É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Visita de Putin à Coreia do Norte é consolidação de um quadro alarmante para o mundo


Surge um alinhamento entre China, Rússia, Coreia do Norte e Irã, para fazer frente a uma vasta rede de alianças militares e parcerias estratégicas, que envolve EUA, Europa e Japão

Por Lourival Sant'Anna

Há momentos na História em que os fatos se desencadeiam de forma acelerada, num movimento de ação-reação que adquire dinâmica própria. Nem sequer os protagonistas poderiam parar — mesmo que quisessem. Foi assim na 1ª e na 2ª Guerra Mundial. É assim agora. A ida de Vladimir Putin à Coreia do Norte foi mais um lance nesse dominó.

Putin e Kim Jong-un formalizaram na quarta-feira, 19, em Pyongyang um pacto de defesa mútua, na primeira visita do homem forte russo em 24 anos. “Pyongyang tem o direito de adotar medidas razoáveis para reforçar sua capacidade de defesa própria, garantir a segurança nacional e proteger a soberania”, declarou Putin.

Kim classificou o pacto como “tratado de aliança”, que no jargão significa compromisso recíproco de entrar em guerra para defender o outro. Ele expressou “apoio total” à “operação militar especial” da Rússia na Ucrânia. No dia seguinte, já no Vietnã, Putin afirmou a repórteres que a Rússia “se reserva o direito de fornecer armas a outros países, incluindo a Coreia do Norte”.

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Diante disso, a Coreia do Sul reconsidera enviar armas para a Ucrânia, informou a agência sul-coreana Yonhap. Ao ver a notícia, Putin, por sua vez, advertiu que o país cometeria “um grande erro” se tomasse essa decisão, e que a Rússia responderia de forma “dolorosa” para os sul-coreanos.

Tudo isso representa uma realidade nova. Antes da invasão em grande escala da Ucrânia em 2022, o governo russo apoiou as sanções adotadas pelo Conselho de Segurança da ONU contra a Coreia do Norte, a cada etapa do desenvolvimento dos programas nuclear e de mísseis do país.

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Em 1961, a então União Soviética firmou tratado de defesa mútua com a Coreia do Norte. Quando Putin visitou Pyongyang pela primeira vez, logo depois de assumir o poder, em 2000, esse tratado foi substituído por um acordo que previa apenas “contato mútuo” em caso de emergência de segurança, não intervenção russa.

A surpreendente resistência da Ucrânia, apoiada pela Otan, reduziu drasticamente os estoques russos de mísseis e munição de artilharia. Os russos se tornaram dependentes da reposição da Coreia do Norte e do Irã, além de componentes de uso dual da China para fabricação de armas na própria Rússia.

Vladimir Putin e Kim Jong-un em uma cerimônia oficial de boas-vindas na Praça Kim Il Sung em Pyongyang, na quarta-feira, 19. Foto: Vladimir Smirnov, Sputnik, KremlinFoto via AP, Arquivo
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A Coreia do Sul, que monitora o inimigo do norte, estima que os norte-coreanos tenham enviado 4,8 milhões de granadas de artilharia e dezenas de mísseis em 10 mil contêineres por navio para a Rússia. Ao menos 10 mísseis de fabricação norte-coreana foram disparados pela Rússia contra a Ucrânia.

As posições assumidas por Putin equivalem, na prática, ao reconhecimento da Coreia do Norte como potência nuclear. Nem mesmo a China, o mais importante aliado de Pyongyang, deu esse passo. O ditador russo mencionou uma possível “cooperação no desenvolvimento técnico-militar”, o que violaria as sanções que a Rússia ajudou a aprovar.

Kim visitou Moscou em setembro. Na pauta estava esse tipo de cooperação. Em novembro, a Coreia do Norte lançou com sucesso seu primeiro satélite de espionagem militar, depois de duas tentativas frustradas. Pode ter sido o primeiro resultado visível da cooperação.

