É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Israel está disposto a pagar o preço de destruir o Hamas? Leia a coluna de Lourival Sant’Anna


A última invasão por terra da Faixa de Gaza durou sete semanas e matou 2.200 palestinos e 66 soldados israelenses. Aniquilar o Hamas, como promete Israel, custará muito mais que isso

Por Lourival Sant'Anna

Israel está prestes a iniciar uma longa e sangrenta invasão da Faixa de Gaza. E a criar novos fatos consumados nesse conflito de 75 anos. O cenário leva a duas perguntas. A sociedade israelense está disposta a pagar o preço? O que ocupará o lugar do Hamas?

Os israelenses têm chamado o ataque do Hamas de “o 11 de setembro de Israel”. A analogia é desconcertante. Os americanos fracassaram miseravelmente no Afeganistão. Duas décadas depois da invasão, que custou a vida de 2.402 soldados americanos e US$ 2,3 trilhões, o Taleban voltou ao poder com mais domínio do território e assertividade moral do que antes.

Soldados israelenses se preparam para incursão por terra em Gaza Foto: Ohad Zwigenberg/AP
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Eu cobri a última invasão por terra da Faixa de Gaza, em 2014. Ela durou sete semanas e matou 2.200 palestinos e 66 soldados israelenses. Aniquilar o Hamas, como promete Israel, custará muito mais que isso.

Israel ocupou e colonizou a Faixa de Gaza entre 1967 e 2005, quando o então primeiro-ministro Ariel Sharon a entregou à Autoridade Nacional Palestina (ANP). A decisão gerou grandes tensões internas. Os colonos judeus retirados do território foram acomodados em hotéis de Jerusalém enquanto eram realocados em Israel e na Cisjordânia.

Entrevistei um deles em 2006, depois que Sharon sofrera um derrame cerebral do qual não se recuperaria. Era um judeu ortodoxo americano. Ele me disse que o derrame tinha sido um castigo divino, com a seguinte lição: ninguém mexe no mapa que Deus desenhou.

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O desejo declarado de Sharon era que a Faixa de Gaza sob administração palestina se transformasse na Hong Kong do Mediterrâneo. Em 2006, a ANP realizou eleições. O Hamas venceu, elegendo 74 das 132 cadeiras do Parlamento.

Os Estados Unidos e a União Europeia ameaçaram cortar a ajuda financeira se o Hamas assumisse o governo. O Fatah, grupo rival moderado do Hamas, continuou governando a Faixa de Gaza e a parte da Cisjordânia sob administração palestina, chamada de áreas A e B, que cobrem 40% do território.

No ano seguinte, o Hamas expulsou à força o Fatah e assumiu o poder na Faixa de Gaza. Ao entrar no território, fui saudado com um sorriso por um guarda de fronteira do novo governo, enquanto minha mala era revistada em busca de bebidas alcóolicas, a partir de então proibidas no território: “Bem-vindo ao Hamastão”.

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Um funcionário me levou para conhecer as prisões onde o Fatah castigava integrantes do Hamas. Entrei e ele fechou a porta. Não havia entrada de ar nem de luz. A sensação era de ter sido enterrado vivo. O Hamas passou a dispensar esse tratamento — ou pior — a quem o contrariasse.

Os moradores da Faixa de Gaza vivem sob uma tripla pressão: do Hamas e dos consequentes bloqueios de Israel e Egito. Os militares egípcios reassumiram o poder depois de um golpe contra o governo democraticamente eleito da Irmandade Muçulmana em 2012, e voltaram a reprimi-la. O Hamas foi criado em 1987 por inspiração e com ajuda da Irmandade.

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A vitória do Hamas nas eleições de 2006 foi mais um dos recorrentes erros de cálculo dos árabes, que incluem a rejeição da Partilha em 1948 e as guerras de 1967 e 1973. Todos resultaram na expansão territorial de Israel. A vitória do Hamas foi motivada pela identificação religiosa, pela corrupção e acomodação do Fatah e pela desilusão quanto à perspectiva de criação de um Estado palestino.

