A inundação da região de Kherson e o início da contraofensiva ucraniana levaram a guerra para uma nova fase. A implosão da barragem da represa de Karkhovka indica o reconhecimento por Vladimir Putin de que não pode vencer a Ucrânia militarmente. E que ele está disposto a causar catástrofes humanitárias e ambientais para adiar a derrota.
Na primeira fase da campanha, Putin pretendia tomar toda a Ucrânia. Isso se mostrou impossível. Em setembro, o ditador russo restringiu seu objetivo à anexação de partes do leste e do sul.
Em outubro, a implosão da ponte de Kerch, que liga a Crimeia à Rússia, mostrou que os ucranianos não se acomodariam a esse redesenho do mapa. Putin passou então a atacar a infraestrutura de eletricidade da Ucrânia, para induzir a população a desistir da resistência.
Assim como todas as outras estratégias de Putin nessa campanha, o efeito foi o contrário: só aumentou a determinação dos ucranianos. Naquele mês, o presidente Volodmir Zelenski acusou os russos de colocar dinamites na barragem e pediu que observadores internacionais fossem ao local.
A Rússia bloqueou o acesso. Na noite de segunda para terça-feira, quando a contraofensiva ucraniana era lançada, a barragem implodiu.
Seis elementos pesam na elucidação de um crime: provas materiais, confissão, testemunhas, motivação, oportunidade e antecedentes. Os três primeiros estão ausentes nesse caso, e os três últimos incriminam a Rússia.
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Motivação: a implosão da barragem conteve o avanço ucraniano no sul. Desviou recursos da guerra para o socorro aos flagelados. Matou um número ainda não contabilizado de ucranianos, deixou dezenas de milhares sem casa e centenas de milhares sem água.
Puniu os ucranianos que viviam sob ocupação russa, na margem leste do Rio Dnipro, abandonados à própria sorte pelas autoridades russas. Inundou e espalhou químicos tóxicos e minas no solo mais fértil da Ucrânia, comprometendo por anos a sua produção agrícola, além de destruir os grãos armazenados.
Oportunidade: só os russos poderiam dinamitar a barragem, porque controlam a área desde maio. Não houve disparos à distância contra ela.
Antecedentes: Josef Stalin, ídolo de Putin, fez a mesma coisa com a barragem de Zaporizhia em 1942, matando milhares de ucranianos, para conter o avanço nazista.
A implosão da barragem sugere que Putin não hesitaria, por exemplo, em causar um acidente na usina nuclear de Zaporizhia, também controlada pelos russos, diante de derrota iminente.
É por isso que a implosão leva o Ocidente a escalar a ajuda militar à Ucrânia, para libertar o quanto antes a usina e outros ativos estratégicos. Mais uma vez, Putin conseguirá o inverso do que almeja.