É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Fim do regime Assad na Síria muda tabuleiro e consolida ‘nova ordem no Oriente Médio’


Enquanto Turquia e Israel saem na frente, Rússia e Irã sofrem derrota e China precisa rever estratégia

Por Lourival Sant'Anna

Os contornos geopolíticos do novo governo da Organização de Libertação do Levante (HTS) não estão definidos. Mas já está claro que Turquia e Israel se beneficiam no curto prazo. Irã e Rússia perdem muito, o que significa ganho para os Estados Unidos. A China tem de rever sua estratégia.

No dia seguinte à fuga do ditador Bashar Assad para Moscou, três países bombardearam alvos na Síria: os EUA, do Estado Islâmico, para que não ocupasse vazios criados pelo avanço de seus rivais do HTS; a Turquia, da guerrilha curda; Israel, das Forças Armadas sírias.

A Turquia é, neste momento, o único país com influência direta sobre a Síria. A ofensiva do HTS teve o apoio do Exército Nacional Sírio (ENS), patrocinado pelo regime turco.

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Combatentes do Hay'at Tahrir al-Sham desarmam minas na Síria depois de impor derrota ao regime Bashar Assad e seus aliados. Foto: Ivor Prickett/The New York Times

Assad se sentia firme no cargo: países árabes o haviam acolhido de volta e até europeus acenavam com a normalização de relações. Erdogan, que antes da Primavera Árabe (iniciada em 2011) era aliado de Assad, tentou uma reconciliação.

Interpretando esses gestos como sinais de fraqueza, o ditador sírio exigiu em outubro a retirada das tropas turcas da Síria e negou os pedidos de repatriação dos refugiados sírios na Turquia.

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No mês passado, durante reunião em Astana (Cazaquistão), o enviado da Rússia para a Síria, Alexander Lavrentiev, negou o pedido da Turquia para que as forças russas permitissem o trânsito de suas tropas na fronteira, para atacar os guerrilheiros curdos do YPG. Eles são aliados dos separatistas curdos na Turquia.

A recusa foi a gota d’água para a Turquia autorizar a ofensiva do HTS. O grupo sunita esperava pelo cessar-fogo entre Hezbollah e Israel. A milícia xiita libanesa era aliada do regime de Assad, assim como seu patrocinador, o Irã. O HTS não queria ser acusado de colaborar com Israel.

Enquanto o HTS avançava, Israel executou 480 bombardeios contra a Síria, que destruíram a Marinha, a Força Aérea e grande parte do arsenal estratégico. Pela primeira vez em 50 anos, tropas israelenses invadiram a zona desmilitarizada entre os dois países.

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O propósito não era favorecer o HTS. Um dos objetivos foi evitar que os estoques de armas químicas e biológicas caíssem “nas mãos de extremistas”, conforme o chanceler israelense, Gideon Saaar; e reduzir a ameaça do país vizinho, sem risco de retaliação de Irã, Hezbollah ou Rússia.

Os EUA apoiam o Exército Democrático Sírio, composto por curdos e árabes seculares, e têm cerca de 900 soldados na Síria. A missão é conter o Estado Islâmico e a passagem de armas do Irã para o Hezbollah. A queda de Assad levou o secretário de Estado Antony Blinken à Jordânia e Turquia, para consultas sobre o novo regime.

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As condições americanas para reconhecê-lo são: não hostilizar mulheres, cristãos, alauitas e curdos, não servir de base para terroristas e destruir as armas químicas e biológicas. O líder do HCT, Abu Mohamed al-Jolani, fundou a Frente Al-Nusra, filiada à Al-Qaeda, e rompeu com o grupo em 2007. Mas o HCT continua na lista de organizações terroristas dos EUA.

“A Síria está uma bagunça, mas não é nossa amiga”, publicou Donald Trump em sua rede, Truth Social. “Os EUA não devem ter nada a ver com ela. Essa briga não é nossa.” No primeiro mandato, Trump retirou boa parte das tropas americanas na Síria, e todo o pessoal da CIA. Ele volta comprometido com o desengajamento dos conflitos mundiais.

