O risco de o conflito na Ucrânia evoluir para uma guerra nuclear é o que mais assombra o mundo. A apreensão será alimentada esta semana, com o início dos exercícios militares anuais da Otan e da Rússia, ambos envolvendo o emprego de armas nucleares.
Militares da Otan manifestaram o receio de que os russos aproveitem as manobras para disparar mísseis nucleares táticos contra alvos ucranianos. Apesar de saberem que a máquina de propaganda russa interpretará os exercícios da Otan como prova de intenções hostis contra a Rússia, a aliança decidiu levá-los adiante, para demonstrar que as chantagens nucleares do Kremlin não a intimidam.
Em face da capacidade combinada de dizimar a humanidade, a discussão sobre o emprego do arsenal nuclear segue uma lógica própria. A doutrina lhe reserva o papel de dissuasão, com o efeito de contenção potencializado pela ambiguidade estratégica: não deixar que o adversário saiba em que circunstâncias um país as usaria.
Imprudência
O presidente Emmanuel Macron quebrou esse efeito ao afirmar à TV France 2, na quarta-feira, que a França não responderia a um ataque nuclear russo contra a Ucrânia com armas nucleares, porque seu território não estaria ameaçado. Além de imprudente, a garantia é discutível. A radiação poderia, sim, chegar à França.
Única potência nuclear da União Europeia, a França é membro da Otan, mas não de seu mecanismo nuclear, e não participa dos exercícios desta semana. A Otan conta com os Estados Unidos e o Reino Unido em matéria de contenção nuclear. Mas a reação planejada envolve de fato armas convencionais.
Em entrevista à CNN, o presidente Joe Biden disse na terça-feira que não acha que Vladimir Putin lançará mão do arsenal nuclear. Ele considera o presidente russo um ator “racional”, que “errou o cálculo significativamente” ao invadir a Ucrânia.
Erro
A pergunta óbvia é se Putin erraria novamente. A Crimeia poderia levá-lo a um ato impulsivo. Ele conquistou a península em 2014 e perdê-la, depois da morte de dezenas de milhares de soldados russos, seria um imenso revés político.
Putin deu sinais na sexta-feira de fazer o que eu indiquei na coluna de domingo passado: desengajar-se gradualmente da Ucrânia. Apesar das derrotas no terreno, ele afirmou que não há mais necessidade de ataques “maciços” nem de seguir adiante com a mobilização de soldados russos. Isso, depois da condenação esmagadora da Rússia na Assembleia-Geral da ONU e das tensões internas criadas pela mobilização.
O cenário continua dependendo do instinto de autopreservação do presidente russo. É por isso que o Ocidente sente que precisa agir com determinação.