A última chance de solução negociada foi desperdiçada em 2000. O líder palestino Yasser Arafat e o primeiro-ministro Ehud Barak à época chegaram muito perto de acordo territorial. Mas não sobre o pedido palestino de fim das escavações arqueológicas nas fundações do Templo de Herodes, destruído pelos romanos no ano 70, que podem levar a mesquita Al-Aqsa a desmoronar.

O então líder da oposição Ariel Sharon aproveitou o impasse para passear pelo complexo da mesquita, desencadeando a segunda intifada (levante palestino) e a convocação de eleições, que ele venceu. Desde então Israel tem ampliado a colonização judaica da Cisjordânia, tornando inviável um Estado palestino.

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A desilusão levou a um niilismo crônico, cuja expressão mais violenta e autodestrutiva é o terrorismo. A interpretação do Islã pelo Hamas torna o jihadismo a única saída atraente: o “martírio”, a morte na luta contra o inimigo, como ponte para o “paraíso”.

O presidente da ANP e líder do Fatah, Mahmud Abbas, levou oito dias para condenar as atrocidades do Hamas, só depois de uma conversa com o secretário de Estado americano, Antony Blinken. A explosão no Hospital Batista Al-Ahli, aparentemente causada por um foguete avariado da Jihad Islâmica, mas atribuída pelos árabes a um míssil israelense, levou Abbas, o rei Abdullah II da Jordânia e o ditador egípcio Abdel-Fattah al-Sissy a cancelar cúpula com o presidente Joe Biden. Mais uma vitória da violência e da desinformação.

Segundo o ministro da Defesa, Yoav Gallant, depois de neutralizar o Hamas, Israel pretende se isolar hermeticamente da Faixa de Gaza, bloqueando toda a passagem de trabalhadores palestinos e de qualquer tipo de suprimento. Significa limitar o cordão umbilical ao Egito, antigo administrador do território. E fechar mais uma porta para um Estado palestino, que pressupunha uma ligação por terra entre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, como a que havia entre Berlim e a Alemanha Ocidental.

Israel está prestes a iniciar uma longa e sangrenta invasão da Faixa de Gaza. E a criar novos fatos consumados nesse conflito de 75 anos. O cenário leva a duas perguntas. A sociedade israelense está disposta a pagar o preço? O que ocupará o lugar do Hamas?

Os israelenses têm chamado o ataque do Hamas de “o 11 de setembro de Israel”. A analogia é desconcertante. Os americanos fracassaram miseravelmente no Afeganistão. Duas décadas depois da invasão, que custou a vida de 2.402 soldados americanos e US$ 2,3 trilhões, o Taleban voltou ao poder com mais domínio do território e assertividade moral do que antes.

Soldados israelenses se preparam para incursão por terra em Gaza Foto: Ohad Zwigenberg/AP

Eu cobri a última invasão por terra da Faixa de Gaza, em 2014. Ela durou sete semanas e matou 2.200 palestinos e 66 soldados israelenses. Aniquilar o Hamas, como promete Israel, custará muito mais que isso.

Israel ocupou e colonizou a Faixa de Gaza entre 1967 e 2005, quando o então primeiro-ministro Ariel Sharon a entregou à Autoridade Nacional Palestina (ANP). A decisão gerou grandes tensões internas. Os colonos judeus retirados do território foram acomodados em hotéis de Jerusalém enquanto eram realocados em Israel e na Cisjordânia.

Entrevistei um deles em 2006, depois que Sharon sofrera um derrame cerebral do qual não se recuperaria. Era um judeu ortodoxo americano. Ele me disse que o derrame tinha sido um castigo divino, com a seguinte lição: ninguém mexe no mapa que Deus desenhou.

O desejo declarado de Sharon era que a Faixa de Gaza sob administração palestina se transformasse na Hong Kong do Mediterrâneo. Em 2006, a ANP realizou eleições. O Hamas venceu, elegendo 74 das 132 cadeiras do Parlamento.

Os Estados Unidos e a União Europeia ameaçaram cortar a ajuda financeira se o Hamas assumisse o governo. O Fatah, grupo rival moderado do Hamas, continuou governando a Faixa de Gaza e a parte da Cisjordânia sob administração palestina, chamada de áreas A e B, que cobrem 40% do território.

