É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Atos extremos como ataque a Cristina não têm uma causa só; leia coluna de Lourival Sant’Anna


Ambiente na Argentina só não é mais inflamável porque apenas um lado fustiga o ódio: o kirchnerista

Por Lourival Sant'Anna

A frase do colega argentino Oscar Ghiglia, veterano analista, com trânsito nas lideranças de todas as correntes, exprime o ambiente no país: “Se o disparo não tivesse falhado, a Argentina estaria hoje em uma guerra civil”. Atos extremos, como a tentativa de assassinato da vice-presidente, Cristina Kirchner, não têm uma causa só.

A principal delas é o desequilíbrio emocional do protagonista. Mas alguns ambientes políticos são mais propícios que outros, e esse é o caso de países como Argentina, Brasil, Bolívia, Peru, Venezuela e Estados Unidos, nos quais a política se faz por meio da exclusão do outro, tratado não como adversário, mas como inimigo.

No pronunciamento à nação, três horas depois do atentado, o presidente, Alberto Fernández, comunicou, no fim da noite de quinta-feira: “Decidi declarar o dia de amanhã feriado nacional para que, em paz e harmonia, o povo possa expressar-se em defesa da vida, da democracia e da solidariedade com nossa vice-presidente”.

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Manifestantes vão às ruas de Buenos Aires demonstrar apoio à vice-presidente Cristina Kirchner  Foto: Emiliano Lasalvia/AFP - 02/09/2022

Das três pautas enumeradas pelo presidente, o apoio a Kirchner dominou as manifestações de sexta-feira. O feriado foi observado pelos funcionários públicos e trabalhadores filiados aos sindicatos, dois grupos que pertencem à base da esquerda no poder.

A iniciativa privada, com exceção de bancos e escolas, que tiveram de obedecer, continuou funcionando. Depois de décadas de políticas econômicas heterodoxas, a Argentina vive uma crise socioeconômica profunda, em que muitas pessoas, como no Brasil, perderam suas casas e passam fome.

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De um lado, essa crise é um incentivo para não parar de trabalhar um só dia. De outro, é o combustível para uma convulsão social. A falha nos disparos pode ter salvado a Argentina do segundo cenário.

Fernández convocou os sindicatos, ativistas de direitos humanos e líderes religiosos para uma reunião na sexta-feira na Casa Rosada, para debaterem o “discurso de ódio”. Traindo suas reais intenções, o presidente excluiu a oposição.

O ambiente político só não é mais inflamável porque apenas um dos lados fustiga o ódio: precisamente os kirchneristas. O ex-presidente Mauricio Macri, principal figura da oposição, tuitou: “Meu repúdio absoluto ao ataque sofrido por Cristina Kirchner, que felizmente não teve consequências para a vice-presidente. Esse gravíssimo fato exige um esclarecimento imediato e profundo por parte da Justiça e das forças de segurança”.

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Existem duas estratégias para vencer os embates políticos numa democracia: a proposta de políticas públicas e a personalização da disputa, a criação de um personagem salvador da pátria que se alimenta do ódio e da ameaça. A segunda é certamente a mais fácil. E destrutiva.

A frase do colega argentino Oscar Ghiglia, veterano analista, com trânsito nas lideranças de todas as correntes, exprime o ambiente no país: “Se o disparo não tivesse falhado, a Argentina estaria hoje em uma guerra civil”. Atos extremos, como a tentativa de assassinato da vice-presidente, Cristina Kirchner, não têm uma causa só.

A principal delas é o desequilíbrio emocional do protagonista. Mas alguns ambientes políticos são mais propícios que outros, e esse é o caso de países como Argentina, Brasil, Bolívia, Peru, Venezuela e Estados Unidos, nos quais a política se faz por meio da exclusão do outro, tratado não como adversário, mas como inimigo.

No pronunciamento à nação, três horas depois do atentado, o presidente, Alberto Fernández, comunicou, no fim da noite de quinta-feira: “Decidi declarar o dia de amanhã feriado nacional para que, em paz e harmonia, o povo possa expressar-se em defesa da vida, da democracia e da solidariedade com nossa vice-presidente”.

Manifestantes vão às ruas de Buenos Aires demonstrar apoio à vice-presidente Cristina Kirchner  Foto: Emiliano Lasalvia/AFP - 02/09/2022

Das três pautas enumeradas pelo presidente, o apoio a Kirchner dominou as manifestações de sexta-feira. O feriado foi observado pelos funcionários públicos e trabalhadores filiados aos sindicatos, dois grupos que pertencem à base da esquerda no poder.

