Durante os últimos verões, vários surfistas em Santa Cruz, na Califórnia (EUA) foram vítimas de um crime no mar: o roubo de pranchas. A autora do crime é do sexo feminino, e não usa armas em seu crime. Trata-se de uma lontra marinha que aborda os surfistas, apreende e até danifica suas pranchas no processo.
Depois de um fim de semana no qual o comportamento da lontra pareceu ficar mais agressivo, os responsáveis pela vida selvagem na região disseram na segunda-feira, 10, que decidiram acabar com esses atos de furto. “Devido ao crescente risco de segurança pública, uma equipe do CDFW e do Monterey Bay Aquarium treinada na captura e manejo de lontras marinhas foi enviada para tentar capturá-la e realojá-la”, disse um representante do Departamento de Pesca e Vida Selvagem da Califórnia em comunicado.
As autoridades locais chamam o animal de Otter 841. A fêmea de 5 anos é bem conhecida por seu comportamento ousado. E ela tem uma história trágica, com funcionários agora forçados a adotar medidas que evidenciam como o desejo humano de se aproximar de animais selvagens pode custar a liberdade dessas espécies ou, ainda pior, suas vidas.
As lontras marinhas como o Otter 841, também conhecidas como lontras marinhas do sul, são uma espécie em extinção encontrada apenas ao longo da costa central da Califórnia. Centenas de milhares delas já percorreram as águas costeiras do Estado, ajudando a manter as florestas de algas saudáveis enquanto consumem os ouriços do mar.
Mas quando colonizadores se mudaram para a Costa Oeste, a espécie foi quase extinta, até que uma proibição foi imposta em 1911. Hoje, cerca de 3 mil permanecem vivas na região, muitas delas em áreas frequentadas por canoístas, surfistas e praticantes de paddleboard.
Apesar desses ambientes próximos, as interações entre lontras marinhas e humanos permanecem raras. Os animais têm um medo inato dos humanos e geralmente fazem de tudo para evitá-los, segundo Tim Tinker, ecologista da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, que passou décadas estudando os mamíferos marinhos. Uma lontra marinha se aproximando de um humano “não é normal”, disse ele, acrescentando “mas só porque não é normal, não significa que nunca aconteça”.
Sabe-se que o animal se aproxima dos humanos durante surtos hormonais que coincidem com a gravidez, ou como resultado de serem alimentadas ou repetidamente abordadas por pessoas. Isso é provavelmente o que ocorreu com a mãe de Otter 841, que ficou órfã e foi criada em cativeiro.
Depois que ela foi solta na natureza, porém, os humanos começaram a oferecer lulas e ela rapidamente se habituou. Ela foi removida da área novamente quando começou a subir em caiaques em busca de esmolas, terminando no Centro de Pesquisa e Cuidados Veterinários da Vida Selvagem Marinha em Santa Cruz, onde os pesquisadores rapidamente perceberam que ela estava grávida.
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Foi no cativeiro que ela deu à luz Otter 841. A filhote foi criada por sua mãe até ser desmamada, depois mudou-se para o Aquário da Baía de Monterey. Para aumentar suas chances de sucesso após a soltura, os cuidadores da Otter 841 tomaram medidas para evitar que fizesse associações positivas com humanos, incluindo o uso de máscaras e ponchos que obscureciam sua aparência quando estavam perto dele.
No entanto, Otter 841 rapidamente perdeu o medo dos humanos, embora os especialistas locais não possam explicar exatamente o porquê. “Depois de um ano na natureza sem qualquer problema, começamos a receber relatos de interações com surfistas, canoístas e paddle boarders”, disse Jessica Fujii, gerente do programa de lontras marinhas do Monterey Bay Aquarium. “Não sabemos por que isso começou. Não temos evidências de que foi alimentada. Mas persistiu nos verões nos últimos dois anos.”
A lontra 841 foi observada pela primeira vez subindo a bordo de uma embarcação em Santa Cruz em 2021. No início, o comportamento era uma raridade, mas com o tempo a lontra ficou mais ousada. No último fim de semana, ela foi observada roubando pranchas de surfe em três ocasiões distintas.
Na segunda-feira, o engenheiro de software Joon Lee, de 40 anos, estava surfando em Steamer Lane, um ponto de surf popular em Santa Cruz, quando a 841 se aproximou de sua prancha. “Tentei remar para longe, mas não consegui ir muito longe antes que ele mordesse meu leash (a corda que fica presa na prancha e no pé do surfista)”, disse ele. Lee abandonou a prancha e observou, horrorizado, a lontra subir em cima dela e arrancar pedaços com suas mandíbulas poderosas. “Tentei tirá-la virando a prancha e empurrando-a para longe, mas ela estava tão fixada na minha prancha de surfe que continuou atacando”, disse ele.
Enquanto Lee reconheceu imediatamente o perigo em que estava, nem todos na água estão tão cientes. No mês passado, Noah Wormhoudt, de 16 anos, estava pegando ondas com um amigo na praia de Cowell, em Santa Cruz, quando a 841 apareceu. “Comecei a remar tentando evitá-la, mas ela ficava cada vez mais perto. Eu pulei da minha prancha e ela pulou nela prancha”, lembrou.
“Ela parecia amigável, então ficamos confortáveis com isso. Foi uma experiência bem legal.” Pego na emoção do momento, Wormhoudt disse que na hora não estava pensando que ela poderia morder o seu dedo. O jovem surfista observou da água enquanto a lontra permanecia em cima de sua prancha. “A lontra estava surfando, pegou algumas ondas boas”, disse Wormhoudt.
Tais situações são extremamente perigosas segundo Gena Bentall, diretora e cientista sênior da Sea Otter Savvy, uma organização que trabalha para reduzir os distúrbios causados pelo homem às lontras marinhas e promover a observação responsável da vida selvagem.
“As lontras têm dentes afiados e mandíbulas fortes o suficiente para esmagar amêijoas”, disse ela. O contato com humanos também é perigoso para as lontras. Se um humano for mordido, o estado não tem escolha a não ser sacrificar a lontra. E com tão poucas lontras marinhas sobrando, a perda de até mesmo um indivíduo é um obstáculo para a recuperação da espécie.
Se as autoridades conseguirem capturar a 841, ela retornará ao Monterey Bay Aquarium antes de ser transferida para outro, onde viverá seus dias. Entretanto, a equipe de captura tem muito trabalho pela frente. Várias tentativas de pegá-la foram feitas, nenhuma bem-sucedida. “Ela tem sido muito talentosa em nos evitar”, disse Fujii./The New York Times