É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Impacto político da suspensão de armas para Israel pode ser ruim para Biden e bom para Netanyahu


Pressão contra condução da guerra proporciona apoio interno ao governo israelense contra ‘abandono’ americano

Por Lourival Sant'Anna

A pressão de Joe Biden contra a condução da guerra por Binyamin Netanyahu chegou ao clímax com a suspensão do fornecimento de armas para Israel. O impacto não é militar, mas político. Paradoxalmente, pode ser negativo para o presidente americano e positivo para o primeiro-ministro israelense.

Os EUA retiveram um cargueiro com 1.800 bombas de 906 kg e 1.700 de 226 kg destinado a Israel. No dia seguinte, Biden disse à CNN que, se Israel levasse adiante a ofensiva contra Rafah, ele suspenderia o envio de armas que o país emprega em operações como essa: “Civis têm sido mortos em Gaza como consequência dessas bombas e outras formas pelas quais eles atacam concentrações populacionais”.

Os EUA destinam US$ 3,8 bilhões por ano em ajuda militar a Israel. Ao longo de décadas, a média foi de US$ 3 bilhões. Em 2016, no último ano do governo Barack Obama, do qual Biden era vice, o Congresso aprovou proposta da Casa Branca de destinar US$ 38 bilhões a Israel entre 2019 e 2028.

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Presidente americano Joe Biden discursa após aprovação do pacote de segurança que inclui Ucrânia, Israel e Taiwan.  Foto: Demetrius Freeman/The Washington Post

Além disso, depois dos ataques do Hamas no dia 7 de outubro, os EUA enviaram o porta-aviões USS Gerald R. Ford, o maior do mundo, com seu grupo de batalha, assim como mísseis Patriot para reposição do sistema de defesa Domo de Ferro e munição de artilharia.

A última vez em que os Estados Unidos suspenderam ajuda militar a Israel foi no governo do republicano Ronald Reagan, durante a invasão israelense do Líbano, em 1982. A legislação americana proíbe o fornecimento de armas para países que violam a lei internacional, na forma de crimes de guerra e de bloqueio de ajuda humanitária. Israel faz as duas coisas.

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Relatório do Departamento de Estado divulgado na sexta-feira considera “razoável avaliar” que armamento enviado pelos EUA “tenha sido usado pelas forças israelenses desde 7 de outubro de forma inconsistente com suas obrigações perante a lei humanitária internacional ou com boas práticas estabelecidas para mitigar dano civil”.

A avaliação não é conclusiva “dada a natureza do conflito em Gaza, com o Hamas buscando se esconder atrás de populações e infraestrutura civis e expô-las à ação militar israelense, assim como a falta de pessoal do governo dos EUA no terreno em Gaza”.

Congressistas da oposição republicana criticaram a decisão de Biden, exigindo que os EUA ajudem Israel a se defender da forma que considerar necessário. A seis meses das eleições, o tema demanda um complexo cálculo político.

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De um lado, Biden arrisca perder o voto do eleitorado independente e conservador moderado, que tende a simpatizar com Israel. Esse é o grupo que normalmente decide a eleição. De outro, Biden tem sentido as fraturas em seu próprio eleitorado mais à esquerda, indignado com a morte de dezenas de milhares de civis na Faixa de Gaza.

As críticas parecem ter pesado. Na quinta-feira, a Casa Branca informou que ainda não havia tomado decisão sobre o envio de armas. O comunicado afirma que Biden instruiu sua equipe a “continuar cooperando com Israel para infligir uma duradoura derrota” ao Hamas. E pondera que os EUA ofereceram a Israel várias alternativas de ataques aos combatentes do grupo.

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Netanyahu, de sua parte, procurou extrair o máximo benefício político da situação. “Se tivermos de ficar de pé sozinhos, ficaremos”, dramatizou ele em um vídeo gravado. “Se tivermos de lutar com nossas unhas, vamos lutar. Mas temos bem mais que unhas.”

Bombas de alta carga explosiva têm pouca utilidade no teatro de operações de Rafah, onde 1 milhão de palestinos se concentram. Israel tem uma das Forças Armadas mais bem equipadas e treinadas do mundo. O almirante Daniel Hagari, porta-voz das Forças de Defesa de Israel, assegurou que o país tem as “armas necessárias” para as operações planejadas, “incluindo Rafah”.