No ano seguinte, o Hamas expulsou à força o Fatah e assumiu o poder na Faixa de Gaza. Ao entrar no território, fui saudado com um sorriso por um guarda de fronteira do novo governo, enquanto minha mala era revistada em busca de bebidas alcóolicas, a partir de então proibidas no território: “Bem-vindo ao Hamastão”.

Um funcionário me levou para conhecer as prisões onde o Fatah castigava integrantes do Hamas. Entrei e ele fechou a porta. Não havia entrada de ar nem de luz. A sensação era de ter sido enterrado vivo. O Hamas passou a dispensar esse tratamento — ou pior — a quem o contrariasse.

Os moradores da Faixa de Gaza vivem sob uma tripla pressão: do Hamas e dos consequentes bloqueios de Israel e Egito. Os militares egípcios reassumiram o poder depois de um golpe contra o governo democraticamente eleito da Irmandade Muçulmana em 2012, e voltaram a reprimi-la. O Hamas foi criado em 1987 por inspiração e com ajuda da Irmandade.

A vitória do Hamas nas eleições de 2006 foi mais um dos recorrentes erros de cálculo dos árabes, que incluem a rejeição da Partilha em 1948 e as guerras de 1967 e 1973. Todos resultaram na expansão territorial de Israel. A vitória do Hamas foi motivada pela identificação religiosa, pela corrupção e acomodação do Fatah e pela desilusão quanto à perspectiva de criação de um Estado palestino.

A última chance de solução negociada foi desperdiçada em 2000. O líder palestino Yasser Arafat e o primeiro-ministro Ehud Barak à época chegaram muito perto de acordo territorial. Mas não sobre o pedido palestino de fim das escavações arqueológicas nas fundações do Templo de Herodes, destruído pelos romanos no ano 70, que podem levar a mesquita Al-Aqsa a desmoronar.

O então líder da oposição Ariel Sharon aproveitou o impasse para passear pelo complexo da mesquita, desencadeando a segunda intifada (levante palestino) e a convocação de eleições, que ele venceu. Desde então Israel tem ampliado a colonização judaica da Cisjordânia, tornando inviável um Estado palestino.

A desilusão levou a um niilismo crônico, cuja expressão mais violenta e autodestrutiva é o terrorismo. A interpretação do Islã pelo Hamas torna o jihadismo a única saída atraente: o “martírio”, a morte na luta contra o inimigo, como ponte para o “paraíso”.

O presidente da ANP e líder do Fatah, Mahmud Abbas, levou oito dias para condenar as atrocidades do Hamas, só depois de uma conversa com o secretário de Estado americano, Antony Blinken. A explosão no Hospital Batista Al-Ahli, aparentemente causada por um foguete avariado da Jihad Islâmica, mas atribuída pelos árabes a um míssil israelense, levou Abbas, o rei Abdullah II da Jordânia e o ditador egípcio Abdel-Fattah al-Sissy a cancelar cúpula com o presidente Joe Biden. Mais uma vitória da violência e da desinformação.

Segundo o ministro da Defesa, Yoav Gallant, depois de neutralizar o Hamas, Israel pretende se isolar hermeticamente da Faixa de Gaza, bloqueando toda a passagem de trabalhadores palestinos e de qualquer tipo de suprimento. Significa limitar o cordão umbilical ao Egito, antigo administrador do território. E fechar mais uma porta para um Estado palestino, que pressupunha uma ligação por terra entre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, como a que havia entre Berlim e a Alemanha Ocidental.

Israel está prestes a iniciar uma longa e sangrenta invasão da Faixa de Gaza. E a criar novos fatos consumados nesse conflito de 75 anos. O cenário leva a duas perguntas. A sociedade israelense está disposta a pagar o preço? O que ocupará o lugar do Hamas?

Os israelenses têm chamado o ataque do Hamas de “o 11 de setembro de Israel”. A analogia é desconcertante. Os americanos fracassaram miseravelmente no Afeganistão. Duas décadas depois da invasão, que custou a vida de 2.402 soldados americanos e US$ 2,3 trilhões, o Taleban voltou ao poder com mais domínio do território e assertividade moral do que antes.

