É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Isolacionismo americano ameaça segurança da Europa e favorece Putin


Enquanto os EUA estão submersos em um impasse político, nas incertezas da eleição presidencial deste ano, a Europa se mobiliza para finalmente fazer frente à ameaça russa

Por Lourival Sant'Anna
Atualização:

A pior forma de gerir recursos escassos é aplicá-los pela metade em um projeto. É melhor não fazer nada quando não se está disposto a ir até o fim. Essa é a trágica lição da ajuda ocidental à Ucrânia: a relutância em fornecer ao país atacado tudo o que ele precisava para derrotar a Rússia resultou em perdas humanas e materiais incalculáveis.

Enquanto os Estados Unidos estão submersos em um impasse político, nas incertezas da eleição presidencial deste ano e na brutal campanha de Israel contra os palestinos, a Europa se mobiliza para finalmente fazer frente à ameaça russa de forma mais consistente, na intensidade e no tempo requeridos.

A União Europeia superou, na quinta-feira, as resistências da Hungria e aprovou um pacote de ajuda de US$ 54 bilhões à Ucrânia nos próximos quatro anos. O valor se aproxima do que a UE destinou nesses dois anos de guerra: US$ 47 bilhões. Todos sabem que é insuficiente, principalmente se a Ucrânia não puder mais contar com os EUA.

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O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa em um evento de campanha em Wilmington, Delaware neste sábado, 3 Foto: AP / AP

Mas na reunião de cúpula europeia ficou clara a disposição dos países – uns mais, outros menos – de continuarem contribuindo individualmente, para além dessa ajuda em bloco. O mais interessante é essa nova forma de pensar no longo prazo: a aceitação da triste realidade de que não há um fim dessa guerra no horizonte, e de que vencerá quem tiver mais capacidade de aguentar.

Os exércitos ucraniano e russo estão dimensionados segundo a doutrina soviética, de uso intenso de artilharia. Os estoques de munição são um dado crítico. Em meados do ano passado, os ucranianos disparavam 8 mil balas por dia; hoje, esse número caiu para 2 mil, enquanto os russos disparam 6 mil.

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Os europeus haviam prometido entregar 1 milhão de balas à Ucrânia até março. Na cúpula, reconheceram que só atingirão metade desse objetivo, mas prometeram entregar 1,1 milhão até o fim do ano. A Otan segue uma doutrina diferente, baseada na superioridade aérea, naval, de equipamento, de tropa, tática e operacional.

ESTOQUES

Os inventários de Europa e EUA não estavam preparados para uma guerra intensiva em artilharia. Incrementar a capacidade de fabricação de munição, em economias avançadas cujo setor bélico é privado, requer contratos de longo prazo, que incentivem os conselhos de acionistas das empresas a investir na ampliação de seus parques industriais.

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A relutância dos EUA e, até aqui, da Europa, em assumir – não só no discurso – compromissos de longo prazo com a defesa da Ucrânia prejudicou essa capacitação. Em contraste, o complexo industrial-militar russo é estatal ou controlado pela cleptocracia comandada por Vladimir Putin. A Rússia se converteu rapidamente em uma “economia de guerra”, termo aplicado à Alemanha nazista. Neste ano, 40% do orçamento público russo é destinado à guerra.

A maioria republicana na Câmara dos Deputados está bloqueando o pedido do presidente, Joe Biden, de US$ 60 bilhões para a Ucrânia. Mais precisamente, uma minoria trumpista, que capturou o controle da bancada. Nesses dois anos, os EUA destinaram US$ 75 bilhões.

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Donald Trump adotou, durante seu governo, uma atitude de complacência em relação a Putin. A campanha de desinformação contra a candidatura de Hillary Clinton, assim como as investigações do FBI e da CIA, condenações e prisões de assessores de Trump por contatos ilegais com o embaixador da Rússia em Washington, Serguei Kisliak, e outras pessoas ligadas a Putin, reforçaram os interesses em comum.

Esses interesses foram motivados por investimentos da Organização Trump na Rússia e por admiração pessoal do americano pelo homem forte russo, com sua imagem de “virilidade” e “autoridade”.

Após reunião com Putin, em 2018, Trump demonstrou acreditar mais no ditador russo do que na inteligência americana: “Dan Coats (diretor de Inteligência Nacional) e outros vieram até mim e disseram que acham que foi a Rússia”, disse ele, referindo-se à interferência nas eleições, em seu favor. “Estou com Putin, ele disse que não é a Rússia. Não vejo nenhuma razão para ter sido.”

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AMEAÇA

Trump colocou em dúvida o compromisso dos EUA de defender a Europa, razão de existência da Otan. Diante de tudo isso, uma eventual eleição de Trump, atualmente à frente nas pesquisas, deixaria a Europa sozinha na defesa da Ucrânia e na contenção da Rússia.

