Por que as ditaduras exercem fascínio sobre tantas pessoas, como se instalam, como escondem seus danos e finalmente impõem sua vontade à força bruta? Os últimos dias foram ricos em insights sobre projetos autoritários em diversas fases de gestação, no Brasil, El Salvador, Venezuela e China.
As conversas entre autoridades militares e civis, obtidas pela Justiça brasileira, mostram como o impulso autoritário vira ao avesso normas corporativas, leis nacionais e princípios morais e patrióticos. A covardia de abusar do próprio poder para trair a vontade popular expressa livremente nas urnas é apresentada como coragem; o apego à legalidade, como covardia.
A intentona militar no Brasil não deu certo porque não estamos em 1964; quem está são os seus patéticos protagonistas. Foi por isso também que Donald Trump não obteve apoio militar para reverter a própria derrota eleitoral de 2020. A democracia, hoje em dia, não é esmagada por solas de coturnos; é carcomida por dentro, lenta e sutilmente. As novas armas são os líderes carismáticos, as soluções mágicas, a invenção de uma realidade paralela nas telas.
Por isso, Nayib Bukele é a nova sensação dos autoritários e desavisados; San Salvador, seu novo lugar de peregrinação. Em 2020, no segundo ano de seu primeiro mandato, ele comandou a invasão da Assembleia Nacional com apoio de militares e policiais, sentou-se na cadeira do presidente do Parlamento, declarou-se detentor de “poder divino” e mandou aprovarem US$ 109 milhões para seu plano de segurança.
O presidente conquistou a confiança dos militares dobrando o seu efetivo, enchendo-os de mordomias e dando-lhes licença para matar. Pelos índices oficiais, os homicídios por 100 mil habitantes caíram de 51 em 2018 para 3 no ano passado. O que ninguém lembra hoje é que esse índice já vinha caindo desde 2015, quando estava em 106.
Além disso, o Observatório Universitário de Direitos Humanos da Universidade Centro-Americana de El Salvador afirma que os homicídios em 2022 foram 659, mais do dobro da cifra oficial de 301.
Bukele se reelegeu no domingo com quase 85% dos votos. O segundo colocado, Manuel Flores, teve 6%. Os números são consistentes com uma pesquisa independente, feita pelo Centro de Estudos Cidadãos da Universidade.
Francisco Gavidia, na qual 84% dos entrevistados disseram que Bukele era o melhor candidato e Flores, 4%.
Os pesquisadores fizeram uma pergunta carregada de viés: “Antes as gangues espalhavam terror, agora é igual com militares e policiais?” Ao que 86% responderam: “Não, não é igual, estamos mais seguros”. A maioria passou no teste de sanidade: 80% disseram que a terra é esférica e 94%, que a mudança climática é real.
O contentamento dos salvadorenhos com a segurança reconquistada é compreensível e legítimo. Agora, eles podem andar na rua tranquilos. A segurança lhes deu liberdade. Mas também está lhes tirando, sem que muitos percebam. Muitos jovens mortos e presos sem direito à defesa são inocentes.
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Em maio de 2021, cinco juízes independentes da Corte Suprema foram destituídos pelo Congresso de maioria governista. Em novembro, a Corte decidiu que, se tirasse seis meses de licença, Bukele poderia disputar a reeleição, vetada pela Constituição. Ele já fala em terceiro mandato, “se o povo quiser”. O número de deputados foi reduzido para favorecer a criação de uma super-maioria do regime. Publicitário, Bukele cunhou para si o apelido “el dictador más cool del mundo”.
Uma lei cruel da condição humana é que, quando falta algo de essencial, aceitamos trocar por algo igualmente essencial, que não falta no momento. É o caso da segurança, estabilidade, justiça, dignidade e liberdade. Mas todas são igualmente essenciais. Não é justo impor escolhas e trocas entre elas.
É o que toda ditadura faz. No início, parece uma boa troca. Com o passar do tempo, as pessoas percebem que caíram numa armadilha. Aí, é tarde demais. Regimes ditatoriais não têm incentivos internos para chegar ao fim. Nicolás Maduro convenceu Joe Biden a voltar a comprar petróleo da Venezuela em troca da promessa de eleições justas este ano. Os EUA fizeram sua parte. Maduro embolsou mais de US$ 1 bilhão e não permitiu que María Corina Machado, a candidata mais competitiva, disputasse a eleição.
Na China, depois de décadas de crescimento astronômico, Xi Jinping adotou medidas para tolher as grandes empresas privadas de tecnologia, motores da economia, por considerar que elas competiam com o Partido Comunista em poder econômico e dados sobre os cidadãos. O resultado é a desaceleração econômica e a explosão do desemprego entre os jovens. O regime censura e reprime os protestos.
A eficiência das ditadura é um mito. A perda da liberdade e da dignidade é real.