A queda de Assad é consequência do enfraquecimento do Hezbollah e da Rússia, que combatiam os rebeldes sírios. A Síria era a ponta de lança da Rússia para o Oriente Médio e o Mediterrâneo. Abrigava as bases russas de Tartus, naval, e de Khmeimim, aérea. Foi a primeira cliente do grupo mercenário Wagner.

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A Síria aderiu à Nova Rota da Seda em 2022, mas não recebeu investimentos por causa da insegurança. Com a aparente consolidação de Assad no poder, e a debilitação da Rússia pela reação do Ocidente à invasão da Ucrânia, a China passou a ver a Síria como espaço de projeção.

Rebeldes sírios celebram tomada de poder que altera o tabuleiro do Oriente Médio.  Foto: Hussein Malla/Associated Press

Xi Jinping recebeu Assad em Hangzhou em setembro de 2023, antes da abertura dos Jogos Asiáticos. Firmaram uma “aliança estratégica”. Agora, Rússia e China estão contactando representantes do HTS. A mídia russa passou a se referir a eles como “oposição armada”, em vez de “terroristas”.

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A China tem a flexibilidade ideológica para se acomodar à nova realidade síria. Há um problema: a forte presença, no HTS, de jihadistas uigures, muçulmanos separatistas da província chinesa de Xinjiang.

Como se vê, a queda de Assad mudou o tabuleiro. Binyamin Netanyahu afinal não exagerou, quando falou na “nova ordem do Oriente Médio”.

Os contornos geopolíticos do novo governo da Organização de Libertação do Levante (HTS) não estão definidos. Mas já está claro que Turquia e Israel se beneficiam no curto prazo. Irã e Rússia perdem muito, o que significa ganho para os Estados Unidos. A China tem de rever sua estratégia.

No dia seguinte à fuga do ditador Bashar Assad para Moscou, três países bombardearam alvos na Síria: os EUA, do Estado Islâmico, para que não ocupasse vazios criados pelo avanço de seus rivais do HTS; a Turquia, da guerrilha curda; Israel, das Forças Armadas sírias.

A Turquia é, neste momento, o único país com influência direta sobre a Síria. A ofensiva do HTS teve o apoio do Exército Nacional Sírio (ENS), patrocinado pelo regime turco.

Combatentes do Hay'at Tahrir al-Sham desarmam minas na Síria depois de impor derrota ao regime Bashar Assad e seus aliados. Foto: Ivor Prickett/The New York Times

Assad se sentia firme no cargo: países árabes o haviam acolhido de volta e até europeus acenavam com a normalização de relações. Erdogan, que antes da Primavera Árabe (iniciada em 2011) era aliado de Assad, tentou uma reconciliação.

Interpretando esses gestos como sinais de fraqueza, o ditador sírio exigiu em outubro a retirada das tropas turcas da Síria e negou os pedidos de repatriação dos refugiados sírios na Turquia.

No mês passado, durante reunião em Astana (Cazaquistão), o enviado da Rússia para a Síria, Alexander Lavrentiev, negou o pedido da Turquia para que as forças russas permitissem o trânsito de suas tropas na fronteira, para atacar os guerrilheiros curdos do YPG. Eles são aliados dos separatistas curdos na Turquia.

A recusa foi a gota d’água para a Turquia autorizar a ofensiva do HTS. O grupo sunita esperava pelo cessar-fogo entre Hezbollah e Israel. A milícia xiita libanesa era aliada do regime de Assad, assim como seu patrocinador, o Irã. O HTS não queria ser acusado de colaborar com Israel.

Enquanto o HTS avançava, Israel executou 480 bombardeios contra a Síria, que destruíram a Marinha, a Força Aérea e grande parte do arsenal estratégico. Pela primeira vez em 50 anos, tropas israelenses invadiram a zona desmilitarizada entre os dois países.

