Os Estados Unidos são um país extraordinário, e vários aspectos de sua organização servem de inspiração para outras sociedades. Não é o caso da cultura das armas. Foi o que comprovou mais uma vez o massacre de 19 crianças e duas professoras, por um jovem de 18 anos, numa escola da pacata Uvalde, Texas.
Os EUA têm mais chacinas do que a soma de todos os outros países desenvolvidos. Entre 1998 e 2019, foram 101 nos EUA, 8 na França, 5 na Alemanha, 4 no Canadá, 3 na Finlândia; 2 na Bélgica, na República Checa, Itália, Holanda e Suíça; 1 na Austrália, Áustria, Croácia, Lituânia, Nova Zelândia, Noruega, Eslováquia e Reino Unido, segundo levantamento do The New York Times de casos em que quatro ou mais pessoas foram mortas.
O massacre do Texas teve o maior número de mortos desde a chacina de 20 crianças e 6 funcionários na escola primária de Sandy Hook, em Connecticut, em 2012. De lá para cá, foram registrados 900 incidentes com tiros em escolas – média de 8 episódios por mês.
No dia 14 de maio, outro jovem de 18 anos abriu fogo em um supermercado de Buffalo, Nova York, e matou 10 negros. O assassino acredita em uma teoria conspirativa segundo a qual os não brancos querem tomar o lugar dos brancos no Ocidente. Já os autores dos massacres de Sandy Hook e de Uvalde exibiam sinais de traumas infantis. O primeiro matou a mãe antes do ataque e o segundo feriu gravemente a avó a tiros.
As patologias podem variar, mas os criminosos têm algo em comum: o acesso a armas de grande poder letal. Os assassinos de Buffalo e de Uvalde estavam protegidos com coletes e capacetes à prova de bala. Em Buffalo, um policial disparou contra o assassino mas, por causa do colete, não conseguiu contê-lo, e foi morto também.
Proteção
No mundo todo, traumas psicológicos podem provocar violência. Mas as consequências diferem se os agressores têm acesso a uma faca ou a um fuzil-metralhadora. A causa da violência não é o acesso às armas. Mas esse acesso multiplica o sofrimento. Escrevo de Londres, onde a dificuldade de acesso às armas e o protocolo da polícia de só recorrer a elas quando necessário resultam em número baixo de mortes.
A facilidade de comprar armas nos EUA se baseia na 2.ª Emenda da Constituição: “Uma milícia bem regulamentada, sendo necessária à segurança de um Estado livre, o direito do povo de possuir e portar armas não será infringido”. O texto se refere a uma polícia estadual, mas é interpretado pelos defensores das armas como um direito individual.
Depois de grandes massacres como esse, alguns políticos falam em dificultar o acesso às armas, mas nunca reúnem apoio no Congresso. A Associação Nacional do Rifle, que representa os fabricantes de armas, é a maior financiadora de campanhas eleitorais. É uma armadilha que nenhum país deveria desejar para si.