É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Lula tem que escolher entre compromissos históricos com populismo autoritário e a democracia


A crise entre Brasil e Nicarágua revela resistência do petista em se distanciar das ditaduras de esquerda que apoia

Por Lourival Sant'Anna

A crise entre Brasil e Nicarágua revelou o tamanho da resistência do presidente Lula em se distanciar dos regimes ditatoriais de esquerda que ele apoia há duas décadas. Só um pedido irrecusável, do papa Francisco, pôde mover a balança do governo em favor da democracia, em detrimento das afinidades ideológicas. Ainda assim, com muita hesitação.

O embaixador do Brasil em Manágua, Breno Costa, não compareceu à comemoração, no dia 19 de julho, do 45.º aniversário da Revolução Sandinista, liderada pelo ditador Daniel Ortega. Foi avisado de que seria expulso do país. Em vez de vir logo embora, como faria o funcionário de uma diplomacia “ativa e altiva”, esperou duas semanas, até a expulsão ser consumada, na quinta-feira.

Só então, a contragosto, Lula se viu forçado a “expulsar” a embaixadora nicaraguense, Fulvia Castro, que logicamente já havia voltado para Manágua. Para deixar claro que o Brasil não se opõe ao regime sandinista, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, explicou que a expulsão da embaixadora seguiu o princípio da reciprocidade.

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Ou seja: ditadores, não se preocupem com o Brasil. O governo se acostumou a ser humilhado por países pequenos da região, que não reconhecem sua liderança. Uruguai e Chile, por exemplo, governados respectivamente por presidentes de direita e de esquerda, denunciaram a fraude na eleição venezuelana, enquanto Lula busca uma saída honrosa para Nicolás Maduro.

Luis Lacalle Pou e Gabriel Boric já haviam protestado em maio de 2023, em Brasília, contra a atitude de Lula de relativizar o conceito de democracia e acolher Maduro com homenagens na véspera da Cúpula Sul-Americana.

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A ausência do embaixador brasileiro decorreu de decisão do governo de esfriar as relações com o regime sandinista. Isso, depois que o papa Francisco pediu a Lula, em junho do ano passado, que convencesse Ortega a libertar o bispo Rolando Álvarez. Preso desde 2022, o bispo havia se recusado a embarcar em um avião para os Estados Unidos, com outros 222 presos políticos.

Arquivo: Lula recebe Daniel Ortega em Brasília, 28 de julho de 2010.  Foto: Eraldo Peres/Associated Press

Confinado numa solitária sem ventilação, apelidada de “Inferninho”, na penitenciária de segurança máxima La Modelo, Álvarez foi condenado a 26 anos de prisão por “desprezo às instituições do país e espalhar notícias falsas”. O Vaticano fez gestões para que o bispo, junto com outros 18 religiosos, fossem desterrados para Roma, o que acabou acontecendo em janeiro.

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A Igreja Católica nicaraguense está engajada na luta pelos direitos humanos.

A opressão aumentou em 2021, quando Ortega, no poder desde 2007, partiu para mais uma reeleição. O regime prendeu 34 líderes oposicionistas, incluindo sete candidatos a presidente.

Numa das investidas do regime contra a Igreja, a polícia invadiu em 2023 a casa das irmãs da Fraternidade Pobres de Jesus Cristo, na cidade de León, e expulsou da Nicarágua quatro religiosas de origem brasileira. O Ministério do Interior anulou o estatuto jurídico da fraternidade e confiscou todos os bens das freiras.

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A conduta do regime nicaraguense expôs as contradições de Lula. Católico, ele surgiu como líder sindical na luta contra a ditadura militar, na qual a Igreja teve papel fundamental.

A Conferência Episcopal Venezuelana (CEV) também critica há décadas as arbitrariedades do regime bolivariano. Na quinta-feira, a CEV qualificou de “ilegal e eticamente inaceitável” que “não seja reconhecida a vontade do povo”, referindo-se à fraudulenta reeleição de Maduro. Mas os religiosos não foram brindados com um apelo do papa.

Nicolás Maduro fala com a imprensa na Suprema Corte da Venezuela.  Foto: Matias Delacroix/Associated Press
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Lula fecha os olhos para a opressão bolivariana, limitando-se a pedir que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo regime, apresente as atas que dão a vitória de Maduro. Os fiscais oposicionistas copiaram as atas autênticas na noite da apuração e as publicaram na internet, enquanto o CNE tirava o próprio sistema do ar para impedir sua transmissão.

Sobre a esperança, nutrida por Lula, de negociação do regime com a líder da oposição, María Corina Machado, o poderoso vice-presidente do partido do regime, Diosdado Cabello, foi claro na sexta-feira: “Ela não está em condições de negociar nada. Ela tem que prestar contas à Justiça”. Maduro prometeu prendê-la.

Lula continua apegado aos populistas de esquerda que chegaram ao poder pela via democrática e capturaram o Estado para se perpetuar no poder, com apoio do presidente brasileiro em seus dois primeiros mandatos: Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador (condenado por corrupção com a Odebrecht) e Daniel Ortega.

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Agora, é obrigado a escolher entre seus compromissos históricos com o populismo autoritário ou com a democracia.

A crise entre Brasil e Nicarágua revelou o tamanho da resistência do presidente Lula em se distanciar dos regimes ditatoriais de esquerda que ele apoia há duas décadas. Só um pedido irrecusável, do papa Francisco, pôde mover a balança do governo em favor da democracia, em detrimento das afinidades ideológicas. Ainda assim, com muita hesitação.

O embaixador do Brasil em Manágua, Breno Costa, não compareceu à comemoração, no dia 19 de julho, do 45.º aniversário da Revolução Sandinista, liderada pelo ditador Daniel Ortega. Foi avisado de que seria expulso do país. Em vez de vir logo embora, como faria o funcionário de uma diplomacia “ativa e altiva”, esperou duas semanas, até a expulsão ser consumada, na quinta-feira.

Só então, a contragosto, Lula se viu forçado a “expulsar” a embaixadora nicaraguense, Fulvia Castro, que logicamente já havia voltado para Manágua. Para deixar claro que o Brasil não se opõe ao regime sandinista, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, explicou que a expulsão da embaixadora seguiu o princípio da reciprocidade.

Ou seja: ditadores, não se preocupem com o Brasil. O governo se acostumou a ser humilhado por países pequenos da região, que não reconhecem sua liderança. Uruguai e Chile, por exemplo, governados respectivamente por presidentes de direita e de esquerda, denunciaram a fraude na eleição venezuelana, enquanto Lula busca uma saída honrosa para Nicolás Maduro.

Luis Lacalle Pou e Gabriel Boric já haviam protestado em maio de 2023, em Brasília, contra a atitude de Lula de relativizar o conceito de democracia e acolher Maduro com homenagens na véspera da Cúpula Sul-Americana.

A ausência do embaixador brasileiro decorreu de decisão do governo de esfriar as relações com o regime sandinista. Isso, depois que o papa Francisco pediu a Lula, em junho do ano passado, que convencesse Ortega a libertar o bispo Rolando Álvarez. Preso desde 2022, o bispo havia se recusado a embarcar em um avião para os Estados Unidos, com outros 222 presos políticos.

Arquivo: Lula recebe Daniel Ortega em Brasília, 28 de julho de 2010.  Foto: Eraldo Peres/Associated Press

Confinado numa solitária sem ventilação, apelidada de “Inferninho”, na penitenciária de segurança máxima La Modelo, Álvarez foi condenado a 26 anos de prisão por “desprezo às instituições do país e espalhar notícias falsas”. O Vaticano fez gestões para que o bispo, junto com outros 18 religiosos, fossem desterrados para Roma, o que acabou acontecendo em janeiro.

A Igreja Católica nicaraguense está engajada na luta pelos direitos humanos.

A opressão aumentou em 2021, quando Ortega, no poder desde 2007, partiu para mais uma reeleição. O regime prendeu 34 líderes oposicionistas, incluindo sete candidatos a presidente.

Numa das investidas do regime contra a Igreja, a polícia invadiu em 2023 a casa das irmãs da Fraternidade Pobres de Jesus Cristo, na cidade de León, e expulsou da Nicarágua quatro religiosas de origem brasileira. O Ministério do Interior anulou o estatuto jurídico da fraternidade e confiscou todos os bens das freiras.

A conduta do regime nicaraguense expôs as contradições de Lula. Católico, ele surgiu como líder sindical na luta contra a ditadura militar, na qual a Igreja teve papel fundamental.

A Conferência Episcopal Venezuelana (CEV) também critica há décadas as arbitrariedades do regime bolivariano. Na quinta-feira, a CEV qualificou de “ilegal e eticamente inaceitável” que “não seja reconhecida a vontade do povo”, referindo-se à fraudulenta reeleição de Maduro. Mas os religiosos não foram brindados com um apelo do papa.

Nicolás Maduro fala com a imprensa na Suprema Corte da Venezuela.  Foto: Matias Delacroix/Associated Press

Lula fecha os olhos para a opressão bolivariana, limitando-se a pedir que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo regime, apresente as atas que dão a vitória de Maduro. Os fiscais oposicionistas copiaram as atas autênticas na noite da apuração e as publicaram na internet, enquanto o CNE tirava o próprio sistema do ar para impedir sua transmissão.

Sobre a esperança, nutrida por Lula, de negociação do regime com a líder da oposição, María Corina Machado, o poderoso vice-presidente do partido do regime, Diosdado Cabello, foi claro na sexta-feira: “Ela não está em condições de negociar nada. Ela tem que prestar contas à Justiça”. Maduro prometeu prendê-la.

Lula continua apegado aos populistas de esquerda que chegaram ao poder pela via democrática e capturaram o Estado para se perpetuar no poder, com apoio do presidente brasileiro em seus dois primeiros mandatos: Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador (condenado por corrupção com a Odebrecht) e Daniel Ortega.

Agora, é obrigado a escolher entre seus compromissos históricos com o populismo autoritário ou com a democracia.

A crise entre Brasil e Nicarágua revelou o tamanho da resistência do presidente Lula em se distanciar dos regimes ditatoriais de esquerda que ele apoia há duas décadas. Só um pedido irrecusável, do papa Francisco, pôde mover a balança do governo em favor da democracia, em detrimento das afinidades ideológicas. Ainda assim, com muita hesitação.

O embaixador do Brasil em Manágua, Breno Costa, não compareceu à comemoração, no dia 19 de julho, do 45.º aniversário da Revolução Sandinista, liderada pelo ditador Daniel Ortega. Foi avisado de que seria expulso do país. Em vez de vir logo embora, como faria o funcionário de uma diplomacia “ativa e altiva”, esperou duas semanas, até a expulsão ser consumada, na quinta-feira.

Só então, a contragosto, Lula se viu forçado a “expulsar” a embaixadora nicaraguense, Fulvia Castro, que logicamente já havia voltado para Manágua. Para deixar claro que o Brasil não se opõe ao regime sandinista, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, explicou que a expulsão da embaixadora seguiu o princípio da reciprocidade.

Ou seja: ditadores, não se preocupem com o Brasil. O governo se acostumou a ser humilhado por países pequenos da região, que não reconhecem sua liderança. Uruguai e Chile, por exemplo, governados respectivamente por presidentes de direita e de esquerda, denunciaram a fraude na eleição venezuelana, enquanto Lula busca uma saída honrosa para Nicolás Maduro.

Luis Lacalle Pou e Gabriel Boric já haviam protestado em maio de 2023, em Brasília, contra a atitude de Lula de relativizar o conceito de democracia e acolher Maduro com homenagens na véspera da Cúpula Sul-Americana.

A ausência do embaixador brasileiro decorreu de decisão do governo de esfriar as relações com o regime sandinista. Isso, depois que o papa Francisco pediu a Lula, em junho do ano passado, que convencesse Ortega a libertar o bispo Rolando Álvarez. Preso desde 2022, o bispo havia se recusado a embarcar em um avião para os Estados Unidos, com outros 222 presos políticos.

Arquivo: Lula recebe Daniel Ortega em Brasília, 28 de julho de 2010.  Foto: Eraldo Peres/Associated Press

Confinado numa solitária sem ventilação, apelidada de “Inferninho”, na penitenciária de segurança máxima La Modelo, Álvarez foi condenado a 26 anos de prisão por “desprezo às instituições do país e espalhar notícias falsas”. O Vaticano fez gestões para que o bispo, junto com outros 18 religiosos, fossem desterrados para Roma, o que acabou acontecendo em janeiro.

A Igreja Católica nicaraguense está engajada na luta pelos direitos humanos.

A opressão aumentou em 2021, quando Ortega, no poder desde 2007, partiu para mais uma reeleição. O regime prendeu 34 líderes oposicionistas, incluindo sete candidatos a presidente.

Numa das investidas do regime contra a Igreja, a polícia invadiu em 2023 a casa das irmãs da Fraternidade Pobres de Jesus Cristo, na cidade de León, e expulsou da Nicarágua quatro religiosas de origem brasileira. O Ministério do Interior anulou o estatuto jurídico da fraternidade e confiscou todos os bens das freiras.

A conduta do regime nicaraguense expôs as contradições de Lula. Católico, ele surgiu como líder sindical na luta contra a ditadura militar, na qual a Igreja teve papel fundamental.

A Conferência Episcopal Venezuelana (CEV) também critica há décadas as arbitrariedades do regime bolivariano. Na quinta-feira, a CEV qualificou de “ilegal e eticamente inaceitável” que “não seja reconhecida a vontade do povo”, referindo-se à fraudulenta reeleição de Maduro. Mas os religiosos não foram brindados com um apelo do papa.

Nicolás Maduro fala com a imprensa na Suprema Corte da Venezuela.  Foto: Matias Delacroix/Associated Press

Lula fecha os olhos para a opressão bolivariana, limitando-se a pedir que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo regime, apresente as atas que dão a vitória de Maduro. Os fiscais oposicionistas copiaram as atas autênticas na noite da apuração e as publicaram na internet, enquanto o CNE tirava o próprio sistema do ar para impedir sua transmissão.

Sobre a esperança, nutrida por Lula, de negociação do regime com a líder da oposição, María Corina Machado, o poderoso vice-presidente do partido do regime, Diosdado Cabello, foi claro na sexta-feira: “Ela não está em condições de negociar nada. Ela tem que prestar contas à Justiça”. Maduro prometeu prendê-la.

Lula continua apegado aos populistas de esquerda que chegaram ao poder pela via democrática e capturaram o Estado para se perpetuar no poder, com apoio do presidente brasileiro em seus dois primeiros mandatos: Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador (condenado por corrupção com a Odebrecht) e Daniel Ortega.

Agora, é obrigado a escolher entre seus compromissos históricos com o populismo autoritário ou com a democracia.

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