É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Trump atingiu seu objetivo no debate, e Biden foi um desastre


O desafio de Donald Trump era se mostrar contido, racional, coerente, polido: ‘presidenciável’, e ele teve sucesso; já o presidente americano confirmou a percepção de um homem frágil, desarticulado e senil

Por Lourival Sant'Anna
Atualização:

Assim que o debate da CNN terminou, na noite de quinta-feira, ganhou uma nova dimensão uma discussão que já existia entre líderes e analistas democratas: a substituição de Joe Biden. O contraste entre a condição física e mental dele e de Donald Trump foi brutal, e pode comprometer de forma irreversível a campanha.

O desafio de Joe Biden no debate da CNN era provar que tem capacidade física e mental de governar por mais quatro anos. O desafio de Donald Trump era se mostrar contido, racional, coerente, polido: “presidenciável”. Trump atingiu seu objetivo; Biden fracassou.

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Biden conquistou nas primárias 90% dos cerca de 4 mil delegados para a convenção do Partido Democrata, marcada para os dias 19 e 20 de agosto em Chicago. Os delegados têm o compromisso político mas não a obrigação legal de votar no candidato para o qual foram eleitos. Sobretudo se o próprio Biden desistir e indicar outro ou outra candidata, os delegados poderão substituí-lo, embora seja algo inusitado.

Os obstáculos são dois: o próprio Biden aceitar isso, e o partido encontrar um substituto capaz de derrotar Trump. Kamala Harris, a vice-presidente, seria a candidata natural, mas seu desempenho não foi considerado bom pelos próprios democratas. E um presidente desistir de disputar a reeleição seria um reconhecimento do fracasso de seu governo.

O presidente estava afônico. Funcionários da Casa Branca informaram que ele está gripado. Para o eleitor, não importa. O desempenho de Biden confirmou a percepção de um homem frágil, desarticulado e senil. Ele se perdeu várias vezes na argumentação e chegou a trocar os nomes de Trump e Vladimir Putin.

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O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o ex-presidente americano Donald Trump debatem em Atlanta, Geórgia  Foto: Justin Sullivan/AFP

Num dos momentos em que Biden finalizou uma frase sem muita clareza, sobre um tema crítico, a imigração, Trump ironizou: “Não entendi o que ele quis dizer. Acho que nem ele sabe”. Pelas regras do debate, ambos tinham tempos iguais. No entanto, Trump falou por 38 minutos; Biden, 33. O presidente não aproveitou todo o tempo que tinha.

Num sinal do mau desempenho de seu candidato, os democratas deixaram rapidamente o auditório da CNN em Atlanta assim que terminou o debate. Mas alguns admitiram, pedindo para não ser identificados, que “foi um desastre”. Os republicanos, em contraste, se demoraram no local, para festejar a vitória e dar entrevistas aos jornalistas.

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Um dos principais temas foi a situação econômica. Biden enalteceu a geração de empregos e o crescimento econômico, disse que herdou uma economia em destroços de Trump, mas reconheceu que “ainda há mais para ser feito”. Trump aproveitou esse e outros momentos de “sincericídio” de Biden dizendo: “Isso que ele disse é verdade”.

O ex-presidente quase nunca faz esse tipo de admissão e sempre considera tudo o que conquistou “o melhor da história”. Trump garantiu que entregou o governo com uma “ótima economia”, e que Biden “não precisava fazer nada”, mas “destruiu tudo”. Segundo ele, seu governo evitou uma depressão como a de 1929.

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Trump foi hábil em explorar uma certa nostalgia que acomete parte dos americanos em relação ao período anterior à pandemia. Ele desenhou um cenário de impostos baixos, dinheiro no bolso, forte atividade econômica e otimismo no início do governo dele, entre 2017 e 2019, até que veio a pandemia, no último ano de seu mandato. Mesmo assim, Trump repetiu que mais pessoas morreram de covid no governo de Biden do que no dele.

Já o presidente procurou responsabilizar a “má gestão” de Trump da pandemia pela magnitude dos problemas econômicos que ela gerou. Quando Trump afirmou que entregou o governo com inflação baixa, Biden retrucou: “A inflação estava baixa porque a economia estava morta, com as costas no chão”.