O propósito não era favorecer o HTS. Um dos objetivos foi evitar que os estoques de armas químicas e biológicas caíssem “nas mãos de extremistas”, conforme o chanceler israelense, Gideon Saaar; e reduzir a ameaça do país vizinho, sem risco de retaliação de Irã, Hezbollah ou Rússia.

Os EUA apoiam o Exército Democrático Sírio, composto por curdos e árabes seculares, e têm cerca de 900 soldados na Síria. A missão é conter o Estado Islâmico e a passagem de armas do Irã para o Hezbollah. A queda de Assad levou o secretário de Estado Antony Blinken à Jordânia e Turquia, para consultas sobre o novo regime.

As condições americanas para reconhecê-lo são: não hostilizar mulheres, cristãos, alauitas e curdos, não servir de base para terroristas e destruir as armas químicas e biológicas. O líder do HCT, Abu Mohamed al-Jolani, fundou a Frente Al-Nusra, filiada à Al-Qaeda, e rompeu com o grupo em 2007. Mas o HCT continua na lista de organizações terroristas dos EUA.

“A Síria está uma bagunça, mas não é nossa amiga”, publicou Donald Trump em sua rede, Truth Social. “Os EUA não devem ter nada a ver com ela. Essa briga não é nossa.” No primeiro mandato, Trump retirou boa parte das tropas americanas na Síria, e todo o pessoal da CIA. Ele volta comprometido com o desengajamento dos conflitos mundiais.

A queda de Assad é consequência do enfraquecimento do Hezbollah e da Rússia, que combatiam os rebeldes sírios. A Síria era a ponta de lança da Rússia para o Oriente Médio e o Mediterrâneo. Abrigava as bases russas de Tartus, naval, e de Khmeimim, aérea. Foi a primeira cliente do grupo mercenário Wagner.

A Síria aderiu à Nova Rota da Seda em 2022, mas não recebeu investimentos por causa da insegurança. Com a aparente consolidação de Assad no poder, e a debilitação da Rússia pela reação do Ocidente à invasão da Ucrânia, a China passou a ver a Síria como espaço de projeção.

Rebeldes sírios celebram tomada de poder que altera o tabuleiro do Oriente Médio.  Foto: Hussein Malla/Associated Press

Xi Jinping recebeu Assad em Hangzhou em setembro de 2023, antes da abertura dos Jogos Asiáticos. Firmaram uma “aliança estratégica”. Agora, Rússia e China estão contactando representantes do HTS. A mídia russa passou a se referir a eles como “oposição armada”, em vez de “terroristas”.

A China tem a flexibilidade ideológica para se acomodar à nova realidade síria. Há um problema: a forte presença, no HTS, de jihadistas uigures, muçulmanos separatistas da província chinesa de Xinjiang.

Como se vê, a queda de Assad mudou o tabuleiro. Binyamin Netanyahu afinal não exagerou, quando falou na “nova ordem do Oriente Médio”.

Os contornos geopolíticos do novo governo da Organização de Libertação do Levante (HTS) não estão definidos. Mas já está claro que Turquia e Israel se beneficiam no curto prazo. Irã e Rússia perdem muito, o que significa ganho para os Estados Unidos. A China tem de rever sua estratégia.

No dia seguinte à fuga do ditador Bashar Assad para Moscou, três países bombardearam alvos na Síria: os EUA, do Estado Islâmico, para que não ocupasse vazios criados pelo avanço de seus rivais do HTS; a Turquia, da guerrilha curda; Israel, das Forças Armadas sírias.

A Turquia é, neste momento, o único país com influência direta sobre a Síria. A ofensiva do HTS teve o apoio do Exército Nacional Sírio (ENS), patrocinado pelo regime turco.

Combatentes do Hay'at Tahrir al-Sham desarmam minas na Síria depois de impor derrota ao regime Bashar Assad e seus aliados. Foto: Ivor Prickett/The New York Times

Assad se sentia firme no cargo: países árabes o haviam acolhido de volta e até europeus acenavam com a normalização de relações. Erdogan, que antes da Primavera Árabe (iniciada em 2011) era aliado de Assad, tentou uma reconciliação.