O presidente francês, Emmanuel Macron, relançou sua proposta apresentada em 2017, primeiro ano do governo Trump, de que a Europa precisa ter um sistema de defesa robusto e independente. Essa é uma condição para dissuadir a Rússia de seu expansionismo. Nesse sentido, mais força militar significa menor risco de uma guerra mais ampla.

A pior forma de gerir recursos escassos é aplicá-los pela metade em um projeto. É melhor não fazer nada quando não se está disposto a ir até o fim. Essa é a trágica lição da ajuda ocidental à Ucrânia: a relutância em fornecer ao país atacado tudo o que ele precisava para derrotar a Rússia resultou em perdas humanas e materiais incalculáveis.

Enquanto os Estados Unidos estão submersos em um impasse político, nas incertezas da eleição presidencial deste ano e na brutal campanha de Israel contra os palestinos, a Europa se mobiliza para finalmente fazer frente à ameaça russa de forma mais consistente, na intensidade e no tempo requeridos.

A União Europeia superou, na quinta-feira, as resistências da Hungria e aprovou um pacote de ajuda de US$ 54 bilhões à Ucrânia nos próximos quatro anos. O valor se aproxima do que a UE destinou nesses dois anos de guerra: US$ 47 bilhões. Todos sabem que é insuficiente, principalmente se a Ucrânia não puder mais contar com os EUA.

O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa em um evento de campanha em Wilmington, Delaware neste sábado, 3 Foto: AP / AP

Mas na reunião de cúpula europeia ficou clara a disposição dos países – uns mais, outros menos – de continuarem contribuindo individualmente, para além dessa ajuda em bloco. O mais interessante é essa nova forma de pensar no longo prazo: a aceitação da triste realidade de que não há um fim dessa guerra no horizonte, e de que vencerá quem tiver mais capacidade de aguentar.

Os exércitos ucraniano e russo estão dimensionados segundo a doutrina soviética, de uso intenso de artilharia. Os estoques de munição são um dado crítico. Em meados do ano passado, os ucranianos disparavam 8 mil balas por dia; hoje, esse número caiu para 2 mil, enquanto os russos disparam 6 mil.

Os europeus haviam prometido entregar 1 milhão de balas à Ucrânia até março. Na cúpula, reconheceram que só atingirão metade desse objetivo, mas prometeram entregar 1,1 milhão até o fim do ano. A Otan segue uma doutrina diferente, baseada na superioridade aérea, naval, de equipamento, de tropa, tática e operacional.

ESTOQUES

Os inventários de Europa e EUA não estavam preparados para uma guerra intensiva em artilharia. Incrementar a capacidade de fabricação de munição, em economias avançadas cujo setor bélico é privado, requer contratos de longo prazo, que incentivem os conselhos de acionistas das empresas a investir na ampliação de seus parques industriais.

A relutância dos EUA e, até aqui, da Europa, em assumir – não só no discurso – compromissos de longo prazo com a defesa da Ucrânia prejudicou essa capacitação. Em contraste, o complexo industrial-militar russo é estatal ou controlado pela cleptocracia comandada por Vladimir Putin. A Rússia se converteu rapidamente em uma “economia de guerra”, termo aplicado à Alemanha nazista. Neste ano, 40% do orçamento público russo é destinado à guerra.

A maioria republicana na Câmara dos Deputados está bloqueando o pedido do presidente, Joe Biden, de US$ 60 bilhões para a Ucrânia. Mais precisamente, uma minoria trumpista, que capturou o controle da bancada. Nesses dois anos, os EUA destinaram US$ 75 bilhões.

Donald Trump adotou, durante seu governo, uma atitude de complacência em relação a Putin. A campanha de desinformação contra a candidatura de Hillary Clinton, assim como as investigações do FBI e da CIA, condenações e prisões de assessores de Trump por contatos ilegais com o embaixador da Rússia em Washington, Serguei Kisliak, e outras pessoas ligadas a Putin, reforçaram os interesses em comum.

Esses interesses foram motivados por investimentos da Organização Trump na Rússia e por admiração pessoal do americano pelo homem forte russo, com sua imagem de “virilidade” e “autoridade”.

Após reunião com Putin, em 2018, Trump demonstrou acreditar mais no ditador russo do que na inteligência americana: “Dan Coats (diretor de Inteligência Nacional) e outros vieram até mim e disseram que acham que foi a Rússia”, disse ele, referindo-se à interferência nas eleições, em seu favor. “Estou com Putin, ele disse que não é a Rússia. Não vejo nenhuma razão para ter sido.”

AMEAÇA

Trump colocou em dúvida o compromisso dos EUA de defender a Europa, razão de existência da Otan. Diante de tudo isso, uma eventual eleição de Trump, atualmente à frente nas pesquisas, deixaria a Europa sozinha na defesa da Ucrânia e na contenção da Rússia.

O presidente francês, Emmanuel Macron, relançou sua proposta apresentada em 2017, primeiro ano do governo Trump, de que a Europa precisa ter um sistema de defesa robusto e independente. Essa é uma condição para dissuadir a Rússia de seu expansionismo. Nesse sentido, mais força militar significa menor risco de uma guerra mais ampla.