Soldados israelenses se preparam para incursão por terra em Gaza Foto: Ohad Zwigenberg/AP

Eu cobri a última invasão por terra da Faixa de Gaza, em 2014. Ela durou sete semanas e matou 2.200 palestinos e 66 soldados israelenses. Aniquilar o Hamas, como promete Israel, custará muito mais que isso.

Israel ocupou e colonizou a Faixa de Gaza entre 1967 e 2005, quando o então primeiro-ministro Ariel Sharon a entregou à Autoridade Nacional Palestina (ANP). A decisão gerou grandes tensões internas. Os colonos judeus retirados do território foram acomodados em hotéis de Jerusalém enquanto eram realocados em Israel e na Cisjordânia.

Entrevistei um deles em 2006, depois que Sharon sofrera um derrame cerebral do qual não se recuperaria. Era um judeu ortodoxo americano. Ele me disse que o derrame tinha sido um castigo divino, com a seguinte lição: ninguém mexe no mapa que Deus desenhou.

O desejo declarado de Sharon era que a Faixa de Gaza sob administração palestina se transformasse na Hong Kong do Mediterrâneo. Em 2006, a ANP realizou eleições. O Hamas venceu, elegendo 74 das 132 cadeiras do Parlamento.

Os Estados Unidos e a União Europeia ameaçaram cortar a ajuda financeira se o Hamas assumisse o governo. O Fatah, grupo rival moderado do Hamas, continuou governando a Faixa de Gaza e a parte da Cisjordânia sob administração palestina, chamada de áreas A e B, que cobrem 40% do território.

No ano seguinte, o Hamas expulsou à força o Fatah e assumiu o poder na Faixa de Gaza. Ao entrar no território, fui saudado com um sorriso por um guarda de fronteira do novo governo, enquanto minha mala era revistada em busca de bebidas alcóolicas, a partir de então proibidas no território: “Bem-vindo ao Hamastão”.

Um funcionário me levou para conhecer as prisões onde o Fatah castigava integrantes do Hamas. Entrei e ele fechou a porta. Não havia entrada de ar nem de luz. A sensação era de ter sido enterrado vivo. O Hamas passou a dispensar esse tratamento — ou pior — a quem o contrariasse.

Os moradores da Faixa de Gaza vivem sob uma tripla pressão: do Hamas e dos consequentes bloqueios de Israel e Egito. Os militares egípcios reassumiram o poder depois de um golpe contra o governo democraticamente eleito da Irmandade Muçulmana em 2012, e voltaram a reprimi-la. O Hamas foi criado em 1987 por inspiração e com ajuda da Irmandade.

A vitória do Hamas nas eleições de 2006 foi mais um dos recorrentes erros de cálculo dos árabes, que incluem a rejeição da Partilha em 1948 e as guerras de 1967 e 1973. Todos resultaram na expansão territorial de Israel. A vitória do Hamas foi motivada pela identificação religiosa, pela corrupção e acomodação do Fatah e pela desilusão quanto à perspectiva de criação de um Estado palestino.

A última chance de solução negociada foi desperdiçada em 2000. O líder palestino Yasser Arafat e o primeiro-ministro Ehud Barak à época chegaram muito perto de acordo territorial. Mas não sobre o pedido palestino de fim das escavações arqueológicas nas fundações do Templo de Herodes, destruído pelos romanos no ano 70, que podem levar a mesquita Al-Aqsa a desmoronar.

O então líder da oposição Ariel Sharon aproveitou o impasse para passear pelo complexo da mesquita, desencadeando a segunda intifada (levante palestino) e a convocação de eleições, que ele venceu. Desde então Israel tem ampliado a colonização judaica da Cisjordânia, tornando inviável um Estado palestino.

A desilusão levou a um niilismo crônico, cuja expressão mais violenta e autodestrutiva é o terrorismo. A interpretação do Islã pelo Hamas torna o jihadismo a única saída atraente: o “martírio”, a morte na luta contra o inimigo, como ponte para o “paraíso”.