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A Coreia do Norte tem interesse também em tecnologia de enriquecimento de urânio, desenhos de reatores e propulsão nuclear para submarinos. Estima-se que o país tenha 30 ogivas nucleares. Segundo o Japão, um míssil intercontinental lançado pelos norte-coreanos em dezembro tinha 15 mil km de alcance, e poderia atingir qualquer ponto do território americano.

O Irã, outro aliado de Rússia e China, está muito próximo de enriquecer urânio em grau suficiente para produzir bombas nucleares. O país fornece drones e mísseis para a Rússia, e espera a mesma contrapartida que a Coreia do Norte.

Putin e Kim Jong-un formalizaram na quarta-feira, 19, em Pyongyang um pacto de defesa mútua, na primeira visita do russo em 24 anos. Foto: Korean Central News Agency/Korea News Service via AP
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Surge um alinhamento entre China, Rússia, Coreia do Norte e Irã, para fazer frente a uma vasta rede de alianças militares e parcerias estratégicas, que envolve Estados Unidos, Canadá, Europa, Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Austrália, Nova Zelândia e Filipinas.

A consolidação dessa rede foi impulsionada pela invasão da Ucrânia, o apoio de Xi Jinping à Rússia, a ameaça de anexação de Taiwan e a projeção chinesa nos mares do Leste e Sul da China. Pequim disputa territórios com os países da região e os intimida com uma rotina de navegação hostil, interceptação de embarcações e confisco de cargas.

Os chineses estão em francos preparativos para invadir Taiwan. Uma fonte que visita frequentemente a cidade de Yiwu, na costa chinesa, de frente para Taiwan, me disse que ao menos 30 caças decolam diariamente do aeroporto local desde março.

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O quadro é alarmante.

Há momentos na História em que os fatos se desencadeiam de forma acelerada, num movimento de ação-reação que adquire dinâmica própria. Nem sequer os protagonistas poderiam parar — mesmo que quisessem. Foi assim na 1ª e na 2ª Guerra Mundial. É assim agora. A ida de Vladimir Putin à Coreia do Norte foi mais um lance nesse dominó.

Putin e Kim Jong-un formalizaram na quarta-feira, 19, em Pyongyang um pacto de defesa mútua, na primeira visita do homem forte russo em 24 anos. “Pyongyang tem o direito de adotar medidas razoáveis para reforçar sua capacidade de defesa própria, garantir a segurança nacional e proteger a soberania”, declarou Putin.

Kim classificou o pacto como “tratado de aliança”, que no jargão significa compromisso recíproco de entrar em guerra para defender o outro. Ele expressou “apoio total” à “operação militar especial” da Rússia na Ucrânia. No dia seguinte, já no Vietnã, Putin afirmou a repórteres que a Rússia “se reserva o direito de fornecer armas a outros países, incluindo a Coreia do Norte”.

Diante disso, a Coreia do Sul reconsidera enviar armas para a Ucrânia, informou a agência sul-coreana Yonhap. Ao ver a notícia, Putin, por sua vez, advertiu que o país cometeria “um grande erro” se tomasse essa decisão, e que a Rússia responderia de forma “dolorosa” para os sul-coreanos.

Tudo isso representa uma realidade nova. Antes da invasão em grande escala da Ucrânia em 2022, o governo russo apoiou as sanções adotadas pelo Conselho de Segurança da ONU contra a Coreia do Norte, a cada etapa do desenvolvimento dos programas nuclear e de mísseis do país.

Em 1961, a então União Soviética firmou tratado de defesa mútua com a Coreia do Norte. Quando Putin visitou Pyongyang pela primeira vez, logo depois de assumir o poder, em 2000, esse tratado foi substituído por um acordo que previa apenas “contato mútuo” em caso de emergência de segurança, não intervenção russa.

A surpreendente resistência da Ucrânia, apoiada pela Otan, reduziu drasticamente os estoques russos de mísseis e munição de artilharia. Os russos se tornaram dependentes da reposição da Coreia do Norte e do Irã, além de componentes de uso dual da China para fabricação de armas na própria Rússia.

