Há duas semanas, escrevi aqui que a ambiguidade de Joe Biden em relação a Israel só lhe trazia perdas. O presidente americano parece ter chegado à mesma conclusão. Biden endossou o discurso do líder da bancada democrata no Senado, Chuck Schumer, que defendeu a convocação de eleições e a saída do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, para evitar que Israel se torne um “Estado pária”.
“Ele fez um bom discurso, e acho que expressou sérias preocupações não só deles, mas de muitos americanos”, apoiou Biden. Terceiro na linha sucessória do presidente, Schumer é o judeu que ocupa o cargo eletivo mais alto na história dos Estados Unidos.
Na semana anterior, a Casa Branca já havia desembarcado do governo Netanyahu, com o encontro dos secretários de Estado, Antony Blinken, também judeu, e de Defesa, Lloyd Austin, com o general Benny Gantz, membro do gabinete de guerra israelense. Netanyahu havia desautorizado Gantz publicamente, ordenando que o embaixador de Israel em Washington, Michael Herzog, não participasse da reunião.
Em 2020, depois de três eleições inconclusivas, Gantz e Netanyahu fecharam acordo pelo qual o general assumiria por dois anos o Ministério da Defesa e depois substituiria o primeiro-ministro. Netanyahu não cumpriu a palavra. Novas eleições foram convocadas. Netanyahu formou o governo mais de extrema direita da história de Israel.
Biden tem criticado Netanyahu pelos bombardeios indiscriminados na Faixa de Gaza, que já deixaram mais de 30 mil mortos. Grande parte dos mais de 2 milhões de moradores do território passa fome, por causa das restrições impostas por Israel à entrada de ajuda humanitária. Os hospitais foram semidestruídos por bombardeios israelenses.
Agora, as Forças de Defesa de Israel preparam uma ofensiva terrestre em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, onde se concentra mais de 1 milhão de pessoas. Seria um enorme banho de sangue. Biden não quer isso em seu currículo.
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Biden não é judeu, mas suas credencias pró-Israel são mais robustas que as de Schumer e Blinken. Em seus 36 anos no Senado, ele foi o político que mais recebeu doações do Comitê Americano de Assuntos Públicos de Israel (Aipac), que financia campanhas eleitorais em favor dos interesses judaicos. Biden costuma brincar que é “o não-judeu mais sionista”.
A questão de Biden é com Netanyahu. O presidente americano sabe que não são só os russos que estão por trás da invasão do banco de dados da campanha de Hillary Clinton em 2016, da entrega de 20 mil páginas de emails para o Wikileaks e das fake news espalhadas contra a candidata democrata no Facebook.
Investigações do FBI e da CIA apontaram a participação ativa de Isaac Molho, enviado diplomático de Netanyahu, que sempre o escalou para missões sensíveis. Ao longo da campanha de 2016, Molho se reuniu com Roger Stone, que também era o operador em tarefas delicadas de Trump, para conspirar contra a campanha de Clinton.
Stone lhe assegurou que Trump era um “sionista radical”, que pretendia romper o acordo nuclear com o Irã, transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém e sacramentar a colonização judaica da Cisjordânia. Foi precisamente o que Trump fez, escalando seu genro, Jared Kushner, judeu ortodoxo e patrocinador de assentamentos judaicos, para lidar com Israel.
Segundo o jornalista James Bamford, autor do livro Spy Fail, essa parte do relatório do procurador especial Robert Muller, encarregado de investigar as interferências nas eleições de 2016, foi omitida em sua divulgação pública.
Não foi a primeira vez que autoridades americanas fizeram vista grossa para violações das leis dos EUA por israelenses. Nos anos 70, o então presidente Jimmy Carter recebeu informações da CIA e do FBI sobre o roubo de segredos, gatilhos nucleares e urânio enriquecido por agentes israelenses, e mandou arquivar o caso.
Armas americanas sempre foram usadas por Israel para cometer crimes de guerra contra os palestinos, o que viola a lei de exportação de equipamento bélico dos EUA. Essas armas, assim como os segredos nucleares, foram repassados para o regime do apartheid na África do Sul, que Israel apoiava.
Sucessivos governos americanos mantiveram a ininterrupta ajuda militar de US$ 3,8 bilhões por ano para Israel, que dura cinco décadas.
Nessa corrida presidencial, no entanto, Biden perde votos da esquerda democrata por causa de Israel, sem atrair apoio de judeus e evangélicos conservadores, fechados com Trump. Por isso, decidiu se mexer.