A suspensão do envio de armas pelos EUA proporcionou a Netanyahu um espaço de apoio interno, ao desencadear uma reação instintiva, de abandono, união e autodefesa, forjada na história de perseguições contra o povo judaico.

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Primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu participa de cerimônia em memória do Holocausto.  Foto: Amir Cohen/Associated Press

“A ameaça de Biden é profundamente equivocada”, disse à CNN o ex-primeiro-ministro Naftali Bennet, do Partido Nova Direita, que faz oposição a Netanyahu. “O embargo parcial manda uma mensagem muito ruim para Yahya Sinwar, porque ele vai achar que não precisa fazer acordo com Israel”, continuou, referindo-se ao líder do Hamas na Faixa de Gaza. “Os inimigos vão achar que é um bom momento para atacar porque Israel não tem armas suficientes.”

O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, foi mais longe: “O Hamas ama Biden”, tuitou, usando o emoji do coração. O tuíte foi criticado por Bennet e pelo presidente Isaac Herzog. Ben-Gvir e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, pressionam pelo emprego de força total contra os palestinos e condenam negociações com o Hamas.

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Juntos, eles controlam 14 cadeiras no Parlamento. O governo tem maioria de apenas 4. Netanyahu não pode deixar de atender a seus ministros radicais. O momento é de saborear o “abandono” de Biden. A população palestina e os reféns israelenses continuarão sofrendo as consequências.

A pressão de Joe Biden contra a condução da guerra por Binyamin Netanyahu chegou ao clímax com a suspensão do fornecimento de armas para Israel. O impacto não é militar, mas político. Paradoxalmente, pode ser negativo para o presidente americano e positivo para o primeiro-ministro israelense.

Os EUA retiveram um cargueiro com 1.800 bombas de 906 kg e 1.700 de 226 kg destinado a Israel. No dia seguinte, Biden disse à CNN que, se Israel levasse adiante a ofensiva contra Rafah, ele suspenderia o envio de armas que o país emprega em operações como essa: “Civis têm sido mortos em Gaza como consequência dessas bombas e outras formas pelas quais eles atacam concentrações populacionais”.

Os EUA destinam US$ 3,8 bilhões por ano em ajuda militar a Israel. Ao longo de décadas, a média foi de US$ 3 bilhões. Em 2016, no último ano do governo Barack Obama, do qual Biden era vice, o Congresso aprovou proposta da Casa Branca de destinar US$ 38 bilhões a Israel entre 2019 e 2028.

Presidente americano Joe Biden discursa após aprovação do pacote de segurança que inclui Ucrânia, Israel e Taiwan.  Foto: Demetrius Freeman/The Washington Post

Além disso, depois dos ataques do Hamas no dia 7 de outubro, os EUA enviaram o porta-aviões USS Gerald R. Ford, o maior do mundo, com seu grupo de batalha, assim como mísseis Patriot para reposição do sistema de defesa Domo de Ferro e munição de artilharia.

A última vez em que os Estados Unidos suspenderam ajuda militar a Israel foi no governo do republicano Ronald Reagan, durante a invasão israelense do Líbano, em 1982. A legislação americana proíbe o fornecimento de armas para países que violam a lei internacional, na forma de crimes de guerra e de bloqueio de ajuda humanitária. Israel faz as duas coisas.

Relatório do Departamento de Estado divulgado na sexta-feira considera “razoável avaliar” que armamento enviado pelos EUA “tenha sido usado pelas forças israelenses desde 7 de outubro de forma inconsistente com suas obrigações perante a lei humanitária internacional ou com boas práticas estabelecidas para mitigar dano civil”.

A avaliação não é conclusiva “dada a natureza do conflito em Gaza, com o Hamas buscando se esconder atrás de populações e infraestrutura civis e expô-las à ação militar israelense, assim como a falta de pessoal do governo dos EUA no terreno em Gaza”.

Congressistas da oposição republicana criticaram a decisão de Biden, exigindo que os EUA ajudem Israel a se defender da forma que considerar necessário. A seis meses das eleições, o tema demanda um complexo cálculo político.

