É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Johnson deixa lição para os que flertam com líderes populistas; leia coluna de Lourival Sant’Anna


Para europeus, o custo do Brexit deve servir de exemplo para todos os membros do bloco

Por Lourival Sant'Anna

Num tempo em que a frivolidade, a mentira e a irresponsabilidade são encaradas como normais em um líder político, a saga vivida pelo Reino Unido sob Boris Johnson é um lembrete do estrago que um governante inconsequente pode fazer a um país. A saída da União Europeia, da qual Johnson foi o principal artífice, mergulhou o Reino Unido numa crise econômica, diplomática e política sem precedentes em sua história moderna.

A retirada abrupta do Mercado Comum Europeu desorganizou a inserção comercial do Reino Unido no mundo. A promessa de Johnson, de que os britânicos se beneficiariam da liberdade de firmar acordos bilaterais com outros blocos e países, não se materializou.

Os ganhos desses acordos estão muito aquém das perdas com os obstáculos erguidos para o comércio com o continente europeu. Mesmo nos setores favorecidos por acordos de tarifa zero, a burocracia introduzida travou o fluxo de comércio. O Reino Unido passou a registrar déficit comercial.

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Trabalhadores da Saúde pedem renúncia de Johnson em protesto na Downing Street, em Londres, em 27 de maio  Foto: Alberto Pezzali/Ap Photo

A privação de mão de obra e de produtos europeus potencializou o movimento inflacionário desencadeado pela ruptura de cadeias produtivas causada pela pandemia e a escassez de alimentos e energia resultante da guerra na Ucrânia. Por essas razões, o Reino Unido sofre ao mesmo tempo com a inflação mais alta e a maior desaceleração econômica do G-7: a temida estagflação.

Os britânicos que votaram a favor do Brexit no plebiscito de 2016 foram enganados. Johnson, que acabava de sair do cargo de prefeito de Londres, no qual angariou grande popularidade, mentiu sobre o custo de pertencer à UE e sobre os benefícios de sair dela. A manipulação dos dados lhe rendeu um processo na Corte Suprema, mas também o cargo de ministro das Relações Exteriores e, finalmente, de primeiro-ministro.

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Johnson enganou até a rainha Elizabeth, ao convencê-la a suspender o Parlamento, para que ele pudesse passar por cima das resistências dos deputados e impor sua proposta de Brexit. A Corte Suprema teve de intervir e anular a decisão, num constrangimento inédito para a rainha.

Os atropelos de Johnson às instituições seriam graves em qualquer democracia, mas são mais destrutivos num país em que muitas regras não são escritas, e sim fincadas nos costumes. O sistema britânico é um grande acordo de cavalheiros e damas. Quem não age como tal tira proveito do sistema até ser expelido por ele.

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Como resultado do desvario do Brexit, os britânicos terão agora o seu quarto chefe de governo desde 2016, num país antes caracterizado pela estabilidade. Enquanto o erro da decisão está evidente para a maioria dos observadores de fora, questionar o Brexit é quase um tabu no Reino Unido. Até mesmo o líder da oposição trabalhista, Keir Starmer, evita fazer isso. A razão parece simples: é um processo sem volta, um fato consumado. Os europeus fizeram questão de que fosse assim, para que o bloco não se tornasse uma porta giratória e o custo do Brexit servisse de exemplo para todos os membros. Essa é uma lição para todos os que flertam com líderes populistas: eles podem ser frívolos e inconstantes, mas os danos que causam são sérios e permanentes.

Num tempo em que a frivolidade, a mentira e a irresponsabilidade são encaradas como normais em um líder político, a saga vivida pelo Reino Unido sob Boris Johnson é um lembrete do estrago que um governante inconsequente pode fazer a um país. A saída da União Europeia, da qual Johnson foi o principal artífice, mergulhou o Reino Unido numa crise econômica, diplomática e política sem precedentes em sua história moderna.

A retirada abrupta do Mercado Comum Europeu desorganizou a inserção comercial do Reino Unido no mundo. A promessa de Johnson, de que os britânicos se beneficiariam da liberdade de firmar acordos bilaterais com outros blocos e países, não se materializou.

Os ganhos desses acordos estão muito aquém das perdas com os obstáculos erguidos para o comércio com o continente europeu. Mesmo nos setores favorecidos por acordos de tarifa zero, a burocracia introduzida travou o fluxo de comércio. O Reino Unido passou a registrar déficit comercial.

Trabalhadores da Saúde pedem renúncia de Johnson em protesto na Downing Street, em Londres, em 27 de maio  Foto: Alberto Pezzali/Ap Photo

A privação de mão de obra e de produtos europeus potencializou o movimento inflacionário desencadeado pela ruptura de cadeias produtivas causada pela pandemia e a escassez de alimentos e energia resultante da guerra na Ucrânia. Por essas razões, o Reino Unido sofre ao mesmo tempo com a inflação mais alta e a maior desaceleração econômica do G-7: a temida estagflação.

