O maior desafio de todo sistema econômico disfuncional – da Argentina à Coreia do Norte, passando pela Venezuela – é obter moeda forte suficiente para importar os bens essenciais que não produz. Esse tem sido o calcanhar de Aquiles de Cuba desde a implosão da União Soviética em 1991 – com um intervalo de alívio durante a bonança venezuelana. E foi o que causou, no domingo passado, o maior estampido de revolta na ilha desde a revolução de 1959.
No dia 10 de junho, o Banco Central de Cuba anunciou que, a partir do dia 21, os cubanos não poderiam mais depositar dólares em suas contas. É por meio desses depósitos que os cubanos abastecem cartões de débito para comprar alimentos, artigos de higiene, roupas, calçados e medicamentos que não encontram nas lojas vazias do Estado, e também as conexões de internet que se tornaram seu cordão umbilical com os parentes no exterior, com informações verdadeiras, e entre si mesmos.
A medida, com esse intervalo de 11 dias entre o anúncio e a entrada em vigor, teve como objetivo induzir os cubanos a depositar todos os dólares que pudessem conseguir, para irrigar os cofres do governo, desprovidos de moeda forte. Ela arrancou dos cubanos a última brecha que os separava da total inanição. Foi isso que os levou às ruas.
Nas minhas idas a Cuba em 2003 (quando Fidel Castro mandou prender 78 dissidentes e executar 3), 2006 (no afastamento do ditador doente) e 2009 (50.º aniversário da revolução), não percebi mudanças na condição de vida. Já em 2016 (morte de Fidel), encontrei os cubanos mais bem alimentados e vestidos, graças a reformas introduzidas a partir de 2011, que lhes permitiram abrir pequenos negócios.
Ao mesmo tempo, o governo de Barack Obama levantou parte das sanções contra empresas cubanas, assim como restrições às remessas de dinheiro e às viagens entre Estados Unidos e Cuba. Os voos se multiplicaram e, com eles, os mulas trazendo dinheiro e produtos enviados por parentes.
De lá para cá, dois acontecimentos fecharam essas válvulas de escape. Donald Trump impôs novamente as sanções e restrições às viagens e remessas. E ainda acrescentou, no dia 23 de setembro, na tentativa de atrair o voto cubano na Flórida, a proibição de que americanos voltassem com charutos e garrafas de rum e se hospedassem em hotéis estatais.
Mais importante que isso: a pandemia praticamente paralisou o turismo, a principal fonte de dólares dos cubanos. Enquanto em 2019 a ilha recebeu 4,2 milhões de visitantes, em 2020 foram apenas 1 milhão, e quase todos nos primeiros três meses do ano. Para completar, a falta de chuva reduziu drasticamente a produção de açúcar, a outra fonte de divisas.
Cuba importa 70% do alimento que consome. Os controles do Estado sobre a produção e a venda dos produtos agropecuários inibem a produção. Ao contrário do que diz o regime, o embargo americano não explica a fome do povo cubano: ele não inclui alimentos desde 2001. Os EUA são os maiores exportadores de alimentos para Cuba. As importações em 2020 foram as menores desde 2002, por falta de dólares.
Essa também é a causa do outro motivo de revolta dos cubanos: a falta de vacinas e de medicamentos para covid. Em contraste com a propaganda comunista, as vacinas ainda não estão prontas, e o serviço público de saúde em Cuba é precário. O descontrole da pandemia na ilha desestimulou o turismo, num círculo vicioso.
A solução para os problemas de Cuba é clara: eliminar os impedimentos ao empreendedorismo dos cubanos, demonstrado com os resultados da tímida abertura efetuada em 2011. Mas o regime teme que uma lufada de capitalismo leve consigo a ditadura de partido único. O novo homem forte do país, Miguel Díaz-Canel, é um adepto do Twitter. Sem o carisma de Fidel e a suposta autoridade moral do irmão Raúl, seu hashtag favorito é “continuidad”. A questão é: como?
* É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS