É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|EUA já pagam preços altos pelo ataque a Irã e Iraque


O cenário no Oriente Médio mudou substancialmente. O Iraque ordenou a saída dos 5.200 militares americanos do país. O Irã abandonou definitivamente o acordo nuclear de 2015. São consequências do ataque americano que matou o general iraniano Qassim Suleimani e o comandante iraquiano de uma milícia apoiada pelo Irã, Abu Mahdi al-Muhandis, na sexta-feira.

Por Lourival Sant'Anna

Desde a invasão americana e a queda de Saddam Hussein, em 2003, o Iraque se equilibrava entre os Estados Unidos e o Irã. Bombardeios aéreos americanos e milícias xiitas iraquianas apoiadas pelo Irã se aliaram para conter o avanço do Estado Islâmico no Iraque, que eu cobri em 2014. Era um equilíbrio tênue, uma aliança insustentável, dado o conflito de objetivos entre EUA e Irã.

O ataque ao comboio perto do aeroporto de Bagdá empurrou essa frágil balança para o lado iraniano. O Iraque é um país dividido entre a maioria xiita e a minoria sunita. A introdução da democracia no país, em 2003, implicou na formação de governos de maioria xiita. O Irã, como potência regional xiita e vizinho do Iraque, exerce naturalmente grande influência sobre esses governos.

O fato de as tropas americanas no Iraque terem, no fim de semana, suspendido a missão de combater o Estado Islâmico, um grupo extremista sunita, para se concentrar na defesa contra possíveis ataques do Irã e das milícias xiitas, serviu para assinalar a mudança de prioridades dos EUA na região, ainda que temporariamente. Se o principal benefício da presença militar americana, do ponto de vista da maioria xiita, era conter a ameaça do extremismo sunita, então essa presença perdeu o sentido. Esse é o aspecto racional da decisão, tomada sob a comoção e o ultraje causados nos iraquianos - não só nos xiitas, mas numa parte dos sunitas, também - pelo ataque de sexta-feira.

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Assim, os EUA perdem um importante aliado no Oriente Médio. É um preço alto para o endurecimento com o Irã.

Quanto ao abandono do acordo nuclear, era algo que o Irã já vinha fazendo gradualmente. Depois de romper o acordo, o presidente Trump passou a impor sanções comerciais e financeiras sobre o Irã, de forma cumulativa, entre maio e novembro de 2018. O resultado foram as sanções mais duras já impostas a um país.

O Irã, no entanto, esperou para reagir, diante das garantias dos governos europeus de que suas empresas continuariam fazendo negócios com o país. Essas promessas não se concretizaram por causa do medo das empresas de represálias americanas. Há um trauma no mercado com a multa de US$ 8,9 bilhões que o banco francês BNP Paribas recebeu da Justiça americana por ter violado sanções ao fazer negócios com o Irã, o Sudão e Cuba, em 2015.

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Diante disso, o Irã começou a descumprir o acordo nuclear em novembro do ano passado. O acordo limitava o enriquecimento do urânio a 3,67% - patamar que permite apenas a geração de energia. No dia 5 de novembro, o Irã anunciou que passaria a enriquecer a 5%, o que possibilita o uso em equipamentos radiológicos e outras aplicações civis.

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No dia 23 de dezembro, os iranianos retomaram a atividade no reator de água pesada de Arak, capaz de produzir plutônio suficiente para duas bombas por ano. O governo iraniano já havia anunciado que ultrapassaria o patamar de 20% nessa segunda-feira, dia 6 de janeiro. Esse timing foi parte dos motivos do ataque americano, além dos disparos de 31 foguetes iranianos contra uma base militar dos EUA no norte do Iraque, no dia 27, que mataram um civil americano e feriram vários militares americanos e iraquianos.

A partir de 20%, a separação de isótopos se acelera de forma geométrica em direção aos 95%, o patamar necessário para a produção de armas nucleares. Considerando o parque de centrífugas iraniano, o país estaria a seis meses de uma bomba atômica.

Pelo acordo nuclear, o Irã abriu mão de usar dois terços de suas centrífugas operacionais, 97% de seu estoque de urânio e o reator de Arak, além de se submeter a inspeções mais invasivas. Tudo isso o país estava cumprindo, segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

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É outro preço alto da estratégia do presidente Trump, que tuitou, em letras maiúsculas: "O Irã nunca terá uma arma nuclear!"

