É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Maior ameaça para a democracia é quando a mentira e a agressão se tornam vantagens competitivas


Os furacões Helene e Milton foram usados por Donald Trump e militantes de sua causa para varrer a verdade factual e regar a xenofobia e o antissemitismo

Por Lourival Sant'Anna
Atualização:

Não há perigo maior para a democracia e para a civilização do que a mentira e a agressão se tornarem vantagens competitivas. Estamos assistindo a isso no Brasil e nos Estados Unidos. Os furacões Helene e Milton foram usados por Donald Trump e militantes de sua causa para varrer a verdade factual e regar a xenofobia e o antissemitismo, que tanto alimentam seu movimento.

Trump tem repetido nos comícios que o teto para a ajuda federal às vítimas das tempestades é de apenas US$ 750, e que faltam recursos para os americanos porque foram desviados para imigrantes ilegais, já que os democratas de alguma maneira teriam a intenção de conseguir os votos deles, embora não sejam cidadãos dos Estados Unidos.

Não há ligação entre os orçamentos para catástrofes e para imigrantes. A tese é absurda do começo ao fim. Baseia-se no vídeo editado de uma declaração da vice-presidente e candidata Kamala Harris. Ela começa mencionando a ajuda emergencial de US$ 750 e deixa claro que é para comprar comida, leite infantil e fraldas, por exemplo.

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Em seguida, a candidata democrata explica que há dezenas de milhares de dólares para outras necessidades, como os reparos ou construção de casas. O governo federal reserva US$ 42.500 para esses fins. Há outras dezenas de milhares de dólares para prejuízos de pequenas empresas e de famílias. Toda essa informação é omitida pela campanha trumpista – evito chamá-la de republicana, porque contradiz o significado da palavra e a tradição do próprio partido.

Como se a catástrofe natural não causasse sofrimento suficiente, há um esforço claro de espalhar o pânico, o ódio e o caos. Na Carolina do Norte, difundiram o boato de que as comportas de uma represa iam se romper. A Agência Federal de Gestão de Emergência (Fema) enviou funcionários para lá, para constatar que o alarme era falso. Assim, recursos que já são escassos acabam desperdiçados.

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Apresentadores de podcasts e programas de rádio especializados em desinformação afirmam que o governo democrata controla os furacões, e os direciona para distritos com maioria republicana, ou os provoca para provar a existência das mudanças climáticas, ou ainda para que funcionários públicos judeus possam demolir as construções afetadas, confiscar as casas e vender.

Os nomes de três autoridades sabidamente judias são citadas: a prefeita de Ashville (Carolina do Norte), Esther Manheimer, o secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas, e a diretora de Relações Públicas da Fema, Jaclyn Rothenberg. A desinformação se concentra na Carolina do Norte, por ser um Estado-pêndulo atingido pelo Helene.

O candidato republicano, Donald Trump, ao lado do bilionário Elon Musk, em comício em Butler, na Pensilvânia Foto: Julia Demaree Nikhinson/AP
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Movimentos antissemitas têm sólidas ligações com o trumpismo. Em 2017, seu primeiro ano na presidência, Trump afirmou que havia “pessoas muito boas” no protesto de supremacistas brancos, que usavam insígnias nazistas, contra a remoção da estátua do general confederado (pró-escravidão) Robert Lee, em Charlottesville, Virgínia.

Entre os invasores do Capitólio, no dia 6 de janeiro de 2021, convocados por Trump para tentar impedir a certificação da vitória de Joe Biden, havia muitos neonazistas.

O rapper negro Kanye West, ou Ye, declara-se nazista publicamente, e apoia Trump. Mark Robinson, o candidato de Trump ao governo da Carolina do Norte, definiu-se no site pornográfico Nude Africa como “um negro nazista”.

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O X, que depois de ser comprado por Elon Musk perdeu as ferramentas de moderação que continham os discursos de ódio, tem multiplicado a desinformação e as teses conspiratórias.

Musk se tornou um dos principais cabos eleitorais de Trump, a ponto de subir no palanque do comício do candidato em Butler, Pensilvânia, aonde o ex-presidente voltou para lembrar o atentado de que foi alvo.

Seu navegador não suporta esse video.

Conhecido como 'Nostradamus das eleições americanas', o historiador Allan Lichtman faz sua aposta para o resultado

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Um dos podcasts que espalham essas mentiras leva o nome sugestivo de Infowars (guerras informacionais). Seu apresentador, Alex Jones, foi condenado a pagar indenização de US$ 965 milhões para as famílias das 20 crianças e 6 adultos mortos no massacre na Escola Primária Sandy Hook, em dezembro de 2012. Ele diz que foi “uma encenação”, supostamente para ajudar na causa do controle de armas.

Trump poderia tirar proveito político da escassez de recursos do governo frente ao desastre – um fato em qualquer país, já que ninguém se preparou para os efeitos das mudanças climáticas. Mas ele é negacionista e condena o investimento trilionário do governo Biden na transição energética.