Vladimir Putin e Kim Jong-un em uma cerimônia oficial de boas-vindas na Praça Kim Il Sung em Pyongyang, na quarta-feira, 19. Foto: Vladimir Smirnov, Sputnik, KremlinFoto via AP, Arquivo

A Coreia do Sul, que monitora o inimigo do norte, estima que os norte-coreanos tenham enviado 4,8 milhões de granadas de artilharia e dezenas de mísseis em 10 mil contêineres por navio para a Rússia. Ao menos 10 mísseis de fabricação norte-coreana foram disparados pela Rússia contra a Ucrânia.

As posições assumidas por Putin equivalem, na prática, ao reconhecimento da Coreia do Norte como potência nuclear. Nem mesmo a China, o mais importante aliado de Pyongyang, deu esse passo. O ditador russo mencionou uma possível “cooperação no desenvolvimento técnico-militar”, o que violaria as sanções que a Rússia ajudou a aprovar.

Kim visitou Moscou em setembro. Na pauta estava esse tipo de cooperação. Em novembro, a Coreia do Norte lançou com sucesso seu primeiro satélite de espionagem militar, depois de duas tentativas frustradas. Pode ter sido o primeiro resultado visível da cooperação.

A Coreia do Norte tem interesse também em tecnologia de enriquecimento de urânio, desenhos de reatores e propulsão nuclear para submarinos. Estima-se que o país tenha 30 ogivas nucleares. Segundo o Japão, um míssil intercontinental lançado pelos norte-coreanos em dezembro tinha 15 mil km de alcance, e poderia atingir qualquer ponto do território americano.

O Irã, outro aliado de Rússia e China, está muito próximo de enriquecer urânio em grau suficiente para produzir bombas nucleares. O país fornece drones e mísseis para a Rússia, e espera a mesma contrapartida que a Coreia do Norte.

Putin e Kim Jong-un formalizaram na quarta-feira, 19, em Pyongyang um pacto de defesa mútua, na primeira visita do russo em 24 anos. Foto: Korean Central News Agency/Korea News Service via AP

Surge um alinhamento entre China, Rússia, Coreia do Norte e Irã, para fazer frente a uma vasta rede de alianças militares e parcerias estratégicas, que envolve Estados Unidos, Canadá, Europa, Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Austrália, Nova Zelândia e Filipinas.

A consolidação dessa rede foi impulsionada pela invasão da Ucrânia, o apoio de Xi Jinping à Rússia, a ameaça de anexação de Taiwan e a projeção chinesa nos mares do Leste e Sul da China. Pequim disputa territórios com os países da região e os intimida com uma rotina de navegação hostil, interceptação de embarcações e confisco de cargas.

Os chineses estão em francos preparativos para invadir Taiwan. Uma fonte que visita frequentemente a cidade de Yiwu, na costa chinesa, de frente para Taiwan, me disse que ao menos 30 caças decolam diariamente do aeroporto local desde março.

O quadro é alarmante.

Há momentos na História em que os fatos se desencadeiam de forma acelerada, num movimento de ação-reação que adquire dinâmica própria. Nem sequer os protagonistas poderiam parar — mesmo que quisessem. Foi assim na 1ª e na 2ª Guerra Mundial. É assim agora. A ida de Vladimir Putin à Coreia do Norte foi mais um lance nesse dominó.

Putin e Kim Jong-un formalizaram na quarta-feira, 19, em Pyongyang um pacto de defesa mútua, na primeira visita do homem forte russo em 24 anos. “Pyongyang tem o direito de adotar medidas razoáveis para reforçar sua capacidade de defesa própria, garantir a segurança nacional e proteger a soberania”, declarou Putin.

Kim classificou o pacto como “tratado de aliança”, que no jargão significa compromisso recíproco de entrar em guerra para defender o outro. Ele expressou “apoio total” à “operação militar especial” da Rússia na Ucrânia. No dia seguinte, já no Vietnã, Putin afirmou a repórteres que a Rússia “se reserva o direito de fornecer armas a outros países, incluindo a Coreia do Norte”.