Interpretando esses gestos como sinais de fraqueza, o ditador sírio exigiu em outubro a retirada das tropas turcas da Síria e negou os pedidos de repatriação dos refugiados sírios na Turquia.

No mês passado, durante reunião em Astana (Cazaquistão), o enviado da Rússia para a Síria, Alexander Lavrentiev, negou o pedido da Turquia para que as forças russas permitissem o trânsito de suas tropas na fronteira, para atacar os guerrilheiros curdos do YPG. Eles são aliados dos separatistas curdos na Turquia.

A recusa foi a gota d’água para a Turquia autorizar a ofensiva do HTS. O grupo sunita esperava pelo cessar-fogo entre Hezbollah e Israel. A milícia xiita libanesa era aliada do regime de Assad, assim como seu patrocinador, o Irã. O HTS não queria ser acusado de colaborar com Israel.

Enquanto o HTS avançava, Israel executou 480 bombardeios contra a Síria, que destruíram a Marinha, a Força Aérea e grande parte do arsenal estratégico. Pela primeira vez em 50 anos, tropas israelenses invadiram a zona desmilitarizada entre os dois países.

O propósito não era favorecer o HTS. Um dos objetivos foi evitar que os estoques de armas químicas e biológicas caíssem “nas mãos de extremistas”, conforme o chanceler israelense, Gideon Saaar; e reduzir a ameaça do país vizinho, sem risco de retaliação de Irã, Hezbollah ou Rússia.

Os EUA apoiam o Exército Democrático Sírio, composto por curdos e árabes seculares, e têm cerca de 900 soldados na Síria. A missão é conter o Estado Islâmico e a passagem de armas do Irã para o Hezbollah. A queda de Assad levou o secretário de Estado Antony Blinken à Jordânia e Turquia, para consultas sobre o novo regime.

As condições americanas para reconhecê-lo são: não hostilizar mulheres, cristãos, alauitas e curdos, não servir de base para terroristas e destruir as armas químicas e biológicas. O líder do HCT, Abu Mohamed al-Jolani, fundou a Frente Al-Nusra, filiada à Al-Qaeda, e rompeu com o grupo em 2007. Mas o HCT continua na lista de organizações terroristas dos EUA.

“A Síria está uma bagunça, mas não é nossa amiga”, publicou Donald Trump em sua rede, Truth Social. “Os EUA não devem ter nada a ver com ela. Essa briga não é nossa.” No primeiro mandato, Trump retirou boa parte das tropas americanas na Síria, e todo o pessoal da CIA. Ele volta comprometido com o desengajamento dos conflitos mundiais.

A queda de Assad é consequência do enfraquecimento do Hezbollah e da Rússia, que combatiam os rebeldes sírios. A Síria era a ponta de lança da Rússia para o Oriente Médio e o Mediterrâneo. Abrigava as bases russas de Tartus, naval, e de Khmeimim, aérea. Foi a primeira cliente do grupo mercenário Wagner.

A Síria aderiu à Nova Rota da Seda em 2022, mas não recebeu investimentos por causa da insegurança. Com a aparente consolidação de Assad no poder, e a debilitação da Rússia pela reação do Ocidente à invasão da Ucrânia, a China passou a ver a Síria como espaço de projeção.

Rebeldes sírios celebram tomada de poder que altera o tabuleiro do Oriente Médio.  Foto: Hussein Malla/Associated Press

Xi Jinping recebeu Assad em Hangzhou em setembro de 2023, antes da abertura dos Jogos Asiáticos. Firmaram uma “aliança estratégica”. Agora, Rússia e China estão contactando representantes do HTS. A mídia russa passou a se referir a eles como “oposição armada”, em vez de “terroristas”.

A China tem a flexibilidade ideológica para se acomodar à nova realidade síria. Há um problema: a forte presença, no HTS, de jihadistas uigures, muçulmanos separatistas da província chinesa de Xinjiang.

Como se vê, a queda de Assad mudou o tabuleiro. Binyamin Netanyahu afinal não exagerou, quando falou na “nova ordem do Oriente Médio”.

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