Ao longo de todo o debate, Trump respondeu à maioria das perguntas trazendo o tema da imigração. Ele acusou Biden de ter escancarado as fronteiras para a entrada de 18 milhões de imigrantes, muitos deles ex-presos, internos de manicômios e terroristas. Não há evidências disso.

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Biden rebateu lembrando que assinou recentemente decreto que fecha as fronteiras quando o número de pedidos de entrada atinge 2.500. E que foi Trump que impediu que a bancada republicana no Senado cumprisse um acordo bipartidário que destinava mais de US$ 20 bilhões para aumentar a segurança na fronteira.

Biden chamou Trump de “mentiroso” nessa e em outras passagens, em que seu adversário argumentava com números improváveis.

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Se a economia e a imigração deixaram Biden na defensiva, a invasão do Capitólio em 2021 teve esse efeito sobre Trump. O ex-presidente negou que tenha incentivado seus seguidores a invadir o Congresso.

Só na terceira vez em que Dana Bash, analista e apresentadora da CNN, que estava moderando o debate, perguntou se ele aceitará o resultado da eleição, seja qual for, Trump respondeu: “Se for justa e livre, sim”. Ao que Biden rebateu: “Tenho certeza de que ele não vai aceitar. Ele é um chorão, que tentou reverter a derrota (em 2020)”.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump fala durante o primeiro debate presidencial em Atlanta, Geórgia  Foto: Gerald Herbert/AP

O presidente lembrou a condenação de Trump e os outros três processos no qual ele é réu. Já o ex-presidente trouxe a condenação de seu filho, Hunter Biden, pela posse e porte de armas enquanto se reabilitava do uso de drogas. Biden retorquiu: “Você fez sexo com uma atriz pornográfica enquanto sua mulher estava grávida. Quanto foi mesmo que você pagou pelo silêncio dela?” Trump negou a acusação, e repetiu várias vezes que o presidente usa a Justiça para perseguir seu oponente.

Sobre o tema do meio ambiente e mudança climática, Trump, um defensor da indústria do petróleo, argumentou que no seu governo conseguiu “manter a água e o ar limpos”, e que usavam “todos os tipos de energia”. Biden, que aprovou um pacote trilionário para subsidiar infraestrutura e transição energética, não conseguiu articular uma resposta convincente.

Trump afirmou que Putin não teria invadido a Ucrânia se ele fosse presidente, e que resolverá o problema antes mesmo de assumir, se for eleito, sem explicar de que forma. Ele disse que o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, “ganha US$ 60 bilhões toda vez que vai aos Estados Unidos”, e que os americanos gastaram o dobro, US$ 200 bilhões, do que os europeus, com a ajuda à Ucrânia.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fala durante o primeiro debate presidencial em Atlanta, Geórgia  Foto: Gerald Herbert/AP

Na verdade, foram US$ 100 bilhões. Biden não contestou o número, mas disse que essas doações são em armas de fabricação americana. O presidente defendeu a liderança que os Estados Unidos exercem sobre a Otan e afirmou que Trump abandonará a Ucrânia e a Europa se voltar à Casa Branca.

O presidente rechaçou as afirmações de Trump de que os Estados Unidos são “um fracasso”, “ninguém respeita mais o país”, que se tornou de “Terceiro Mundo”. Biden tentou dar à questão um caráter patriótico, e enaltecer também o trabalho dos militares. Trump, em contrapartida, apontou as falhas durante a retirada das Forças Armadas americanas do Afeganistão como prova desse declínio, e responsabilizou Biden.

Os dois disputaram quem seria melhor para os veteranos, um tema de grande simbolismo nos Estados Unidos. Trump desmentiu que tenha chamado de “idiotas e perdedores” soldados americanos que morreram em guerras, uma história explorada várias vezes por Biden durante o debate.

Sobre a saúde física e mental dos dois candidatos, Trump, de 78 anos, argumentou que participa de torneios de golfe e está em “ótima forma”. Ele desafiou Biden, de 81, a fazer um teste cognitivo, no qual ele diz ter passado duas vezes.