A pior forma de gerir recursos escassos é aplicá-los pela metade em um projeto. É melhor não fazer nada quando não se está disposto a ir até o fim. Essa é a trágica lição da ajuda ocidental à Ucrânia: a relutância em fornecer ao país atacado tudo o que ele precisava para derrotar a Rússia resultou em perdas humanas e materiais incalculáveis.

Enquanto os Estados Unidos estão submersos em um impasse político, nas incertezas da eleição presidencial deste ano e na brutal campanha de Israel contra os palestinos, a Europa se mobiliza para finalmente fazer frente à ameaça russa de forma mais consistente, na intensidade e no tempo requeridos.

A União Europeia superou, na quinta-feira, as resistências da Hungria e aprovou um pacote de ajuda de US$ 54 bilhões à Ucrânia nos próximos quatro anos. O valor se aproxima do que a UE destinou nesses dois anos de guerra: US$ 47 bilhões. Todos sabem que é insuficiente, principalmente se a Ucrânia não puder mais contar com os EUA.

O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa em um evento de campanha em Wilmington, Delaware neste sábado, 3 Foto: AP / AP

Mas na reunião de cúpula europeia ficou clara a disposição dos países – uns mais, outros menos – de continuarem contribuindo individualmente, para além dessa ajuda em bloco. O mais interessante é essa nova forma de pensar no longo prazo: a aceitação da triste realidade de que não há um fim dessa guerra no horizonte, e de que vencerá quem tiver mais capacidade de aguentar.

Os exércitos ucraniano e russo estão dimensionados segundo a doutrina soviética, de uso intenso de artilharia. Os estoques de munição são um dado crítico. Em meados do ano passado, os ucranianos disparavam 8 mil balas por dia; hoje, esse número caiu para 2 mil, enquanto os russos disparam 6 mil.

Os europeus haviam prometido entregar 1 milhão de balas à Ucrânia até março. Na cúpula, reconheceram que só atingirão metade desse objetivo, mas prometeram entregar 1,1 milhão até o fim do ano. A Otan segue uma doutrina diferente, baseada na superioridade aérea, naval, de equipamento, de tropa, tática e operacional.

ESTOQUES

Os inventários de Europa e EUA não estavam preparados para uma guerra intensiva em artilharia. Incrementar a capacidade de fabricação de munição, em economias avançadas cujo setor bélico é privado, requer contratos de longo prazo, que incentivem os conselhos de acionistas das empresas a investir na ampliação de seus parques industriais.

A relutância dos EUA e, até aqui, da Europa, em assumir – não só no discurso – compromissos de longo prazo com a defesa da Ucrânia prejudicou essa capacitação. Em contraste, o complexo industrial-militar russo é estatal ou controlado pela cleptocracia comandada por Vladimir Putin. A Rússia se converteu rapidamente em uma “economia de guerra”, termo aplicado à Alemanha nazista. Neste ano, 40% do orçamento público russo é destinado à guerra.

A maioria republicana na Câmara dos Deputados está bloqueando o pedido do presidente, Joe Biden, de US$ 60 bilhões para a Ucrânia. Mais precisamente, uma minoria trumpista, que capturou o controle da bancada. Nesses dois anos, os EUA destinaram US$ 75 bilhões.

Donald Trump adotou, durante seu governo, uma atitude de complacência em relação a Putin. A campanha de desinformação contra a candidatura de Hillary Clinton, assim como as investigações do FBI e da CIA, condenações e prisões de assessores de Trump por contatos ilegais com o embaixador da Rússia em Washington, Serguei Kisliak, e outras pessoas ligadas a Putin, reforçaram os interesses em comum.

Esses interesses foram motivados por investimentos da Organização Trump na Rússia e por admiração pessoal do americano pelo homem forte russo, com sua imagem de “virilidade” e “autoridade”.

Após reunião com Putin, em 2018, Trump demonstrou acreditar mais no ditador russo do que na inteligência americana: “Dan Coats (diretor de Inteligência Nacional) e outros vieram até mim e disseram que acham que foi a Rússia”, disse ele, referindo-se à interferência nas eleições, em seu favor. “Estou com Putin, ele disse que não é a Rússia. Não vejo nenhuma razão para ter sido.”

AMEAÇA

Trump colocou em dúvida o compromisso dos EUA de defender a Europa, razão de existência da Otan. Diante de tudo isso, uma eventual eleição de Trump, atualmente à frente nas pesquisas, deixaria a Europa sozinha na defesa da Ucrânia e na contenção da Rússia.

O presidente francês, Emmanuel Macron, relançou sua proposta apresentada em 2017, primeiro ano do governo Trump, de que a Europa precisa ter um sistema de defesa robusto e independente. Essa é uma condição para dissuadir a Rússia de seu expansionismo. Nesse sentido, mais força militar significa menor risco de uma guerra mais ampla.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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