O presidente da ANP e líder do Fatah, Mahmud Abbas, levou oito dias para condenar as atrocidades do Hamas, só depois de uma conversa com o secretário de Estado americano, Antony Blinken. A explosão no Hospital Batista Al-Ahli, aparentemente causada por um foguete avariado da Jihad Islâmica, mas atribuída pelos árabes a um míssil israelense, levou Abbas, o rei Abdullah II da Jordânia e o ditador egípcio Abdel-Fattah al-Sissy a cancelar cúpula com o presidente Joe Biden. Mais uma vitória da violência e da desinformação.

Segundo o ministro da Defesa, Yoav Gallant, depois de neutralizar o Hamas, Israel pretende se isolar hermeticamente da Faixa de Gaza, bloqueando toda a passagem de trabalhadores palestinos e de qualquer tipo de suprimento. Significa limitar o cordão umbilical ao Egito, antigo administrador do território. E fechar mais uma porta para um Estado palestino, que pressupunha uma ligação por terra entre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, como a que havia entre Berlim e a Alemanha Ocidental.

Israel está prestes a iniciar uma longa e sangrenta invasão da Faixa de Gaza. E a criar novos fatos consumados nesse conflito de 75 anos. O cenário leva a duas perguntas. A sociedade israelense está disposta a pagar o preço? O que ocupará o lugar do Hamas?

Os israelenses têm chamado o ataque do Hamas de “o 11 de setembro de Israel”. A analogia é desconcertante. Os americanos fracassaram miseravelmente no Afeganistão. Duas décadas depois da invasão, que custou a vida de 2.402 soldados americanos e US$ 2,3 trilhões, o Taleban voltou ao poder com mais domínio do território e assertividade moral do que antes.

Soldados israelenses se preparam para incursão por terra em Gaza Foto: Ohad Zwigenberg/AP

Eu cobri a última invasão por terra da Faixa de Gaza, em 2014. Ela durou sete semanas e matou 2.200 palestinos e 66 soldados israelenses. Aniquilar o Hamas, como promete Israel, custará muito mais que isso.

Israel ocupou e colonizou a Faixa de Gaza entre 1967 e 2005, quando o então primeiro-ministro Ariel Sharon a entregou à Autoridade Nacional Palestina (ANP). A decisão gerou grandes tensões internas. Os colonos judeus retirados do território foram acomodados em hotéis de Jerusalém enquanto eram realocados em Israel e na Cisjordânia.

Entrevistei um deles em 2006, depois que Sharon sofrera um derrame cerebral do qual não se recuperaria. Era um judeu ortodoxo americano. Ele me disse que o derrame tinha sido um castigo divino, com a seguinte lição: ninguém mexe no mapa que Deus desenhou.

O desejo declarado de Sharon era que a Faixa de Gaza sob administração palestina se transformasse na Hong Kong do Mediterrâneo. Em 2006, a ANP realizou eleições. O Hamas venceu, elegendo 74 das 132 cadeiras do Parlamento.

Os Estados Unidos e a União Europeia ameaçaram cortar a ajuda financeira se o Hamas assumisse o governo. O Fatah, grupo rival moderado do Hamas, continuou governando a Faixa de Gaza e a parte da Cisjordânia sob administração palestina, chamada de áreas A e B, que cobrem 40% do território.

No ano seguinte, o Hamas expulsou à força o Fatah e assumiu o poder na Faixa de Gaza. Ao entrar no território, fui saudado com um sorriso por um guarda de fronteira do novo governo, enquanto minha mala era revistada em busca de bebidas alcóolicas, a partir de então proibidas no território: “Bem-vindo ao Hamastão”.

Um funcionário me levou para conhecer as prisões onde o Fatah castigava integrantes do Hamas. Entrei e ele fechou a porta. Não havia entrada de ar nem de luz. A sensação era de ter sido enterrado vivo. O Hamas passou a dispensar esse tratamento — ou pior — a quem o contrariasse.

Os moradores da Faixa de Gaza vivem sob uma tripla pressão: do Hamas e dos consequentes bloqueios de Israel e Egito. Os militares egípcios reassumiram o poder depois de um golpe contra o governo democraticamente eleito da Irmandade Muçulmana em 2012, e voltaram a reprimi-la. O Hamas foi criado em 1987 por inspiração e com ajuda da Irmandade.

