Três acontecimentos da última semana apresentam novos dilemas e oportunidades para a democracia: a reeleição de Emmanuel Macron, e a expressiva votação de Marine Le Pen; a decisão de países da Otan de enviar armamentos pesados para a Ucrânia; e a compra do Twitter por Elon Musk, que promete afrouxar as punições contra perfis acusados de difundir desinformação.
Os 13,3 milhões de votos recebidos por Le Pen no segundo turno da eleição presidencial francesa representam 41,4% dos votos válidos. E confirma a tendência do primeiro turno, quando 23,4% dos eleitores votaram em Le Pen e 7,1%, em Éric Zemmour, que tem posições ainda mais radicais do que ela.
Em 2017, Le Pen havia obtido 10,6 milhões, ou 33,9% dos votos no segundo turno contra Macron. Na última vez em que um presidente francês se reelegeu, Jacques Chirac derrotou Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, por 82,2% a 17,8% (ou 5,5 milhões de votos). Isso foi 20 anos atrás, quando a mera passagem de Jean-Marie ao segundo turno assombrou o mundo.
Jean-Marie se queixou de que a seleção de futebol da França tinha um número excessivo de jogadores não-brancos, considera “legal e legítimo” o armistício assinado pelo marechal Philippe Pétain em 1940 com a Alemanha, que deu origem ao regime pró-nazista de Vichy, e condena a resistência francesa.
Marine Le Pen prega a exclusão dos imigrantes dos benefícios do Estado, em troca de maiores proteções sociais para os que gozam de genealogia francesa. Todo autoritarismo e populismo nascem de um desejo de exclusão, seja da burguesia, dos intelectuais, dos judeus, dos negros, dos indígenas, dos homossexuais ou dos estrangeiros. A normalização da exclusão abre caminho para a ditadura, com a noção de que a democracia torna a nação vulnerável aos “inimigos” internos e externos.
Marine Le Pen admira Vladimir Putin e rejeita a União Europeia e a Otan. Sua vitória seria um golpe no consenso que tem permitido a ajuda militar à Ucrânia, no momento em que a guerra entra em nova fase.
Os aliados estão enviando tanques e canhões para a resistência ucraniana, e vislumbram a possibilidade não só de conter a invasão, mas de impor uma derrota humilhante à Rússia, desencorajando assim agressões futuras dessa e de outras ditaduras, incluindo a China, que planeja anexar Taiwan.
O debate acerca desses e de todos os temas políticos deve mudar de regras na principal “praça pública” do mundo, o Twitter, “privatizada” por Musk. De um lado, a fabricação de mentiras e agressões ganhará espaço, mesmo que Musk consiga eliminar os robôs.
Afinal, as mentiras vêm dos humanos; os robôs só as multiplicam. Por outro lado, os radicais não precisarão mais se refugiar em “praças” na periferia da rede, nas quais suas mentiras e agressões não são confrontadas.
O balanço de tudo isso para a democracia é que sua fragilidade ou força depende da nossa percepção. Quanto mais gente acreditar nela, maior a sua força. E vice-versa.