Os prejuízos geopolíticos da estratégia do presidente americano se acumulam e, junto com eles, a necessidade dos EUA de recuperar sua credibilidade.

Desde a invasão americana e a queda de Saddam Hussein, em 2003, o Iraque se equilibrava entre os Estados Unidos e o Irã. Bombardeios aéreos americanos e milícias xiitas iraquianas apoiadas pelo Irã se aliaram para conter o avanço do Estado Islâmico no Iraque, que eu cobri em 2014. Era um equilíbrio tênue, uma aliança insustentável, dado o conflito de objetivos entre EUA e Irã.

O ataque ao comboio perto do aeroporto de Bagdá empurrou essa frágil balança para o lado iraniano. O Iraque é um país dividido entre a maioria xiita e a minoria sunita. A introdução da democracia no país, em 2003, implicou na formação de governos de maioria xiita. O Irã, como potência regional xiita e vizinho do Iraque, exerce naturalmente grande influência sobre esses governos.

O fato de as tropas americanas no Iraque terem, no fim de semana, suspendido a missão de combater o Estado Islâmico, um grupo extremista sunita, para se concentrar na defesa contra possíveis ataques do Irã e das milícias xiitas, serviu para assinalar a mudança de prioridades dos EUA na região, ainda que temporariamente. Se o principal benefício da presença militar americana, do ponto de vista da maioria xiita, era conter a ameaça do extremismo sunita, então essa presença perdeu o sentido. Esse é o aspecto racional da decisão, tomada sob a comoção e o ultraje causados nos iraquianos - não só nos xiitas, mas numa parte dos sunitas, também - pelo ataque de sexta-feira.

Assim, os EUA perdem um importante aliado no Oriente Médio. É um preço alto para o endurecimento com o Irã.

Quanto ao abandono do acordo nuclear, era algo que o Irã já vinha fazendo gradualmente. Depois de romper o acordo, o presidente Trump passou a impor sanções comerciais e financeiras sobre o Irã, de forma cumulativa, entre maio e novembro de 2018. O resultado foram as sanções mais duras já impostas a um país.

O Irã, no entanto, esperou para reagir, diante das garantias dos governos europeus de que suas empresas continuariam fazendo negócios com o país. Essas promessas não se concretizaram por causa do medo das empresas de represálias americanas. Há um trauma no mercado com a multa de US$ 8,9 bilhões que o banco francês BNP Paribas recebeu da Justiça americana por ter violado sanções ao fazer negócios com o Irã, o Sudão e Cuba, em 2015.

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Diante disso, o Irã começou a descumprir o acordo nuclear em novembro do ano passado. O acordo limitava o enriquecimento do urânio a 3,67% - patamar que permite apenas a geração de energia. No dia 5 de novembro, o Irã anunciou que passaria a enriquecer a 5%, o que possibilita o uso em equipamentos radiológicos e outras aplicações civis.

No dia 23 de dezembro, os iranianos retomaram a atividade no reator de água pesada de Arak, capaz de produzir plutônio suficiente para duas bombas por ano. O governo iraniano já havia anunciado que ultrapassaria o patamar de 20% nessa segunda-feira, dia 6 de janeiro. Esse timing foi parte dos motivos do ataque americano, além dos disparos de 31 foguetes iranianos contra uma base militar dos EUA no norte do Iraque, no dia 27, que mataram um civil americano e feriram vários militares americanos e iraquianos.

A partir de 20%, a separação de isótopos se acelera de forma geométrica em direção aos 95%, o patamar necessário para a produção de armas nucleares. Considerando o parque de centrífugas iraniano, o país estaria a seis meses de uma bomba atômica.

Pelo acordo nuclear, o Irã abriu mão de usar dois terços de suas centrífugas operacionais, 97% de seu estoque de urânio e o reator de Arak, além de se submeter a inspeções mais invasivas. Tudo isso o país estava cumprindo, segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

É outro preço alto da estratégia do presidente Trump, que tuitou, em letras maiúsculas: "O Irã nunca terá uma arma nuclear!"