A iniciativa privada, com exceção de bancos e escolas, que tiveram de obedecer, continuou funcionando. Depois de décadas de políticas econômicas heterodoxas, a Argentina vive uma crise socioeconômica profunda, em que muitas pessoas, como no Brasil, perderam suas casas e passam fome.

De um lado, essa crise é um incentivo para não parar de trabalhar um só dia. De outro, é o combustível para uma convulsão social. A falha nos disparos pode ter salvado a Argentina do segundo cenário.

Fernández convocou os sindicatos, ativistas de direitos humanos e líderes religiosos para uma reunião na sexta-feira na Casa Rosada, para debaterem o “discurso de ódio”. Traindo suas reais intenções, o presidente excluiu a oposição.

O ambiente político só não é mais inflamável porque apenas um dos lados fustiga o ódio: precisamente os kirchneristas. O ex-presidente Mauricio Macri, principal figura da oposição, tuitou: “Meu repúdio absoluto ao ataque sofrido por Cristina Kirchner, que felizmente não teve consequências para a vice-presidente. Esse gravíssimo fato exige um esclarecimento imediato e profundo por parte da Justiça e das forças de segurança”.

Existem duas estratégias para vencer os embates políticos numa democracia: a proposta de políticas públicas e a personalização da disputa, a criação de um personagem salvador da pátria que se alimenta do ódio e da ameaça. A segunda é certamente a mais fácil. E destrutiva.

A frase do colega argentino Oscar Ghiglia, veterano analista, com trânsito nas lideranças de todas as correntes, exprime o ambiente no país: “Se o disparo não tivesse falhado, a Argentina estaria hoje em uma guerra civil”. Atos extremos, como a tentativa de assassinato da vice-presidente, Cristina Kirchner, não têm uma causa só.

A principal delas é o desequilíbrio emocional do protagonista. Mas alguns ambientes políticos são mais propícios que outros, e esse é o caso de países como Argentina, Brasil, Bolívia, Peru, Venezuela e Estados Unidos, nos quais a política se faz por meio da exclusão do outro, tratado não como adversário, mas como inimigo.

No pronunciamento à nação, três horas depois do atentado, o presidente, Alberto Fernández, comunicou, no fim da noite de quinta-feira: “Decidi declarar o dia de amanhã feriado nacional para que, em paz e harmonia, o povo possa expressar-se em defesa da vida, da democracia e da solidariedade com nossa vice-presidente”.

Manifestantes vão às ruas de Buenos Aires demonstrar apoio à vice-presidente Cristina Kirchner  Foto: Emiliano Lasalvia/AFP - 02/09/2022

Das três pautas enumeradas pelo presidente, o apoio a Kirchner dominou as manifestações de sexta-feira. O feriado foi observado pelos funcionários públicos e trabalhadores filiados aos sindicatos, dois grupos que pertencem à base da esquerda no poder.

A iniciativa privada, com exceção de bancos e escolas, que tiveram de obedecer, continuou funcionando. Depois de décadas de políticas econômicas heterodoxas, a Argentina vive uma crise socioeconômica profunda, em que muitas pessoas, como no Brasil, perderam suas casas e passam fome.

De um lado, essa crise é um incentivo para não parar de trabalhar um só dia. De outro, é o combustível para uma convulsão social. A falha nos disparos pode ter salvado a Argentina do segundo cenário.

Fernández convocou os sindicatos, ativistas de direitos humanos e líderes religiosos para uma reunião na sexta-feira na Casa Rosada, para debaterem o “discurso de ódio”. Traindo suas reais intenções, o presidente excluiu a oposição.

O ambiente político só não é mais inflamável porque apenas um dos lados fustiga o ódio: precisamente os kirchneristas. O ex-presidente Mauricio Macri, principal figura da oposição, tuitou: “Meu repúdio absoluto ao ataque sofrido por Cristina Kirchner, que felizmente não teve consequências para a vice-presidente. Esse gravíssimo fato exige um esclarecimento imediato e profundo por parte da Justiça e das forças de segurança”.

Existem duas estratégias para vencer os embates políticos numa democracia: a proposta de políticas públicas e a personalização da disputa, a criação de um personagem salvador da pátria que se alimenta do ódio e da ameaça. A segunda é certamente a mais fácil. E destrutiva.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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