Num momento de rara autocrítica, Trump admitiu estar um pouco acima do peso. Biden aproveitou para dizer que aceitaria jogar golfe com Trump, desde que ele carregasse a própria bolsa. “Não sejamos crianças”, retrucou Trump. A frase indica o quanto ele introjetou o conselho de seus assessores, de ter uma atitude mais adulta no debate. Deu certo.

Assim que o debate da CNN terminou, na noite de quinta-feira, ganhou uma nova dimensão uma discussão que já existia entre líderes e analistas democratas: a substituição de Joe Biden. O contraste entre a condição física e mental dele e de Donald Trump foi brutal, e pode comprometer de forma irreversível a campanha.

O desafio de Joe Biden no debate da CNN era provar que tem capacidade física e mental de governar por mais quatro anos. O desafio de Donald Trump era se mostrar contido, racional, coerente, polido: “presidenciável”. Trump atingiu seu objetivo; Biden fracassou.

Biden conquistou nas primárias 90% dos cerca de 4 mil delegados para a convenção do Partido Democrata, marcada para os dias 19 e 20 de agosto em Chicago. Os delegados têm o compromisso político mas não a obrigação legal de votar no candidato para o qual foram eleitos. Sobretudo se o próprio Biden desistir e indicar outro ou outra candidata, os delegados poderão substituí-lo, embora seja algo inusitado.

Os obstáculos são dois: o próprio Biden aceitar isso, e o partido encontrar um substituto capaz de derrotar Trump. Kamala Harris, a vice-presidente, seria a candidata natural, mas seu desempenho não foi considerado bom pelos próprios democratas. E um presidente desistir de disputar a reeleição seria um reconhecimento do fracasso de seu governo.

O presidente estava afônico. Funcionários da Casa Branca informaram que ele está gripado. Para o eleitor, não importa. O desempenho de Biden confirmou a percepção de um homem frágil, desarticulado e senil. Ele se perdeu várias vezes na argumentação e chegou a trocar os nomes de Trump e Vladimir Putin.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o ex-presidente americano Donald Trump debatem em Atlanta, Geórgia  Foto: Justin Sullivan/AFP

Num dos momentos em que Biden finalizou uma frase sem muita clareza, sobre um tema crítico, a imigração, Trump ironizou: “Não entendi o que ele quis dizer. Acho que nem ele sabe”. Pelas regras do debate, ambos tinham tempos iguais. No entanto, Trump falou por 38 minutos; Biden, 33. O presidente não aproveitou todo o tempo que tinha.

Num sinal do mau desempenho de seu candidato, os democratas deixaram rapidamente o auditório da CNN em Atlanta assim que terminou o debate. Mas alguns admitiram, pedindo para não ser identificados, que “foi um desastre”. Os republicanos, em contraste, se demoraram no local, para festejar a vitória e dar entrevistas aos jornalistas.

Um dos principais temas foi a situação econômica. Biden enalteceu a geração de empregos e o crescimento econômico, disse que herdou uma economia em destroços de Trump, mas reconheceu que “ainda há mais para ser feito”. Trump aproveitou esse e outros momentos de “sincericídio” de Biden dizendo: “Isso que ele disse é verdade”.

O ex-presidente quase nunca faz esse tipo de admissão e sempre considera tudo o que conquistou “o melhor da história”. Trump garantiu que entregou o governo com uma “ótima economia”, e que Biden “não precisava fazer nada”, mas “destruiu tudo”. Segundo ele, seu governo evitou uma depressão como a de 1929.

Trump foi hábil em explorar uma certa nostalgia que acomete parte dos americanos em relação ao período anterior à pandemia. Ele desenhou um cenário de impostos baixos, dinheiro no bolso, forte atividade econômica e otimismo no início do governo dele, entre 2017 e 2019, até que veio a pandemia, no último ano de seu mandato. Mesmo assim, Trump repetiu que mais pessoas morreram de covid no governo de Biden do que no dele.

Já o presidente procurou responsabilizar a “má gestão” de Trump da pandemia pela magnitude dos problemas econômicos que ela gerou. Quando Trump afirmou que entregou o governo com inflação baixa, Biden retrucou: “A inflação estava baixa porque a economia estava morta, com as costas no chão”.