A vitória do Hamas nas eleições de 2006 foi mais um dos recorrentes erros de cálculo dos árabes, que incluem a rejeição da Partilha em 1948 e as guerras de 1967 e 1973. Todos resultaram na expansão territorial de Israel. A vitória do Hamas foi motivada pela identificação religiosa, pela corrupção e acomodação do Fatah e pela desilusão quanto à perspectiva de criação de um Estado palestino.

A última chance de solução negociada foi desperdiçada em 2000. O líder palestino Yasser Arafat e o primeiro-ministro Ehud Barak à época chegaram muito perto de acordo territorial. Mas não sobre o pedido palestino de fim das escavações arqueológicas nas fundações do Templo de Herodes, destruído pelos romanos no ano 70, que podem levar a mesquita Al-Aqsa a desmoronar.

O então líder da oposição Ariel Sharon aproveitou o impasse para passear pelo complexo da mesquita, desencadeando a segunda intifada (levante palestino) e a convocação de eleições, que ele venceu. Desde então Israel tem ampliado a colonização judaica da Cisjordânia, tornando inviável um Estado palestino.

A desilusão levou a um niilismo crônico, cuja expressão mais violenta e autodestrutiva é o terrorismo. A interpretação do Islã pelo Hamas torna o jihadismo a única saída atraente: o “martírio”, a morte na luta contra o inimigo, como ponte para o “paraíso”.

O presidente da ANP e líder do Fatah, Mahmud Abbas, levou oito dias para condenar as atrocidades do Hamas, só depois de uma conversa com o secretário de Estado americano, Antony Blinken. A explosão no Hospital Batista Al-Ahli, aparentemente causada por um foguete avariado da Jihad Islâmica, mas atribuída pelos árabes a um míssil israelense, levou Abbas, o rei Abdullah II da Jordânia e o ditador egípcio Abdel-Fattah al-Sissy a cancelar cúpula com o presidente Joe Biden. Mais uma vitória da violência e da desinformação.

Segundo o ministro da Defesa, Yoav Gallant, depois de neutralizar o Hamas, Israel pretende se isolar hermeticamente da Faixa de Gaza, bloqueando toda a passagem de trabalhadores palestinos e de qualquer tipo de suprimento. Significa limitar o cordão umbilical ao Egito, antigo administrador do território. E fechar mais uma porta para um Estado palestino, que pressupunha uma ligação por terra entre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, como a que havia entre Berlim e a Alemanha Ocidental.

Israel está prestes a iniciar uma longa e sangrenta invasão da Faixa de Gaza. E a criar novos fatos consumados nesse conflito de 75 anos. O cenário leva a duas perguntas. A sociedade israelense está disposta a pagar o preço? O que ocupará o lugar do Hamas?

Os israelenses têm chamado o ataque do Hamas de “o 11 de setembro de Israel”. A analogia é desconcertante. Os americanos fracassaram miseravelmente no Afeganistão. Duas décadas depois da invasão, que custou a vida de 2.402 soldados americanos e US$ 2,3 trilhões, o Taleban voltou ao poder com mais domínio do território e assertividade moral do que antes.

Soldados israelenses se preparam para incursão por terra em Gaza Foto: Ohad Zwigenberg/AP

Eu cobri a última invasão por terra da Faixa de Gaza, em 2014. Ela durou sete semanas e matou 2.200 palestinos e 66 soldados israelenses. Aniquilar o Hamas, como promete Israel, custará muito mais que isso.

Israel ocupou e colonizou a Faixa de Gaza entre 1967 e 2005, quando o então primeiro-ministro Ariel Sharon a entregou à Autoridade Nacional Palestina (ANP). A decisão gerou grandes tensões internas. Os colonos judeus retirados do território foram acomodados em hotéis de Jerusalém enquanto eram realocados em Israel e na Cisjordânia.

Entrevistei um deles em 2006, depois que Sharon sofrera um derrame cerebral do qual não se recuperaria. Era um judeu ortodoxo americano. Ele me disse que o derrame tinha sido um castigo divino, com a seguinte lição: ninguém mexe no mapa que Deus desenhou.