Acima de tudo, uma linha de ataque baseada em fatos não parece excitar o candidato. Tanto que ele aproveita muito mal o principal trunfo de sua campanha: o alto custo de vida. Talvez por dificuldade de sentir compaixão.

Não há perigo maior para a democracia e para a civilização do que a mentira e a agressão se tornarem vantagens competitivas. Estamos assistindo a isso no Brasil e nos Estados Unidos. Os furacões Helene e Milton foram usados por Donald Trump e militantes de sua causa para varrer a verdade factual e regar a xenofobia e o antissemitismo, que tanto alimentam seu movimento.

Trump tem repetido nos comícios que o teto para a ajuda federal às vítimas das tempestades é de apenas US$ 750, e que faltam recursos para os americanos porque foram desviados para imigrantes ilegais, já que os democratas de alguma maneira teriam a intenção de conseguir os votos deles, embora não sejam cidadãos dos Estados Unidos.

Não há ligação entre os orçamentos para catástrofes e para imigrantes. A tese é absurda do começo ao fim. Baseia-se no vídeo editado de uma declaração da vice-presidente e candidata Kamala Harris. Ela começa mencionando a ajuda emergencial de US$ 750 e deixa claro que é para comprar comida, leite infantil e fraldas, por exemplo.

Em seguida, a candidata democrata explica que há dezenas de milhares de dólares para outras necessidades, como os reparos ou construção de casas. O governo federal reserva US$ 42.500 para esses fins. Há outras dezenas de milhares de dólares para prejuízos de pequenas empresas e de famílias. Toda essa informação é omitida pela campanha trumpista – evito chamá-la de republicana, porque contradiz o significado da palavra e a tradição do próprio partido.

Como se a catástrofe natural não causasse sofrimento suficiente, há um esforço claro de espalhar o pânico, o ódio e o caos. Na Carolina do Norte, difundiram o boato de que as comportas de uma represa iam se romper. A Agência Federal de Gestão de Emergência (Fema) enviou funcionários para lá, para constatar que o alarme era falso. Assim, recursos que já são escassos acabam desperdiçados.

Apresentadores de podcasts e programas de rádio especializados em desinformação afirmam que o governo democrata controla os furacões, e os direciona para distritos com maioria republicana, ou os provoca para provar a existência das mudanças climáticas, ou ainda para que funcionários públicos judeus possam demolir as construções afetadas, confiscar as casas e vender.

Os nomes de três autoridades sabidamente judias são citadas: a prefeita de Ashville (Carolina do Norte), Esther Manheimer, o secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas, e a diretora de Relações Públicas da Fema, Jaclyn Rothenberg. A desinformação se concentra na Carolina do Norte, por ser um Estado-pêndulo atingido pelo Helene.

O candidato republicano, Donald Trump, ao lado do bilionário Elon Musk, em comício em Butler, na Pensilvânia Foto: Julia Demaree Nikhinson/AP

Movimentos antissemitas têm sólidas ligações com o trumpismo. Em 2017, seu primeiro ano na presidência, Trump afirmou que havia “pessoas muito boas” no protesto de supremacistas brancos, que usavam insígnias nazistas, contra a remoção da estátua do general confederado (pró-escravidão) Robert Lee, em Charlottesville, Virgínia.

Entre os invasores do Capitólio, no dia 6 de janeiro de 2021, convocados por Trump para tentar impedir a certificação da vitória de Joe Biden, havia muitos neonazistas.

O rapper negro Kanye West, ou Ye, declara-se nazista publicamente, e apoia Trump. Mark Robinson, o candidato de Trump ao governo da Carolina do Norte, definiu-se no site pornográfico Nude Africa como “um negro nazista”.

O X, que depois de ser comprado por Elon Musk perdeu as ferramentas de moderação que continham os discursos de ódio, tem multiplicado a desinformação e as teses conspiratórias.

Musk se tornou um dos principais cabos eleitorais de Trump, a ponto de subir no palanque do comício do candidato em Butler, Pensilvânia, aonde o ex-presidente voltou para lembrar o atentado de que foi alvo.

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Conhecido como 'Nostradamus das eleições americanas', o historiador Allan Lichtman faz sua aposta para o resultado

Um dos podcasts que espalham essas mentiras leva o nome sugestivo de Infowars (guerras informacionais). Seu apresentador, Alex Jones, foi condenado a pagar indenização de US$ 965 milhões para as famílias das 20 crianças e 6 adultos mortos no massacre na Escola Primária Sandy Hook, em dezembro de 2012. Ele diz que foi “uma encenação”, supostamente para ajudar na causa do controle de armas.

Trump poderia tirar proveito político da escassez de recursos do governo frente ao desastre – um fato em qualquer país, já que ninguém se preparou para os efeitos das mudanças climáticas. Mas ele é negacionista e condena o investimento trilionário do governo Biden na transição energética.

Acima de tudo, uma linha de ataque baseada em fatos não parece excitar o candidato. Tanto que ele aproveita muito mal o principal trunfo de sua campanha: o alto custo de vida. Talvez por dificuldade de sentir compaixão.