Ao longo de todo o debate, Trump respondeu à maioria das perguntas trazendo o tema da imigração. Ele acusou Biden de ter escancarado as fronteiras para a entrada de 18 milhões de imigrantes, muitos deles ex-presos, internos de manicômios e terroristas. Não há evidências disso.

Biden rebateu lembrando que assinou recentemente decreto que fecha as fronteiras quando o número de pedidos de entrada atinge 2.500. E que foi Trump que impediu que a bancada republicana no Senado cumprisse um acordo bipartidário que destinava mais de US$ 20 bilhões para aumentar a segurança na fronteira.

Biden chamou Trump de “mentiroso” nessa e em outras passagens, em que seu adversário argumentava com números improváveis.

Se a economia e a imigração deixaram Biden na defensiva, a invasão do Capitólio em 2021 teve esse efeito sobre Trump. O ex-presidente negou que tenha incentivado seus seguidores a invadir o Congresso.

Só na terceira vez em que Dana Bash, analista e apresentadora da CNN, que estava moderando o debate, perguntou se ele aceitará o resultado da eleição, seja qual for, Trump respondeu: “Se for justa e livre, sim”. Ao que Biden rebateu: “Tenho certeza de que ele não vai aceitar. Ele é um chorão, que tentou reverter a derrota (em 2020)”.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump fala durante o primeiro debate presidencial em Atlanta, Geórgia  Foto: Gerald Herbert/AP

O presidente lembrou a condenação de Trump e os outros três processos no qual ele é réu. Já o ex-presidente trouxe a condenação de seu filho, Hunter Biden, pela posse e porte de armas enquanto se reabilitava do uso de drogas. Biden retorquiu: “Você fez sexo com uma atriz pornográfica enquanto sua mulher estava grávida. Quanto foi mesmo que você pagou pelo silêncio dela?” Trump negou a acusação, e repetiu várias vezes que o presidente usa a Justiça para perseguir seu oponente.

Sobre o tema do meio ambiente e mudança climática, Trump, um defensor da indústria do petróleo, argumentou que no seu governo conseguiu “manter a água e o ar limpos”, e que usavam “todos os tipos de energia”. Biden, que aprovou um pacote trilionário para subsidiar infraestrutura e transição energética, não conseguiu articular uma resposta convincente.

Trump afirmou que Putin não teria invadido a Ucrânia se ele fosse presidente, e que resolverá o problema antes mesmo de assumir, se for eleito, sem explicar de que forma. Ele disse que o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, “ganha US$ 60 bilhões toda vez que vai aos Estados Unidos”, e que os americanos gastaram o dobro, US$ 200 bilhões, do que os europeus, com a ajuda à Ucrânia.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fala durante o primeiro debate presidencial em Atlanta, Geórgia  Foto: Gerald Herbert/AP

Na verdade, foram US$ 100 bilhões. Biden não contestou o número, mas disse que essas doações são em armas de fabricação americana. O presidente defendeu a liderança que os Estados Unidos exercem sobre a Otan e afirmou que Trump abandonará a Ucrânia e a Europa se voltar à Casa Branca.

O presidente rechaçou as afirmações de Trump de que os Estados Unidos são “um fracasso”, “ninguém respeita mais o país”, que se tornou de “Terceiro Mundo”. Biden tentou dar à questão um caráter patriótico, e enaltecer também o trabalho dos militares. Trump, em contrapartida, apontou as falhas durante a retirada das Forças Armadas americanas do Afeganistão como prova desse declínio, e responsabilizou Biden.

Os dois disputaram quem seria melhor para os veteranos, um tema de grande simbolismo nos Estados Unidos. Trump desmentiu que tenha chamado de “idiotas e perdedores” soldados americanos que morreram em guerras, uma história explorada várias vezes por Biden durante o debate.

Sobre a saúde física e mental dos dois candidatos, Trump, de 78 anos, argumentou que participa de torneios de golfe e está em “ótima forma”. Ele desafiou Biden, de 81, a fazer um teste cognitivo, no qual ele diz ter passado duas vezes.

Num momento de rara autocrítica, Trump admitiu estar um pouco acima do peso. Biden aproveitou para dizer que aceitaria jogar golfe com Trump, desde que ele carregasse a própria bolsa. “Não sejamos crianças”, retrucou Trump. A frase indica o quanto ele introjetou o conselho de seus assessores, de ter uma atitude mais adulta no debate. Deu certo.