De um lado, Biden arrisca perder o voto do eleitorado independente e conservador moderado, que tende a simpatizar com Israel. Esse é o grupo que normalmente decide a eleição. De outro, Biden tem sentido as fraturas em seu próprio eleitorado mais à esquerda, indignado com a morte de dezenas de milhares de civis na Faixa de Gaza.

As críticas parecem ter pesado. Na quinta-feira, a Casa Branca informou que ainda não havia tomado decisão sobre o envio de armas. O comunicado afirma que Biden instruiu sua equipe a “continuar cooperando com Israel para infligir uma duradoura derrota” ao Hamas. E pondera que os EUA ofereceram a Israel várias alternativas de ataques aos combatentes do grupo.

Netanyahu, de sua parte, procurou extrair o máximo benefício político da situação. “Se tivermos de ficar de pé sozinhos, ficaremos”, dramatizou ele em um vídeo gravado. “Se tivermos de lutar com nossas unhas, vamos lutar. Mas temos bem mais que unhas.”

Bombas de alta carga explosiva têm pouca utilidade no teatro de operações de Rafah, onde 1 milhão de palestinos se concentram. Israel tem uma das Forças Armadas mais bem equipadas e treinadas do mundo. O almirante Daniel Hagari, porta-voz das Forças de Defesa de Israel, assegurou que o país tem as “armas necessárias” para as operações planejadas, “incluindo Rafah”.

A suspensão do envio de armas pelos EUA proporcionou a Netanyahu um espaço de apoio interno, ao desencadear uma reação instintiva, de abandono, união e autodefesa, forjada na história de perseguições contra o povo judaico.

Primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu participa de cerimônia em memória do Holocausto.  Foto: Amir Cohen/Associated Press

“A ameaça de Biden é profundamente equivocada”, disse à CNN o ex-primeiro-ministro Naftali Bennet, do Partido Nova Direita, que faz oposição a Netanyahu. “O embargo parcial manda uma mensagem muito ruim para Yahya Sinwar, porque ele vai achar que não precisa fazer acordo com Israel”, continuou, referindo-se ao líder do Hamas na Faixa de Gaza. “Os inimigos vão achar que é um bom momento para atacar porque Israel não tem armas suficientes.”

O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, foi mais longe: “O Hamas ama Biden”, tuitou, usando o emoji do coração. O tuíte foi criticado por Bennet e pelo presidente Isaac Herzog. Ben-Gvir e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, pressionam pelo emprego de força total contra os palestinos e condenam negociações com o Hamas.

Juntos, eles controlam 14 cadeiras no Parlamento. O governo tem maioria de apenas 4. Netanyahu não pode deixar de atender a seus ministros radicais. O momento é de saborear o “abandono” de Biden. A população palestina e os reféns israelenses continuarão sofrendo as consequências.

A pressão de Joe Biden contra a condução da guerra por Binyamin Netanyahu chegou ao clímax com a suspensão do fornecimento de armas para Israel. O impacto não é militar, mas político. Paradoxalmente, pode ser negativo para o presidente americano e positivo para o primeiro-ministro israelense.

Os EUA retiveram um cargueiro com 1.800 bombas de 906 kg e 1.700 de 226 kg destinado a Israel. No dia seguinte, Biden disse à CNN que, se Israel levasse adiante a ofensiva contra Rafah, ele suspenderia o envio de armas que o país emprega em operações como essa: “Civis têm sido mortos em Gaza como consequência dessas bombas e outras formas pelas quais eles atacam concentrações populacionais”.

Os EUA destinam US$ 3,8 bilhões por ano em ajuda militar a Israel. Ao longo de décadas, a média foi de US$ 3 bilhões. Em 2016, no último ano do governo Barack Obama, do qual Biden era vice, o Congresso aprovou proposta da Casa Branca de destinar US$ 38 bilhões a Israel entre 2019 e 2028.

Presidente americano Joe Biden discursa após aprovação do pacote de segurança que inclui Ucrânia, Israel e Taiwan.  Foto: Demetrius Freeman/The Washington Post

Além disso, depois dos ataques do Hamas no dia 7 de outubro, os EUA enviaram o porta-aviões USS Gerald R. Ford, o maior do mundo, com seu grupo de batalha, assim como mísseis Patriot para reposição do sistema de defesa Domo de Ferro e munição de artilharia.