Não há perigo maior para a democracia e para a civilização do que a mentira e a agressão se tornarem vantagens competitivas. Estamos assistindo a isso no Brasil e nos Estados Unidos. Os furacões Helene e Milton foram usados por Donald Trump e militantes de sua causa para varrer a verdade factual e regar a xenofobia e o antissemitismo, que tanto alimentam seu movimento.

Trump tem repetido nos comícios que o teto para a ajuda federal às vítimas das tempestades é de apenas US$ 750, e que faltam recursos para os americanos porque foram desviados para imigrantes ilegais, já que os democratas de alguma maneira teriam a intenção de conseguir os votos deles, embora não sejam cidadãos dos Estados Unidos.

Não há ligação entre os orçamentos para catástrofes e para imigrantes. A tese é absurda do começo ao fim. Baseia-se no vídeo editado de uma declaração da vice-presidente e candidata Kamala Harris. Ela começa mencionando a ajuda emergencial de US$ 750 e deixa claro que é para comprar comida, leite infantil e fraldas, por exemplo.

Em seguida, a candidata democrata explica que há dezenas de milhares de dólares para outras necessidades, como os reparos ou construção de casas. O governo federal reserva US$ 42.500 para esses fins. Há outras dezenas de milhares de dólares para prejuízos de pequenas empresas e de famílias. Toda essa informação é omitida pela campanha trumpista – evito chamá-la de republicana, porque contradiz o significado da palavra e a tradição do próprio partido.

Como se a catástrofe natural não causasse sofrimento suficiente, há um esforço claro de espalhar o pânico, o ódio e o caos. Na Carolina do Norte, difundiram o boato de que as comportas de uma represa iam se romper. A Agência Federal de Gestão de Emergência (Fema) enviou funcionários para lá, para constatar que o alarme era falso. Assim, recursos que já são escassos acabam desperdiçados.

Apresentadores de podcasts e programas de rádio especializados em desinformação afirmam que o governo democrata controla os furacões, e os direciona para distritos com maioria republicana, ou os provoca para provar a existência das mudanças climáticas, ou ainda para que funcionários públicos judeus possam demolir as construções afetadas, confiscar as casas e vender.

Os nomes de três autoridades sabidamente judias são citadas: a prefeita de Ashville (Carolina do Norte), Esther Manheimer, o secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas, e a diretora de Relações Públicas da Fema, Jaclyn Rothenberg. A desinformação se concentra na Carolina do Norte, por ser um Estado-pêndulo atingido pelo Helene.

O candidato republicano, Donald Trump, ao lado do bilionário Elon Musk, em comício em Butler, na Pensilvânia Foto: Julia Demaree Nikhinson/AP

Movimentos antissemitas têm sólidas ligações com o trumpismo. Em 2017, seu primeiro ano na presidência, Trump afirmou que havia “pessoas muito boas” no protesto de supremacistas brancos, que usavam insígnias nazistas, contra a remoção da estátua do general confederado (pró-escravidão) Robert Lee, em Charlottesville, Virgínia.

Entre os invasores do Capitólio, no dia 6 de janeiro de 2021, convocados por Trump para tentar impedir a certificação da vitória de Joe Biden, havia muitos neonazistas.

O rapper negro Kanye West, ou Ye, declara-se nazista publicamente, e apoia Trump. Mark Robinson, o candidato de Trump ao governo da Carolina do Norte, definiu-se no site pornográfico Nude Africa como “um negro nazista”.

O X, que depois de ser comprado por Elon Musk perdeu as ferramentas de moderação que continham os discursos de ódio, tem multiplicado a desinformação e as teses conspiratórias.

Musk se tornou um dos principais cabos eleitorais de Trump, a ponto de subir no palanque do comício do candidato em Butler, Pensilvânia, aonde o ex-presidente voltou para lembrar o atentado de que foi alvo.

Seu navegador não suporta esse video.

Conhecido como 'Nostradamus das eleições americanas', o historiador Allan Lichtman faz sua aposta para o resultado

Um dos podcasts que espalham essas mentiras leva o nome sugestivo de Infowars (guerras informacionais). Seu apresentador, Alex Jones, foi condenado a pagar indenização de US$ 965 milhões para as famílias das 20 crianças e 6 adultos mortos no massacre na Escola Primária Sandy Hook, em dezembro de 2012. Ele diz que foi “uma encenação”, supostamente para ajudar na causa do controle de armas.

Trump poderia tirar proveito político da escassez de recursos do governo frente ao desastre – um fato em qualquer país, já que ninguém se preparou para os efeitos das mudanças climáticas. Mas ele é negacionista e condena o investimento trilionário do governo Biden na transição energética.

Acima de tudo, uma linha de ataque baseada em fatos não parece excitar o candidato. Tanto que ele aproveita muito mal o principal trunfo de sua campanha: o alto custo de vida. Talvez por dificuldade de sentir compaixão.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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