Assim que o debate da CNN terminou, na noite de quinta-feira, ganhou uma nova dimensão uma discussão que já existia entre líderes e analistas democratas: a substituição de Joe Biden. O contraste entre a condição física e mental dele e de Donald Trump foi brutal, e pode comprometer de forma irreversível a campanha.

O desafio de Joe Biden no debate da CNN era provar que tem capacidade física e mental de governar por mais quatro anos. O desafio de Donald Trump era se mostrar contido, racional, coerente, polido: “presidenciável”. Trump atingiu seu objetivo; Biden fracassou.

Biden conquistou nas primárias 90% dos cerca de 4 mil delegados para a convenção do Partido Democrata, marcada para os dias 19 e 20 de agosto em Chicago. Os delegados têm o compromisso político mas não a obrigação legal de votar no candidato para o qual foram eleitos. Sobretudo se o próprio Biden desistir e indicar outro ou outra candidata, os delegados poderão substituí-lo, embora seja algo inusitado.

Os obstáculos são dois: o próprio Biden aceitar isso, e o partido encontrar um substituto capaz de derrotar Trump. Kamala Harris, a vice-presidente, seria a candidata natural, mas seu desempenho não foi considerado bom pelos próprios democratas. E um presidente desistir de disputar a reeleição seria um reconhecimento do fracasso de seu governo.

O presidente estava afônico. Funcionários da Casa Branca informaram que ele está gripado. Para o eleitor, não importa. O desempenho de Biden confirmou a percepção de um homem frágil, desarticulado e senil. Ele se perdeu várias vezes na argumentação e chegou a trocar os nomes de Trump e Vladimir Putin.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o ex-presidente americano Donald Trump debatem em Atlanta, Geórgia  Foto: Justin Sullivan/AFP

Num dos momentos em que Biden finalizou uma frase sem muita clareza, sobre um tema crítico, a imigração, Trump ironizou: “Não entendi o que ele quis dizer. Acho que nem ele sabe”. Pelas regras do debate, ambos tinham tempos iguais. No entanto, Trump falou por 38 minutos; Biden, 33. O presidente não aproveitou todo o tempo que tinha.

Num sinal do mau desempenho de seu candidato, os democratas deixaram rapidamente o auditório da CNN em Atlanta assim que terminou o debate. Mas alguns admitiram, pedindo para não ser identificados, que “foi um desastre”. Os republicanos, em contraste, se demoraram no local, para festejar a vitória e dar entrevistas aos jornalistas.

Um dos principais temas foi a situação econômica. Biden enalteceu a geração de empregos e o crescimento econômico, disse que herdou uma economia em destroços de Trump, mas reconheceu que “ainda há mais para ser feito”. Trump aproveitou esse e outros momentos de “sincericídio” de Biden dizendo: “Isso que ele disse é verdade”.

O ex-presidente quase nunca faz esse tipo de admissão e sempre considera tudo o que conquistou “o melhor da história”. Trump garantiu que entregou o governo com uma “ótima economia”, e que Biden “não precisava fazer nada”, mas “destruiu tudo”. Segundo ele, seu governo evitou uma depressão como a de 1929.

Trump foi hábil em explorar uma certa nostalgia que acomete parte dos americanos em relação ao período anterior à pandemia. Ele desenhou um cenário de impostos baixos, dinheiro no bolso, forte atividade econômica e otimismo no início do governo dele, entre 2017 e 2019, até que veio a pandemia, no último ano de seu mandato. Mesmo assim, Trump repetiu que mais pessoas morreram de covid no governo de Biden do que no dele.

Já o presidente procurou responsabilizar a “má gestão” de Trump da pandemia pela magnitude dos problemas econômicos que ela gerou. Quando Trump afirmou que entregou o governo com inflação baixa, Biden retrucou: “A inflação estava baixa porque a economia estava morta, com as costas no chão”.

Ao longo de todo o debate, Trump respondeu à maioria das perguntas trazendo o tema da imigração. Ele acusou Biden de ter escancarado as fronteiras para a entrada de 18 milhões de imigrantes, muitos deles ex-presos, internos de manicômios e terroristas. Não há evidências disso.