Diante disso, a Coreia do Sul reconsidera enviar armas para a Ucrânia, informou a agência sul-coreana Yonhap. Ao ver a notícia, Putin, por sua vez, advertiu que o país cometeria “um grande erro” se tomasse essa decisão, e que a Rússia responderia de forma “dolorosa” para os sul-coreanos.

Tudo isso representa uma realidade nova. Antes da invasão em grande escala da Ucrânia em 2022, o governo russo apoiou as sanções adotadas pelo Conselho de Segurança da ONU contra a Coreia do Norte, a cada etapa do desenvolvimento dos programas nuclear e de mísseis do país.

Em 1961, a então União Soviética firmou tratado de defesa mútua com a Coreia do Norte. Quando Putin visitou Pyongyang pela primeira vez, logo depois de assumir o poder, em 2000, esse tratado foi substituído por um acordo que previa apenas “contato mútuo” em caso de emergência de segurança, não intervenção russa.

A surpreendente resistência da Ucrânia, apoiada pela Otan, reduziu drasticamente os estoques russos de mísseis e munição de artilharia. Os russos se tornaram dependentes da reposição da Coreia do Norte e do Irã, além de componentes de uso dual da China para fabricação de armas na própria Rússia.

Vladimir Putin e Kim Jong-un em uma cerimônia oficial de boas-vindas na Praça Kim Il Sung em Pyongyang, na quarta-feira, 19. Foto: Vladimir Smirnov, Sputnik, KremlinFoto via AP, Arquivo

A Coreia do Sul, que monitora o inimigo do norte, estima que os norte-coreanos tenham enviado 4,8 milhões de granadas de artilharia e dezenas de mísseis em 10 mil contêineres por navio para a Rússia. Ao menos 10 mísseis de fabricação norte-coreana foram disparados pela Rússia contra a Ucrânia.

As posições assumidas por Putin equivalem, na prática, ao reconhecimento da Coreia do Norte como potência nuclear. Nem mesmo a China, o mais importante aliado de Pyongyang, deu esse passo. O ditador russo mencionou uma possível “cooperação no desenvolvimento técnico-militar”, o que violaria as sanções que a Rússia ajudou a aprovar.

Kim visitou Moscou em setembro. Na pauta estava esse tipo de cooperação. Em novembro, a Coreia do Norte lançou com sucesso seu primeiro satélite de espionagem militar, depois de duas tentativas frustradas. Pode ter sido o primeiro resultado visível da cooperação.

A Coreia do Norte tem interesse também em tecnologia de enriquecimento de urânio, desenhos de reatores e propulsão nuclear para submarinos. Estima-se que o país tenha 30 ogivas nucleares. Segundo o Japão, um míssil intercontinental lançado pelos norte-coreanos em dezembro tinha 15 mil km de alcance, e poderia atingir qualquer ponto do território americano.

O Irã, outro aliado de Rússia e China, está muito próximo de enriquecer urânio em grau suficiente para produzir bombas nucleares. O país fornece drones e mísseis para a Rússia, e espera a mesma contrapartida que a Coreia do Norte.

Putin e Kim Jong-un formalizaram na quarta-feira, 19, em Pyongyang um pacto de defesa mútua, na primeira visita do russo em 24 anos. Foto: Korean Central News Agency/Korea News Service via AP

Surge um alinhamento entre China, Rússia, Coreia do Norte e Irã, para fazer frente a uma vasta rede de alianças militares e parcerias estratégicas, que envolve Estados Unidos, Canadá, Europa, Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Austrália, Nova Zelândia e Filipinas.

A consolidação dessa rede foi impulsionada pela invasão da Ucrânia, o apoio de Xi Jinping à Rússia, a ameaça de anexação de Taiwan e a projeção chinesa nos mares do Leste e Sul da China. Pequim disputa territórios com os países da região e os intimida com uma rotina de navegação hostil, interceptação de embarcações e confisco de cargas.

Os chineses estão em francos preparativos para invadir Taiwan. Uma fonte que visita frequentemente a cidade de Yiwu, na costa chinesa, de frente para Taiwan, me disse que ao menos 30 caças decolam diariamente do aeroporto local desde março.

O quadro é alarmante.

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