O desejo declarado de Sharon era que a Faixa de Gaza sob administração palestina se transformasse na Hong Kong do Mediterrâneo. Em 2006, a ANP realizou eleições. O Hamas venceu, elegendo 74 das 132 cadeiras do Parlamento.

Os Estados Unidos e a União Europeia ameaçaram cortar a ajuda financeira se o Hamas assumisse o governo. O Fatah, grupo rival moderado do Hamas, continuou governando a Faixa de Gaza e a parte da Cisjordânia sob administração palestina, chamada de áreas A e B, que cobrem 40% do território.

No ano seguinte, o Hamas expulsou à força o Fatah e assumiu o poder na Faixa de Gaza. Ao entrar no território, fui saudado com um sorriso por um guarda de fronteira do novo governo, enquanto minha mala era revistada em busca de bebidas alcóolicas, a partir de então proibidas no território: “Bem-vindo ao Hamastão”.

Um funcionário me levou para conhecer as prisões onde o Fatah castigava integrantes do Hamas. Entrei e ele fechou a porta. Não havia entrada de ar nem de luz. A sensação era de ter sido enterrado vivo. O Hamas passou a dispensar esse tratamento — ou pior — a quem o contrariasse.

Os moradores da Faixa de Gaza vivem sob uma tripla pressão: do Hamas e dos consequentes bloqueios de Israel e Egito. Os militares egípcios reassumiram o poder depois de um golpe contra o governo democraticamente eleito da Irmandade Muçulmana em 2012, e voltaram a reprimi-la. O Hamas foi criado em 1987 por inspiração e com ajuda da Irmandade.

A vitória do Hamas nas eleições de 2006 foi mais um dos recorrentes erros de cálculo dos árabes, que incluem a rejeição da Partilha em 1948 e as guerras de 1967 e 1973. Todos resultaram na expansão territorial de Israel. A vitória do Hamas foi motivada pela identificação religiosa, pela corrupção e acomodação do Fatah e pela desilusão quanto à perspectiva de criação de um Estado palestino.

A última chance de solução negociada foi desperdiçada em 2000. O líder palestino Yasser Arafat e o primeiro-ministro Ehud Barak à época chegaram muito perto de acordo territorial. Mas não sobre o pedido palestino de fim das escavações arqueológicas nas fundações do Templo de Herodes, destruído pelos romanos no ano 70, que podem levar a mesquita Al-Aqsa a desmoronar.

O então líder da oposição Ariel Sharon aproveitou o impasse para passear pelo complexo da mesquita, desencadeando a segunda intifada (levante palestino) e a convocação de eleições, que ele venceu. Desde então Israel tem ampliado a colonização judaica da Cisjordânia, tornando inviável um Estado palestino.

A desilusão levou a um niilismo crônico, cuja expressão mais violenta e autodestrutiva é o terrorismo. A interpretação do Islã pelo Hamas torna o jihadismo a única saída atraente: o “martírio”, a morte na luta contra o inimigo, como ponte para o “paraíso”.

O presidente da ANP e líder do Fatah, Mahmud Abbas, levou oito dias para condenar as atrocidades do Hamas, só depois de uma conversa com o secretário de Estado americano, Antony Blinken. A explosão no Hospital Batista Al-Ahli, aparentemente causada por um foguete avariado da Jihad Islâmica, mas atribuída pelos árabes a um míssil israelense, levou Abbas, o rei Abdullah II da Jordânia e o ditador egípcio Abdel-Fattah al-Sissy a cancelar cúpula com o presidente Joe Biden. Mais uma vitória da violência e da desinformação.

Segundo o ministro da Defesa, Yoav Gallant, depois de neutralizar o Hamas, Israel pretende se isolar hermeticamente da Faixa de Gaza, bloqueando toda a passagem de trabalhadores palestinos e de qualquer tipo de suprimento. Significa limitar o cordão umbilical ao Egito, antigo administrador do território. E fechar mais uma porta para um Estado palestino, que pressupunha uma ligação por terra entre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, como a que havia entre Berlim e a Alemanha Ocidental.

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