Biden rebateu lembrando que assinou recentemente decreto que fecha as fronteiras quando o número de pedidos de entrada atinge 2.500. E que foi Trump que impediu que a bancada republicana no Senado cumprisse um acordo bipartidário que destinava mais de US$ 20 bilhões para aumentar a segurança na fronteira.

Biden chamou Trump de “mentiroso” nessa e em outras passagens, em que seu adversário argumentava com números improváveis.

Se a economia e a imigração deixaram Biden na defensiva, a invasão do Capitólio em 2021 teve esse efeito sobre Trump. O ex-presidente negou que tenha incentivado seus seguidores a invadir o Congresso.

Só na terceira vez em que Dana Bash, analista e apresentadora da CNN, que estava moderando o debate, perguntou se ele aceitará o resultado da eleição, seja qual for, Trump respondeu: “Se for justa e livre, sim”. Ao que Biden rebateu: “Tenho certeza de que ele não vai aceitar. Ele é um chorão, que tentou reverter a derrota (em 2020)”.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump fala durante o primeiro debate presidencial em Atlanta, Geórgia  Foto: Gerald Herbert/AP

O presidente lembrou a condenação de Trump e os outros três processos no qual ele é réu. Já o ex-presidente trouxe a condenação de seu filho, Hunter Biden, pela posse e porte de armas enquanto se reabilitava do uso de drogas. Biden retorquiu: “Você fez sexo com uma atriz pornográfica enquanto sua mulher estava grávida. Quanto foi mesmo que você pagou pelo silêncio dela?” Trump negou a acusação, e repetiu várias vezes que o presidente usa a Justiça para perseguir seu oponente.

Sobre o tema do meio ambiente e mudança climática, Trump, um defensor da indústria do petróleo, argumentou que no seu governo conseguiu “manter a água e o ar limpos”, e que usavam “todos os tipos de energia”. Biden, que aprovou um pacote trilionário para subsidiar infraestrutura e transição energética, não conseguiu articular uma resposta convincente.

Trump afirmou que Putin não teria invadido a Ucrânia se ele fosse presidente, e que resolverá o problema antes mesmo de assumir, se for eleito, sem explicar de que forma. Ele disse que o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, “ganha US$ 60 bilhões toda vez que vai aos Estados Unidos”, e que os americanos gastaram o dobro, US$ 200 bilhões, do que os europeus, com a ajuda à Ucrânia.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fala durante o primeiro debate presidencial em Atlanta, Geórgia  Foto: Gerald Herbert/AP

Na verdade, foram US$ 100 bilhões. Biden não contestou o número, mas disse que essas doações são em armas de fabricação americana. O presidente defendeu a liderança que os Estados Unidos exercem sobre a Otan e afirmou que Trump abandonará a Ucrânia e a Europa se voltar à Casa Branca.

O presidente rechaçou as afirmações de Trump de que os Estados Unidos são “um fracasso”, “ninguém respeita mais o país”, que se tornou de “Terceiro Mundo”. Biden tentou dar à questão um caráter patriótico, e enaltecer também o trabalho dos militares. Trump, em contrapartida, apontou as falhas durante a retirada das Forças Armadas americanas do Afeganistão como prova desse declínio, e responsabilizou Biden.

Os dois disputaram quem seria melhor para os veteranos, um tema de grande simbolismo nos Estados Unidos. Trump desmentiu que tenha chamado de “idiotas e perdedores” soldados americanos que morreram em guerras, uma história explorada várias vezes por Biden durante o debate.

Sobre a saúde física e mental dos dois candidatos, Trump, de 78 anos, argumentou que participa de torneios de golfe e está em “ótima forma”. Ele desafiou Biden, de 81, a fazer um teste cognitivo, no qual ele diz ter passado duas vezes.

Num momento de rara autocrítica, Trump admitiu estar um pouco acima do peso. Biden aproveitou para dizer que aceitaria jogar golfe com Trump, desde que ele carregasse a própria bolsa. “Não sejamos crianças”, retrucou Trump. A frase indica o quanto ele introjetou o conselho de seus assessores, de ter uma atitude mais adulta no debate. Deu certo.