Os britânicos que votaram a favor do Brexit no plebiscito de 2016 foram enganados. Johnson, que acabava de sair do cargo de prefeito de Londres, no qual angariou grande popularidade, mentiu sobre o custo de pertencer à UE e sobre os benefícios de sair dela. A manipulação dos dados lhe rendeu um processo na Corte Suprema, mas também o cargo de ministro das Relações Exteriores e, finalmente, de primeiro-ministro.

Johnson enganou até a rainha Elizabeth, ao convencê-la a suspender o Parlamento, para que ele pudesse passar por cima das resistências dos deputados e impor sua proposta de Brexit. A Corte Suprema teve de intervir e anular a decisão, num constrangimento inédito para a rainha.

Os atropelos de Johnson às instituições seriam graves em qualquer democracia, mas são mais destrutivos num país em que muitas regras não são escritas, e sim fincadas nos costumes. O sistema britânico é um grande acordo de cavalheiros e damas. Quem não age como tal tira proveito do sistema até ser expelido por ele.

Como resultado do desvario do Brexit, os britânicos terão agora o seu quarto chefe de governo desde 2016, num país antes caracterizado pela estabilidade. Enquanto o erro da decisão está evidente para a maioria dos observadores de fora, questionar o Brexit é quase um tabu no Reino Unido. Até mesmo o líder da oposição trabalhista, Keir Starmer, evita fazer isso. A razão parece simples: é um processo sem volta, um fato consumado. Os europeus fizeram questão de que fosse assim, para que o bloco não se tornasse uma porta giratória e o custo do Brexit servisse de exemplo para todos os membros. Essa é uma lição para todos os que flertam com líderes populistas: eles podem ser frívolos e inconstantes, mas os danos que causam são sérios e permanentes.

Num tempo em que a frivolidade, a mentira e a irresponsabilidade são encaradas como normais em um líder político, a saga vivida pelo Reino Unido sob Boris Johnson é um lembrete do estrago que um governante inconsequente pode fazer a um país. A saída da União Europeia, da qual Johnson foi o principal artífice, mergulhou o Reino Unido numa crise econômica, diplomática e política sem precedentes em sua história moderna.

A retirada abrupta do Mercado Comum Europeu desorganizou a inserção comercial do Reino Unido no mundo. A promessa de Johnson, de que os britânicos se beneficiariam da liberdade de firmar acordos bilaterais com outros blocos e países, não se materializou.

Os ganhos desses acordos estão muito aquém das perdas com os obstáculos erguidos para o comércio com o continente europeu. Mesmo nos setores favorecidos por acordos de tarifa zero, a burocracia introduzida travou o fluxo de comércio. O Reino Unido passou a registrar déficit comercial.

Trabalhadores da Saúde pedem renúncia de Johnson em protesto na Downing Street, em Londres, em 27 de maio  Foto: Alberto Pezzali/Ap Photo

A privação de mão de obra e de produtos europeus potencializou o movimento inflacionário desencadeado pela ruptura de cadeias produtivas causada pela pandemia e a escassez de alimentos e energia resultante da guerra na Ucrânia. Por essas razões, o Reino Unido sofre ao mesmo tempo com a inflação mais alta e a maior desaceleração econômica do G-7: a temida estagflação.

Os britânicos que votaram a favor do Brexit no plebiscito de 2016 foram enganados. Johnson, que acabava de sair do cargo de prefeito de Londres, no qual angariou grande popularidade, mentiu sobre o custo de pertencer à UE e sobre os benefícios de sair dela. A manipulação dos dados lhe rendeu um processo na Corte Suprema, mas também o cargo de ministro das Relações Exteriores e, finalmente, de primeiro-ministro.

Johnson enganou até a rainha Elizabeth, ao convencê-la a suspender o Parlamento, para que ele pudesse passar por cima das resistências dos deputados e impor sua proposta de Brexit. A Corte Suprema teve de intervir e anular a decisão, num constrangimento inédito para a rainha.

Os atropelos de Johnson às instituições seriam graves em qualquer democracia, mas são mais destrutivos num país em que muitas regras não são escritas, e sim fincadas nos costumes. O sistema britânico é um grande acordo de cavalheiros e damas. Quem não age como tal tira proveito do sistema até ser expelido por ele.

Como resultado do desvario do Brexit, os britânicos terão agora o seu quarto chefe de governo desde 2016, num país antes caracterizado pela estabilidade. Enquanto o erro da decisão está evidente para a maioria dos observadores de fora, questionar o Brexit é quase um tabu no Reino Unido. Até mesmo o líder da oposição trabalhista, Keir Starmer, evita fazer isso. A razão parece simples: é um processo sem volta, um fato consumado. Os europeus fizeram questão de que fosse assim, para que o bloco não se tornasse uma porta giratória e o custo do Brexit servisse de exemplo para todos os membros. Essa é uma lição para todos os que flertam com líderes populistas: eles podem ser frívolos e inconstantes, mas os danos que causam são sérios e permanentes.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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