Os prejuízos geopolíticos da estratégia do presidente americano se acumulam e, junto com eles, a necessidade dos EUA de recuperar sua credibilidade.

Desde a invasão americana e a queda de Saddam Hussein, em 2003, o Iraque se equilibrava entre os Estados Unidos e o Irã. Bombardeios aéreos americanos e milícias xiitas iraquianas apoiadas pelo Irã se aliaram para conter o avanço do Estado Islâmico no Iraque, que eu cobri em 2014. Era um equilíbrio tênue, uma aliança insustentável, dado o conflito de objetivos entre EUA e Irã.

O ataque ao comboio perto do aeroporto de Bagdá empurrou essa frágil balança para o lado iraniano. O Iraque é um país dividido entre a maioria xiita e a minoria sunita. A introdução da democracia no país, em 2003, implicou na formação de governos de maioria xiita. O Irã, como potência regional xiita e vizinho do Iraque, exerce naturalmente grande influência sobre esses governos.

O fato de as tropas americanas no Iraque terem, no fim de semana, suspendido a missão de combater o Estado Islâmico, um grupo extremista sunita, para se concentrar na defesa contra possíveis ataques do Irã e das milícias xiitas, serviu para assinalar a mudança de prioridades dos EUA na região, ainda que temporariamente. Se o principal benefício da presença militar americana, do ponto de vista da maioria xiita, era conter a ameaça do extremismo sunita, então essa presença perdeu o sentido. Esse é o aspecto racional da decisão, tomada sob a comoção e o ultraje causados nos iraquianos - não só nos xiitas, mas numa parte dos sunitas, também - pelo ataque de sexta-feira.

Assim, os EUA perdem um importante aliado no Oriente Médio. É um preço alto para o endurecimento com o Irã.

Quanto ao abandono do acordo nuclear, era algo que o Irã já vinha fazendo gradualmente. Depois de romper o acordo, o presidente Trump passou a impor sanções comerciais e financeiras sobre o Irã, de forma cumulativa, entre maio e novembro de 2018. O resultado foram as sanções mais duras já impostas a um país.

O Irã, no entanto, esperou para reagir, diante das garantias dos governos europeus de que suas empresas continuariam fazendo negócios com o país. Essas promessas não se concretizaram por causa do medo das empresas de represálias americanas. Há um trauma no mercado com a multa de US$ 8,9 bilhões que o banco francês BNP Paribas recebeu da Justiça americana por ter violado sanções ao fazer negócios com o Irã, o Sudão e Cuba, em 2015.

reference

Diante disso, o Irã começou a descumprir o acordo nuclear em novembro do ano passado. O acordo limitava o enriquecimento do urânio a 3,67% - patamar que permite apenas a geração de energia. No dia 5 de novembro, o Irã anunciou que passaria a enriquecer a 5%, o que possibilita o uso em equipamentos radiológicos e outras aplicações civis.

No dia 23 de dezembro, os iranianos retomaram a atividade no reator de água pesada de Arak, capaz de produzir plutônio suficiente para duas bombas por ano. O governo iraniano já havia anunciado que ultrapassaria o patamar de 20% nessa segunda-feira, dia 6 de janeiro. Esse timing foi parte dos motivos do ataque americano, além dos disparos de 31 foguetes iranianos contra uma base militar dos EUA no norte do Iraque, no dia 27, que mataram um civil americano e feriram vários militares americanos e iraquianos.

A partir de 20%, a separação de isótopos se acelera de forma geométrica em direção aos 95%, o patamar necessário para a produção de armas nucleares. Considerando o parque de centrífugas iraniano, o país estaria a seis meses de uma bomba atômica.

Pelo acordo nuclear, o Irã abriu mão de usar dois terços de suas centrífugas operacionais, 97% de seu estoque de urânio e o reator de Arak, além de se submeter a inspeções mais invasivas. Tudo isso o país estava cumprindo, segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

É outro preço alto da estratégia do presidente Trump, que tuitou, em letras maiúsculas: "O Irã nunca terá uma arma nuclear!"

Os prejuízos geopolíticos da estratégia do presidente americano se acumulam e, junto com eles, a necessidade dos EUA de recuperar sua credibilidade.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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