A Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês), maior organização de lobby de armas nos Estados Unidos, prometeu “refletir” sobre o massacre na escola primária de Uvalde em sua conferência anual de três dias, que começa nesta sexta-feira, 27. A realização do evento em Houston, a cerca de 520 km do local onde morreram 19 crianças e duas professoras, gerou críticas na sociedade americana, fazendo grupos opositores marcarem protestos no local e até mesmo apoiadores a cancelarem presença.
Em um momento em que o presidente Joe Biden e o Partido Democrata pressionam pela aprovação de leis mais rígidas sobre armas no Congresso, a NRA tenta “desviar” de qualquer acusação de culpa pelo aumento da violência armada no país -- contando com o apoio de figuras influentes como o ex-presidente Donald Trump e outras personalidades do Partido Republicano, que confirmaram presença no evento.
O membro do conselho da NRA, Phil Journey, disse que o foco do debate deveria estar em melhorar cuidados de saúde mental e na tentativa de prevenir a violência armada. Ele disse que não apoiaria a proibição ou limitação do acesso a armas de fogo.
Em um comunicado online, a NRA afirmou que as pessoas presentes na convenção vão “refletir sobre” o ataque na escola de Uvalde, “orar pelas vítimas, reconhecer nossos membros patriotas e prometer redobrar nosso compromisso de tornar nossas escolas seguras”.
As pessoas que planejavam comparecer pegaram crachás de registro na quinta-feira e compraram lembranças da NRA. A polícia já havia montado barreiras de metal do outro lado da rua do centro de convenções, em um parque onde manifestantes devem se reunir na sexta-feira.
Gary Francis viajou com sua esposa e amigos de Racine, Wisconsin, para participar da reunião da NRA. Ele disse que se opõe a qualquer regulamentação de controle de armas em resposta ao tiroteio em Uvalde.
“O que aconteceu lá é obviamente trágico”, disse ele. “Mas a NRA não teve nada a ver com isso. As pessoas que vêm aqui não têm nada a ver com isso.”
O Texas passou por uma série de ataques com arma de fogo nos últimos anos, em um período em que o governo, liderado pelos republicanos, relaxou as leis sobre armas.
Controvérsias
Esta não é a primeira vez que a NRA se reúne em um momento em que o país enfrenta o luto provocado por um ataque a tiros. A organização manteve uma versão abreviada de sua reunião de 1999 em Denver, cerca de uma semana depois do tiroteio mortal em Columbine.
O ator Charlton Heston, presidente da NRA na época, disse aos participantes que “atos horríveis” não deveriam se tornar oportunidades para limitar os direitos constitucionais e acusou críticos de classificarem seguidores da associação como “vilões”.
Rocky Marshall, ex-membro do conselho da NRA, disse que, embora a tragédia em Uvalde “coloque a reunião sob um mal holofote”, isso não é motivo para cancelá-la. Marshall disse que os defensores e opositores dos direitos das armas talvez possam reduzir a violência armada se eles se concentrarem em fatores como doenças mentais ou segurança escolar.
“Atirar pedras na NRA não resolve o próximo tiroteio em massa”, disse ele. “Atirar pedras nas pessoas que odeiam armas não resolve o próximo tiroteio em massa.”
A secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, disse na quinta-feira que os líderes da NRA “estão contribuindo para o problema da violência armada e não tentando resolvê-lo”. Ela os acusou de representar os interesses dos fabricantes de armas, “que estão comercializando armas de guerra para jovens adultos”.
Desistências e confirmações
Após o massacre em Uvalde, alguns palestrantes e artistas que haviam confirmado participação no evento cancelaram presença.
O senador John Cornyn e o deputado Dan Crenshaw, ambos do Texas, alegaram mudanças nas agendas e não vão comparecer. O cantor Don McLean disse que “seria desrespeitoso” seguir com a realização após o último ataque a tiros no país.
O cantor de música country Larry Gatlin, que também desistiu da aparição planejada no evento, disse esperar que a NRA repense algumas de suas posições desatualizadas e mal pensadas. “Embora eu concorde com a maioria das posições mantidas pela NRA, passei a acreditar que, embora a verificação de antecedentes não detenha todos os loucos com uma arma, é pelo menos um passo na direção certa”, disse.
Os cantores country Lee Greenwood e Larry Stewart também se cancelaram participação.
O governador do Texas, Greg Abbott, não cancelou sua participação. No entanto, falará na convenção por meio de um vídeo pré-gravado, disse seu porta-voz ao The Dallas Morning News.
O senador Ted Cruz (Texas) e Donald Trump disseram que ainda pretendem comparecer. A governadora de Dakota do Sul, Kristi Noem, uma republicana, também deve falar na sexta-feira.
Proibição de armas e protestos
Embora seja permitido portar armas de fogo pessoais no evento de três dias, a NRA informou que haverá uma proibição temporária durante a participação do ex-presidente Donald Trump, atendendo a protocolos de segurança do Serviço Secreto.
Enquanto isso, vários grupos planejam realizar protestos fora do centro de convenções.
“Este não é o momento nem o lugar para realizar esta convenção”, disse Cesar Espinosa, diretor executivo da FIEL, um grupo de direitos civis com sede em Houston que planeja participar de protestos. “Não devemos apenas ter pensamentos e orações dos legisladores, mas precisamos de ações para lidar com essa crise de saúde pública que está afetando nossas comunidades”.
O democrata Beto O’Rourke, adversário de Abbott na corrida para governador do Texas em 2022, disse que participaria de um protesto fora da convenção na sexta-feira.
O prefeito de Houston, Sylvester Turner, um democrata, disse que a cidade é obrigada a sediar o evento NRA, que está sob contrato há mais de dois anos. Mas ele pediu aos políticos que o ignorem.
“Você não pode orar e enviar condolências em um dia e depois sair defendendo armas no dia seguinte. Isso está errado”, disse Turner.
Shannon Watts, fundadora do grupo de controle de armas Moms Demand Action, disse não estar surpresa que a NRA não esteja cancelando sua reunião.
“A verdadeira questão agora é quais autoridades eleitas escolherão ficar do lado da violência, em vez de se aliar às comunidades que clamam por segurança pública”, disse Watts./ AP