Assim que o debate da CNN terminou, na noite de quinta-feira, ganhou uma nova dimensão uma discussão que já existia entre líderes e analistas democratas: a substituição de Joe Biden. O contraste entre a condição física e mental dele e de Donald Trump foi brutal, e pode comprometer de forma irreversível a campanha.

O desafio de Joe Biden no debate da CNN era provar que tem capacidade física e mental de governar por mais quatro anos. O desafio de Donald Trump era se mostrar contido, racional, coerente, polido: “presidenciável”. Trump atingiu seu objetivo; Biden fracassou.

Biden conquistou nas primárias 90% dos cerca de 4 mil delegados para a convenção do Partido Democrata, marcada para os dias 19 e 20 de agosto em Chicago. Os delegados têm o compromisso político mas não a obrigação legal de votar no candidato para o qual foram eleitos. Sobretudo se o próprio Biden desistir e indicar outro ou outra candidata, os delegados poderão substituí-lo, embora seja algo inusitado.

Os obstáculos são dois: o próprio Biden aceitar isso, e o partido encontrar um substituto capaz de derrotar Trump. Kamala Harris, a vice-presidente, seria a candidata natural, mas seu desempenho não foi considerado bom pelos próprios democratas. E um presidente desistir de disputar a reeleição seria um reconhecimento do fracasso de seu governo.

O presidente estava afônico. Funcionários da Casa Branca informaram que ele está gripado. Para o eleitor, não importa. O desempenho de Biden confirmou a percepção de um homem frágil, desarticulado e senil. Ele se perdeu várias vezes na argumentação e chegou a trocar os nomes de Trump e Vladimir Putin.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o ex-presidente americano Donald Trump debatem em Atlanta, Geórgia  Foto: Justin Sullivan/AFP

Num dos momentos em que Biden finalizou uma frase sem muita clareza, sobre um tema crítico, a imigração, Trump ironizou: “Não entendi o que ele quis dizer. Acho que nem ele sabe”. Pelas regras do debate, ambos tinham tempos iguais. No entanto, Trump falou por 38 minutos; Biden, 33. O presidente não aproveitou todo o tempo que tinha.

Num sinal do mau desempenho de seu candidato, os democratas deixaram rapidamente o auditório da CNN em Atlanta assim que terminou o debate. Mas alguns admitiram, pedindo para não ser identificados, que “foi um desastre”. Os republicanos, em contraste, se demoraram no local, para festejar a vitória e dar entrevistas aos jornalistas.

Um dos principais temas foi a situação econômica. Biden enalteceu a geração de empregos e o crescimento econômico, disse que herdou uma economia em destroços de Trump, mas reconheceu que “ainda há mais para ser feito”. Trump aproveitou esse e outros momentos de “sincericídio” de Biden dizendo: “Isso que ele disse é verdade”.

O ex-presidente quase nunca faz esse tipo de admissão e sempre considera tudo o que conquistou “o melhor da história”. Trump garantiu que entregou o governo com uma “ótima economia”, e que Biden “não precisava fazer nada”, mas “destruiu tudo”. Segundo ele, seu governo evitou uma depressão como a de 1929.

Trump foi hábil em explorar uma certa nostalgia que acomete parte dos americanos em relação ao período anterior à pandemia. Ele desenhou um cenário de impostos baixos, dinheiro no bolso, forte atividade econômica e otimismo no início do governo dele, entre 2017 e 2019, até que veio a pandemia, no último ano de seu mandato. Mesmo assim, Trump repetiu que mais pessoas morreram de covid no governo de Biden do que no dele.

Já o presidente procurou responsabilizar a “má gestão” de Trump da pandemia pela magnitude dos problemas econômicos que ela gerou. Quando Trump afirmou que entregou o governo com inflação baixa, Biden retrucou: “A inflação estava baixa porque a economia estava morta, com as costas no chão”.

Ao longo de todo o debate, Trump respondeu à maioria das perguntas trazendo o tema da imigração. Ele acusou Biden de ter escancarado as fronteiras para a entrada de 18 milhões de imigrantes, muitos deles ex-presos, internos de manicômios e terroristas. Não há evidências disso.