A última vez em que os Estados Unidos suspenderam ajuda militar a Israel foi no governo do republicano Ronald Reagan, durante a invasão israelense do Líbano, em 1982. A legislação americana proíbe o fornecimento de armas para países que violam a lei internacional, na forma de crimes de guerra e de bloqueio de ajuda humanitária. Israel faz as duas coisas.

Relatório do Departamento de Estado divulgado na sexta-feira considera “razoável avaliar” que armamento enviado pelos EUA “tenha sido usado pelas forças israelenses desde 7 de outubro de forma inconsistente com suas obrigações perante a lei humanitária internacional ou com boas práticas estabelecidas para mitigar dano civil”.

A avaliação não é conclusiva “dada a natureza do conflito em Gaza, com o Hamas buscando se esconder atrás de populações e infraestrutura civis e expô-las à ação militar israelense, assim como a falta de pessoal do governo dos EUA no terreno em Gaza”.

Congressistas da oposição republicana criticaram a decisão de Biden, exigindo que os EUA ajudem Israel a se defender da forma que considerar necessário. A seis meses das eleições, o tema demanda um complexo cálculo político.

De um lado, Biden arrisca perder o voto do eleitorado independente e conservador moderado, que tende a simpatizar com Israel. Esse é o grupo que normalmente decide a eleição. De outro, Biden tem sentido as fraturas em seu próprio eleitorado mais à esquerda, indignado com a morte de dezenas de milhares de civis na Faixa de Gaza.

As críticas parecem ter pesado. Na quinta-feira, a Casa Branca informou que ainda não havia tomado decisão sobre o envio de armas. O comunicado afirma que Biden instruiu sua equipe a “continuar cooperando com Israel para infligir uma duradoura derrota” ao Hamas. E pondera que os EUA ofereceram a Israel várias alternativas de ataques aos combatentes do grupo.

Netanyahu, de sua parte, procurou extrair o máximo benefício político da situação. “Se tivermos de ficar de pé sozinhos, ficaremos”, dramatizou ele em um vídeo gravado. “Se tivermos de lutar com nossas unhas, vamos lutar. Mas temos bem mais que unhas.”

Bombas de alta carga explosiva têm pouca utilidade no teatro de operações de Rafah, onde 1 milhão de palestinos se concentram. Israel tem uma das Forças Armadas mais bem equipadas e treinadas do mundo. O almirante Daniel Hagari, porta-voz das Forças de Defesa de Israel, assegurou que o país tem as “armas necessárias” para as operações planejadas, “incluindo Rafah”.

A suspensão do envio de armas pelos EUA proporcionou a Netanyahu um espaço de apoio interno, ao desencadear uma reação instintiva, de abandono, união e autodefesa, forjada na história de perseguições contra o povo judaico.

Primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu participa de cerimônia em memória do Holocausto.  Foto: Amir Cohen/Associated Press

“A ameaça de Biden é profundamente equivocada”, disse à CNN o ex-primeiro-ministro Naftali Bennet, do Partido Nova Direita, que faz oposição a Netanyahu. “O embargo parcial manda uma mensagem muito ruim para Yahya Sinwar, porque ele vai achar que não precisa fazer acordo com Israel”, continuou, referindo-se ao líder do Hamas na Faixa de Gaza. “Os inimigos vão achar que é um bom momento para atacar porque Israel não tem armas suficientes.”

O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, foi mais longe: “O Hamas ama Biden”, tuitou, usando o emoji do coração. O tuíte foi criticado por Bennet e pelo presidente Isaac Herzog. Ben-Gvir e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, pressionam pelo emprego de força total contra os palestinos e condenam negociações com o Hamas.

Juntos, eles controlam 14 cadeiras no Parlamento. O governo tem maioria de apenas 4. Netanyahu não pode deixar de atender a seus ministros radicais. O momento é de saborear o “abandono” de Biden. A população palestina e os reféns israelenses continuarão sofrendo as consequências.

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