado, quando a organização se beneficiou dos temores envolvendo a alta na imigração e a frustração com a gestão econômica do governo, que não venceu a estagnação. A coalizão governante do chanceler Olaf Scholz parecia fraca e dividida em muitos níveis.
Ainda que uma tomada do poder pela AfD nesses estados seja improvável, Höcke se tornou um dos membros mais influentes do seu partido.
Para os analistas, Höcke — um político tão à direita que o tribunal considerou aceitável chamá-lo de fascista — conseguiu empurrar seu partido mais para a direita, mas também fez isso com o debate político mais amplo, em particular no que tange a assuntos como imigração. O maior partido da Alemanha, os Democratas Cristãos, conservadores, tem adotado um posicionamento cada vez mais hostil à imigração, por exemplo.
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Faz tempo que os principais partidos de todo o espectro político prometeram não trabalhar com a AfD, e agora muitos procuram caminhos jurídicos para limitar a influência do partido de maneiras que despertam um debate a respeito de até que ponto uma democracia pode agir contra as forças que buscam enfraquecê-la.
Lideranças da AfD como Höcke dizem ter se tornado vítimas de instituições do governo que estão abusando do próprio poder para silenciá-las. Recentemente, ele publicou comentários em inglês nas redes sociais que atraíram o interesse de Elon Musk, que perguntou por que o slogan usado seria ilegal.
“Porque na Alemanha qualquer patriota é difamado como nazista, já que a Alemanha tem no seu código criminal termos que não encontramos em nenhuma outra democracia”, escreveu ele em resposta. “O objetivo disso é impedir que a Alemanha volte a se encontrar.”
Orador habilidoso, Höcke tentou frequentemente reintroduzir palavras e slogans associados com o Terceiro Reich, empregando que os analistas descrevem como estratégia dupla.
“Não é uma coisa aleatória, e sim algo bem escolhido”, disse Johannes Hillje, cientista político alemão que estuda da AfD.
Esses termos funcionam como uma espécie de apito de cachorro, atraindo eleitores de direita cada vez mais extremistas, disse ele. Ao mesmo tempo, Höcke escolhe slogans que parecem relativamente banais.
Em debate transmitido pela TV na semana passada, Höcke insistiu que o slogan pelo qual ele estava sendo processado era tão comum que teria sido usado pela principal operadora de telefonia alemã, Deutsche Telekom, em um anúncio (a empresa negou isso e emitiu uma ordem de desistência contra Höcke).
Independentemente disso, de acordo com Hillje, o resultado é que as instituições de estado parecem perseguir a AfD por ser uma força contra o establishment.
“Isso lhe permite fazer o papel de vítima, o que funciona bem para si e seus apoiadores, porque também se sentem como vítimas”, disse ele.
Na semana passada, os promotores conseguiram somar ao processo outra acusação contra Höcke. Depois de ter recebido a acusação pelo seu uso inicial do slogan, ele fez uma provocação em outro comício, gritando para a multidão “Tudo para a…” e deixando que os apoiadores completassem gritando a última palavra, “Alemanha!”
O julgamento deve atrair grandes multidões de manifestantes, tanto favoráveis quanto contrários à AfD.
Nas redes sociais, Höcke fez um apelo a seus seguidores para que venham ao seu julgamento: “Estão todos convidados a vir a Halle para testemunhar em primeira mão o estado atual dos direitos civis, da democracia e do estado de direito na Alemanha”, escreveu ele. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL