É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Ao tentar alegrar a todos, Biden frustra a todos - e só perde votos


Esse custo poderá se multiplicar de forma dramática nessa Super Terça-Feira, quando 15 Estados e um território ultramarino realizam suas primárias

Por Lourival Sant'Anna
Atualização:

A ambivalência é parte da condição humana. Na geopolítica, a ambiguidade estratégica pode evitar danos de longo prazo em cenários complexos nos quais há muitos ganhos e perdas em jogo. Entretanto, muitas circunstâncias exigem posições firmes e claras. Joe Biden pagou nesta semana, nas primárias do Michigan, o custo de não fazer escolhas.

Esse custo poderá se multiplicar de forma dramática nessa Super Terça-Feira, quando 15 Estados e um território ultramarino realizam suas primárias. Mais de 100 mil eleitores nas primárias democratas do Michigan, o que equivale a 13% dos participantes, fizeram um voto de protesto contra o presidente americano, por causa de seu apoio a Israel.

Esse apoio se expressa no envio de dois porta-aviões, reposições de antimísseis Patriot e outros armamentos, manutenção da ajuda militar anual de US$ 3,8 bilhões e três vetos americanos no Conselho de Segurança a resoluções que exigiam cessar-fogo na Faixa de Gaza.

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O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa em uma visita a fronteira dos Estados Unidos com o México, em Brownsville, Texas  Foto: Evan Vucci / AP

O movimento é liderado pela deputada democrata Rashida Talib, de origem palestina, eleita pelo Michigan. O Estado tem o maior eleitorado árabe dos EUA, 2,8%. Claramente, o movimento se alastrou para outros filiados ao partido, como a juventude e a esquerda, indignadas com a carnificina promovida por Israel na Faixa de Gaza.

O Michigan é um dos sete Estados-pêndulo, que definem as eleições, porque os outros 43 seguem um padrão de dar vitória ou a democratas ou a republicanos, e criam um equilíbrio. Em 2016, o Michigan elegeu Donald Trump; em 2020, Biden.

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O maior receio da campanha de Biden é que o movimento se espalhe geograficamente, comprometendo suas chances de vitória. O presidente já enfrenta dificuldades com o eleitorado negro e hispânico de baixa renda, que sofreu com a inflação de 2022 e continua penando com os juros altos, que encarecem a hipoteca e o aluguel. Em uma disputa apertada, pode ser uma combinação fatal.

A proteção oferecida por Biden a Israel não é suficiente para muitos judeus e, mais crucialmente ainda, para o vasto eleitorado evangélico conservador, que apoia o Estado israelense. A histórica preferência dos judeus pelos democratas foi abandonada no governo de Barack Obama, que fez o acordo nuclear com o Irã, principal inimigo de Israel.

O ex-presidente americano Donald Trump abraça e beija a bandeira dos Estados Unidos em um comício em Oxon Hill, Maryland  Foto: Alex Brandon / AP
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Trump capitalizou sobre a aliança entre evangélicos conservadores e judeus, recompensando-os com um apoio incondicional a Israel e a ruptura do acordo com o Irã.

Em contraste, Biden, que foi vice de Obama, tem pressionado o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu a conter a morte de civis na Faixa de Gaza e a aceitar a criação de um Estado palestino. Netanyahu não esconde sua preferência por Trump. Ou seja, ao tentar alegrar a todos, Biden frustra a todos e só perde votos.

Vários congressistas americanos têm defendido a suspensão da ajuda militar a Israel enquanto não previne a morte de civis e não apresenta um plano claro de pôr fim à guerra. Entre eles está a senadora democrata Patty Murray, presidente da Comissão de Execução Orçamentária do Senado e defensora do direito de defesa de Israel, desde que dentro da lei internacional.

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A última vez que os Estados Unidos ameaçaram retirar a ajuda militar a Israel, historicamente no patamar de US$ 3,8 bilhões ao ano, foi no governo do republicano George Bush (pai), em 1991. Depois de liderar uma coalizão de 30 países, incluindo árabes, para expulsar as tropas iraquianas do Kuwait, Bush lançou um processo de paz visando à criação de um Estado palestino.

O então primeiro-ministro Yitzhak Shamir, que havia participado de células terroristas judaicas antes da criação do Estado de Israel em 1948, resistiu. Bush mostrou a carta da ajuda financeira e Shamir concordou em participar da Conferência de Madri, com o líder palestino Yasser Arafat. A conferência levou aos Acordos de Oslo de 1993, que introduziram a Autoridade Palestina em fatias do território da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, abraça o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Kenny Holston / NYT
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Shamir era do Likud, o mesmo partido de Netanyahu, na época seu porta-voz. Diante das ameaças do lobby judaico contra o governo Bush, o então secretário de Estado, James Baker, teria reagido: “F…m-se Eles nem votaram em nós!” Hoje, o raciocínio serviria para Biden.

“Ambiguidade estratégica” é um termo que descreve a política dos EUA em relação à intenção da China de anexar Taiwan. O objetivo é manter os chineses na dúvida sobre até que ponto os americanos estariam dispostos a defender Taiwan de uma invasão. Essa dúvida teria um efeito dissuasório.

Biden rompeu essa ambiguidade em setembro de 2022, em entrevista a Scott Pelley, no programa 60 minutos da CBS News. “Forças americanas defenderiam a ilha?”, Pelley perguntou. “Sim, se de fato houvesse um ataque sem precedentes”, respondeu Biden. “Então, diferentemente da Ucrânia, para ficar claro, senhor, as forças americanas, homens e mulheres, defenderiam Taiwan no caso de invasão chinesa?” O presidente confirmou: “Sim”.

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O fato é que a China não invadiu Taiwan, até agora, pelo menos. A Rússia, em contrapartida, ocupa parte da Ucrânia, que não é protegida pelo mesmo tipo de garantia. Ciente disso, o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou na reunião de 20 governantes europeus sobre o apoio à Ucrânia, na segunda-feira em Paris: “Não há consenso nesta etapa para enviar tropas no terreno. Nada deveria ser excluído. Faremos tudo que for necessário para que a Rússia não vença”.

A lógica de Macron é simples. Se a Rússia vencer, muito provavelmente continuará no seu expansionismo. Para um soldado europeu, é melhor combater os russos na Ucrânia do que no próprio país.

Mesmo uma ameaça tão condicionada como essa foi logo descartada pelos dois outros líderes mais importantes da Europa: o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak. Praticamente todo o efeito dissuasivo da fala de Macron se perdeu. Ainda assim, Vladimir Putin respondeu: “Tudo isso ameaça o mundo todo com um conflito com armas nucleares, e portanto a destruição da civilização. Eles não entendem isso?”

Há uma diferença importante entre ditaduras e democracias. Ditadores controlam a informação em seus países, e podem se contradizer, descumprir promessas e ameaças ou serem ambíguos quantas vezes desejarem. Nas democracias, os governantes prestam contas aos eleitores pelo que dizem e fazem.

Por isso, a opacidade e a ambiguidade precisam ser usadas com parcimônia. Quase todo o tempo, governantes de democracias têm de fazer escolhas claras e firmes. Isso exige lucidez, determinação, coragem e liderança.

A ambivalência é parte da condição humana. Na geopolítica, a ambiguidade estratégica pode evitar danos de longo prazo em cenários complexos nos quais há muitos ganhos e perdas em jogo. Entretanto, muitas circunstâncias exigem posições firmes e claras. Joe Biden pagou nesta semana, nas primárias do Michigan, o custo de não fazer escolhas.

Esse custo poderá se multiplicar de forma dramática nessa Super Terça-Feira, quando 15 Estados e um território ultramarino realizam suas primárias. Mais de 100 mil eleitores nas primárias democratas do Michigan, o que equivale a 13% dos participantes, fizeram um voto de protesto contra o presidente americano, por causa de seu apoio a Israel.

Esse apoio se expressa no envio de dois porta-aviões, reposições de antimísseis Patriot e outros armamentos, manutenção da ajuda militar anual de US$ 3,8 bilhões e três vetos americanos no Conselho de Segurança a resoluções que exigiam cessar-fogo na Faixa de Gaza.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa em uma visita a fronteira dos Estados Unidos com o México, em Brownsville, Texas  Foto: Evan Vucci / AP

O movimento é liderado pela deputada democrata Rashida Talib, de origem palestina, eleita pelo Michigan. O Estado tem o maior eleitorado árabe dos EUA, 2,8%. Claramente, o movimento se alastrou para outros filiados ao partido, como a juventude e a esquerda, indignadas com a carnificina promovida por Israel na Faixa de Gaza.

O Michigan é um dos sete Estados-pêndulo, que definem as eleições, porque os outros 43 seguem um padrão de dar vitória ou a democratas ou a republicanos, e criam um equilíbrio. Em 2016, o Michigan elegeu Donald Trump; em 2020, Biden.

O maior receio da campanha de Biden é que o movimento se espalhe geograficamente, comprometendo suas chances de vitória. O presidente já enfrenta dificuldades com o eleitorado negro e hispânico de baixa renda, que sofreu com a inflação de 2022 e continua penando com os juros altos, que encarecem a hipoteca e o aluguel. Em uma disputa apertada, pode ser uma combinação fatal.

A proteção oferecida por Biden a Israel não é suficiente para muitos judeus e, mais crucialmente ainda, para o vasto eleitorado evangélico conservador, que apoia o Estado israelense. A histórica preferência dos judeus pelos democratas foi abandonada no governo de Barack Obama, que fez o acordo nuclear com o Irã, principal inimigo de Israel.

O ex-presidente americano Donald Trump abraça e beija a bandeira dos Estados Unidos em um comício em Oxon Hill, Maryland  Foto: Alex Brandon / AP

Trump capitalizou sobre a aliança entre evangélicos conservadores e judeus, recompensando-os com um apoio incondicional a Israel e a ruptura do acordo com o Irã.

Em contraste, Biden, que foi vice de Obama, tem pressionado o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu a conter a morte de civis na Faixa de Gaza e a aceitar a criação de um Estado palestino. Netanyahu não esconde sua preferência por Trump. Ou seja, ao tentar alegrar a todos, Biden frustra a todos e só perde votos.

Vários congressistas americanos têm defendido a suspensão da ajuda militar a Israel enquanto não previne a morte de civis e não apresenta um plano claro de pôr fim à guerra. Entre eles está a senadora democrata Patty Murray, presidente da Comissão de Execução Orçamentária do Senado e defensora do direito de defesa de Israel, desde que dentro da lei internacional.

A última vez que os Estados Unidos ameaçaram retirar a ajuda militar a Israel, historicamente no patamar de US$ 3,8 bilhões ao ano, foi no governo do republicano George Bush (pai), em 1991. Depois de liderar uma coalizão de 30 países, incluindo árabes, para expulsar as tropas iraquianas do Kuwait, Bush lançou um processo de paz visando à criação de um Estado palestino.

O então primeiro-ministro Yitzhak Shamir, que havia participado de células terroristas judaicas antes da criação do Estado de Israel em 1948, resistiu. Bush mostrou a carta da ajuda financeira e Shamir concordou em participar da Conferência de Madri, com o líder palestino Yasser Arafat. A conferência levou aos Acordos de Oslo de 1993, que introduziram a Autoridade Palestina em fatias do território da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, abraça o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Kenny Holston / NYT

Shamir era do Likud, o mesmo partido de Netanyahu, na época seu porta-voz. Diante das ameaças do lobby judaico contra o governo Bush, o então secretário de Estado, James Baker, teria reagido: “F…m-se Eles nem votaram em nós!” Hoje, o raciocínio serviria para Biden.

“Ambiguidade estratégica” é um termo que descreve a política dos EUA em relação à intenção da China de anexar Taiwan. O objetivo é manter os chineses na dúvida sobre até que ponto os americanos estariam dispostos a defender Taiwan de uma invasão. Essa dúvida teria um efeito dissuasório.

Biden rompeu essa ambiguidade em setembro de 2022, em entrevista a Scott Pelley, no programa 60 minutos da CBS News. “Forças americanas defenderiam a ilha?”, Pelley perguntou. “Sim, se de fato houvesse um ataque sem precedentes”, respondeu Biden. “Então, diferentemente da Ucrânia, para ficar claro, senhor, as forças americanas, homens e mulheres, defenderiam Taiwan no caso de invasão chinesa?” O presidente confirmou: “Sim”.

O fato é que a China não invadiu Taiwan, até agora, pelo menos. A Rússia, em contrapartida, ocupa parte da Ucrânia, que não é protegida pelo mesmo tipo de garantia. Ciente disso, o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou na reunião de 20 governantes europeus sobre o apoio à Ucrânia, na segunda-feira em Paris: “Não há consenso nesta etapa para enviar tropas no terreno. Nada deveria ser excluído. Faremos tudo que for necessário para que a Rússia não vença”.

A lógica de Macron é simples. Se a Rússia vencer, muito provavelmente continuará no seu expansionismo. Para um soldado europeu, é melhor combater os russos na Ucrânia do que no próprio país.

Mesmo uma ameaça tão condicionada como essa foi logo descartada pelos dois outros líderes mais importantes da Europa: o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak. Praticamente todo o efeito dissuasivo da fala de Macron se perdeu. Ainda assim, Vladimir Putin respondeu: “Tudo isso ameaça o mundo todo com um conflito com armas nucleares, e portanto a destruição da civilização. Eles não entendem isso?”

Há uma diferença importante entre ditaduras e democracias. Ditadores controlam a informação em seus países, e podem se contradizer, descumprir promessas e ameaças ou serem ambíguos quantas vezes desejarem. Nas democracias, os governantes prestam contas aos eleitores pelo que dizem e fazem.

Por isso, a opacidade e a ambiguidade precisam ser usadas com parcimônia. Quase todo o tempo, governantes de democracias têm de fazer escolhas claras e firmes. Isso exige lucidez, determinação, coragem e liderança.

A ambivalência é parte da condição humana. Na geopolítica, a ambiguidade estratégica pode evitar danos de longo prazo em cenários complexos nos quais há muitos ganhos e perdas em jogo. Entretanto, muitas circunstâncias exigem posições firmes e claras. Joe Biden pagou nesta semana, nas primárias do Michigan, o custo de não fazer escolhas.

Esse custo poderá se multiplicar de forma dramática nessa Super Terça-Feira, quando 15 Estados e um território ultramarino realizam suas primárias. Mais de 100 mil eleitores nas primárias democratas do Michigan, o que equivale a 13% dos participantes, fizeram um voto de protesto contra o presidente americano, por causa de seu apoio a Israel.

Esse apoio se expressa no envio de dois porta-aviões, reposições de antimísseis Patriot e outros armamentos, manutenção da ajuda militar anual de US$ 3,8 bilhões e três vetos americanos no Conselho de Segurança a resoluções que exigiam cessar-fogo na Faixa de Gaza.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa em uma visita a fronteira dos Estados Unidos com o México, em Brownsville, Texas  Foto: Evan Vucci / AP

O movimento é liderado pela deputada democrata Rashida Talib, de origem palestina, eleita pelo Michigan. O Estado tem o maior eleitorado árabe dos EUA, 2,8%. Claramente, o movimento se alastrou para outros filiados ao partido, como a juventude e a esquerda, indignadas com a carnificina promovida por Israel na Faixa de Gaza.

O Michigan é um dos sete Estados-pêndulo, que definem as eleições, porque os outros 43 seguem um padrão de dar vitória ou a democratas ou a republicanos, e criam um equilíbrio. Em 2016, o Michigan elegeu Donald Trump; em 2020, Biden.

O maior receio da campanha de Biden é que o movimento se espalhe geograficamente, comprometendo suas chances de vitória. O presidente já enfrenta dificuldades com o eleitorado negro e hispânico de baixa renda, que sofreu com a inflação de 2022 e continua penando com os juros altos, que encarecem a hipoteca e o aluguel. Em uma disputa apertada, pode ser uma combinação fatal.

A proteção oferecida por Biden a Israel não é suficiente para muitos judeus e, mais crucialmente ainda, para o vasto eleitorado evangélico conservador, que apoia o Estado israelense. A histórica preferência dos judeus pelos democratas foi abandonada no governo de Barack Obama, que fez o acordo nuclear com o Irã, principal inimigo de Israel.

O ex-presidente americano Donald Trump abraça e beija a bandeira dos Estados Unidos em um comício em Oxon Hill, Maryland  Foto: Alex Brandon / AP

Trump capitalizou sobre a aliança entre evangélicos conservadores e judeus, recompensando-os com um apoio incondicional a Israel e a ruptura do acordo com o Irã.

Em contraste, Biden, que foi vice de Obama, tem pressionado o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu a conter a morte de civis na Faixa de Gaza e a aceitar a criação de um Estado palestino. Netanyahu não esconde sua preferência por Trump. Ou seja, ao tentar alegrar a todos, Biden frustra a todos e só perde votos.

Vários congressistas americanos têm defendido a suspensão da ajuda militar a Israel enquanto não previne a morte de civis e não apresenta um plano claro de pôr fim à guerra. Entre eles está a senadora democrata Patty Murray, presidente da Comissão de Execução Orçamentária do Senado e defensora do direito de defesa de Israel, desde que dentro da lei internacional.

A última vez que os Estados Unidos ameaçaram retirar a ajuda militar a Israel, historicamente no patamar de US$ 3,8 bilhões ao ano, foi no governo do republicano George Bush (pai), em 1991. Depois de liderar uma coalizão de 30 países, incluindo árabes, para expulsar as tropas iraquianas do Kuwait, Bush lançou um processo de paz visando à criação de um Estado palestino.

O então primeiro-ministro Yitzhak Shamir, que havia participado de células terroristas judaicas antes da criação do Estado de Israel em 1948, resistiu. Bush mostrou a carta da ajuda financeira e Shamir concordou em participar da Conferência de Madri, com o líder palestino Yasser Arafat. A conferência levou aos Acordos de Oslo de 1993, que introduziram a Autoridade Palestina em fatias do território da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, abraça o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Kenny Holston / NYT

Shamir era do Likud, o mesmo partido de Netanyahu, na época seu porta-voz. Diante das ameaças do lobby judaico contra o governo Bush, o então secretário de Estado, James Baker, teria reagido: “F…m-se Eles nem votaram em nós!” Hoje, o raciocínio serviria para Biden.

“Ambiguidade estratégica” é um termo que descreve a política dos EUA em relação à intenção da China de anexar Taiwan. O objetivo é manter os chineses na dúvida sobre até que ponto os americanos estariam dispostos a defender Taiwan de uma invasão. Essa dúvida teria um efeito dissuasório.

Biden rompeu essa ambiguidade em setembro de 2022, em entrevista a Scott Pelley, no programa 60 minutos da CBS News. “Forças americanas defenderiam a ilha?”, Pelley perguntou. “Sim, se de fato houvesse um ataque sem precedentes”, respondeu Biden. “Então, diferentemente da Ucrânia, para ficar claro, senhor, as forças americanas, homens e mulheres, defenderiam Taiwan no caso de invasão chinesa?” O presidente confirmou: “Sim”.

O fato é que a China não invadiu Taiwan, até agora, pelo menos. A Rússia, em contrapartida, ocupa parte da Ucrânia, que não é protegida pelo mesmo tipo de garantia. Ciente disso, o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou na reunião de 20 governantes europeus sobre o apoio à Ucrânia, na segunda-feira em Paris: “Não há consenso nesta etapa para enviar tropas no terreno. Nada deveria ser excluído. Faremos tudo que for necessário para que a Rússia não vença”.

A lógica de Macron é simples. Se a Rússia vencer, muito provavelmente continuará no seu expansionismo. Para um soldado europeu, é melhor combater os russos na Ucrânia do que no próprio país.

Mesmo uma ameaça tão condicionada como essa foi logo descartada pelos dois outros líderes mais importantes da Europa: o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak. Praticamente todo o efeito dissuasivo da fala de Macron se perdeu. Ainda assim, Vladimir Putin respondeu: “Tudo isso ameaça o mundo todo com um conflito com armas nucleares, e portanto a destruição da civilização. Eles não entendem isso?”

Há uma diferença importante entre ditaduras e democracias. Ditadores controlam a informação em seus países, e podem se contradizer, descumprir promessas e ameaças ou serem ambíguos quantas vezes desejarem. Nas democracias, os governantes prestam contas aos eleitores pelo que dizem e fazem.

Por isso, a opacidade e a ambiguidade precisam ser usadas com parcimônia. Quase todo o tempo, governantes de democracias têm de fazer escolhas claras e firmes. Isso exige lucidez, determinação, coragem e liderança.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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