Biden rebateu lembrando que assinou recentemente decreto que fecha as fronteiras quando o número de pedidos de entrada atinge 2.500. E que foi Trump que impediu que a bancada republicana no Senado cumprisse um acordo bipartidário que destinava mais de US$ 20 bilhões para aumentar a segurança na fronteira.

Biden chamou Trump de “mentiroso” nessa e em outras passagens, em que seu adversário argumentava com números improváveis.

Se a economia e a imigração deixaram Biden na defensiva, a invasão do Capitólio em 2021 teve esse efeito sobre Trump. O ex-presidente negou que tenha incentivado seus seguidores a invadir o Congresso.

Só na terceira vez em que Dana Bash, analista e apresentadora da CNN, que estava moderando o debate, perguntou se ele aceitará o resultado da eleição, seja qual for, Trump respondeu: “Se for justa e livre, sim”. Ao que Biden rebateu: “Tenho certeza de que ele não vai aceitar. Ele é um chorão, que tentou reverter a derrota (em 2020)”.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump fala durante o primeiro debate presidencial em Atlanta, Geórgia  Foto: Gerald Herbert/AP

O presidente lembrou a condenação de Trump e os outros três processos no qual ele é réu. Já o ex-presidente trouxe a condenação de seu filho, Hunter Biden, pela posse e porte de armas enquanto se reabilitava do uso de drogas. Biden retorquiu: “Você fez sexo com uma atriz pornográfica enquanto sua mulher estava grávida. Quanto foi mesmo que você pagou pelo silêncio dela?” Trump negou a acusação, e repetiu várias vezes que o presidente usa a Justiça para perseguir seu oponente.

Sobre o tema do meio ambiente e mudança climática, Trump, um defensor da indústria do petróleo, argumentou que no seu governo conseguiu “manter a água e o ar limpos”, e que usavam “todos os tipos de energia”. Biden, que aprovou um pacote trilionário para subsidiar infraestrutura e transição energética, não conseguiu articular uma resposta convincente.

Trump afirmou que Putin não teria invadido a Ucrânia se ele fosse presidente, e que resolverá o problema antes mesmo de assumir, se for eleito, sem explicar de que forma. Ele disse que o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, “ganha US$ 60 bilhões toda vez que vai aos Estados Unidos”, e que os americanos gastaram o dobro, US$ 200 bilhões, do que os europeus, com a ajuda à Ucrânia.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fala durante o primeiro debate presidencial em Atlanta, Geórgia  Foto: Gerald Herbert/AP

Na verdade, foram US$ 100 bilhões. Biden não contestou o número, mas disse que essas doações são em armas de fabricação americana. O presidente defendeu a liderança que os Estados Unidos exercem sobre a Otan e afirmou que Trump abandonará a Ucrânia e a Europa se voltar à Casa Branca.

O presidente rechaçou as afirmações de Trump de que os Estados Unidos são “um fracasso”, “ninguém respeita mais o país”, que se tornou de “Terceiro Mundo”. Biden tentou dar à questão um caráter patriótico, e enaltecer também o trabalho dos militares. Trump, em contrapartida, apontou as falhas durante a retirada das Forças Armadas americanas do Afeganistão como prova desse declínio, e responsabilizou Biden.

Os dois disputaram quem seria melhor para os veteranos, um tema de grande simbolismo nos Estados Unidos. Trump desmentiu que tenha chamado de “idiotas e perdedores” soldados americanos que morreram em guerras, uma história explorada várias vezes por Biden durante o debate.

Sobre a saúde física e mental dos dois candidatos, Trump, de 78 anos, argumentou que participa de torneios de golfe e está em “ótima forma”. Ele desafiou Biden, de 81, a fazer um teste cognitivo, no qual ele diz ter passado duas vezes.

Num momento de rara autocrítica, Trump admitiu estar um pouco acima do peso. Biden aproveitou para dizer que aceitaria jogar golfe com Trump, desde que ele carregasse a própria bolsa. “Não sejamos crianças”, retrucou Trump. A frase indica o quanto ele introjetou o conselho de seus assessores, de ter uma atitude mais adulta no debate. Deu certo.

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