É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|A visita de Macron e o tímido afastamento de Lula da ditadura venezuelana


Política externa brasileira teve um reencontro com o Iluminismo com a visita do presidente francês. É cedo para dizer se foi o despertar de um longo e profundo sono dogmático

Por Lourival Sant'Anna

A política externa brasileira teve um reencontro com o Iluminismo. Se foi o despertar de um longo e profundo sono dogmático ou apenas um breve clarão em meio às trevas, é cedo para dizer. Em três dias de visita, Emmanuel Macron percorreu sorridentemente com Lula os eixos estratégicos das relações Brasil-França. O presidente brasileiro aproveitou o instante de lucidez até para se desmarcar, ainda que timidamente, da ditadura venezuelana.

Lula e Macron têm vários pontos em comum. Ambos enfrentam uma oposição autoritária, governam países amazônicos, recusam-se a se alinhar com os EUA e detestam Jair Bolsonaro.

Lula e Macron têm vários pontos em comum; ambos enfrentam uma oposição autoritária Foto: AP / AP Foto/Eraldo Peres
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Eles se comprometeram em Belém a investir 1 bilhão de euros em iniciativas de conservação e desenvolvimento sustentável nos próximos quatro anos na Amazônia brasileira e na Guiana Francesa. Isso é quase três vezes todo o Fundo Amazônia.

No fórum empresarial Brasil-França, em São Paulo, com ênfase na transição energética, Macron celebrou aumento de 26% nos investimentos franceses no Brasil, ultrapassando estoque de 40 bilhões de euros. Mais de 1.100 filiais de empresas francesas atuam no Brasil. Com mais de meio milhão de contratados, os franceses são os maiores empregadores estrangeiros aqui.

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Até mesmo em um ponto prejudicial aos interesses do Brasil, a implosão do acordo Mercosul-União Europeia, os dois presidentes estão alinhados. Macron acredita no livre comércio, mas não encontra condições políticas para fazer frente ao protecionismo agrícola francês, explorado por sua rival Marine Le Pen.

Lula não acredita em livre comércio. Há mais de 20 anos ele protege os setores da indústria e dos serviços da competição externa. Em seu primeiro mandato, torpedeou a criação da Área de Livre Comércio das Américas.

Lula respondeu ao banimento europeu às importações de commodities associadas ao desmatamento com outro obstáculo: a proteção das compras governamentais. Assim, os dois amigos podem culpar um ao outro pelo sepultamento do acordo.

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No Rio, ambos viram a Marinha brasileira lançar ao mar o submarino Tonelero, o terceiro construído com tecnologia francesa. Macron afirmou que a França não transferiu tanta tecnologia de defesa a nenhum outro país. A parceria envolve a construção de cinco submarinos, o último deles com propulsão nuclear.

O Brasil tem outros cinco submarinos, fruto de parceria com a Alemanha, que também compartilhou tecnologia. É o único país do Hemisfério Sul com capacidade de construir submarinos. Essas armas são estratégicas para a proteção da vasta e rica costa brasileira. A propulsão nuclear eleva sua autonomia e reforça seu maior ativo: a invisibilidade.

Noutro lampejo, o presidente brasileiro abandonou o discurso contra a aquisição de armas, que o levou no passado recente a acusar Estados Unidos e Europa de terem interesse em fomentar a agressão russa contra a Ucrânia. “Queremos ter conhecimento para garantir a todos os países que querem paz que saibam que o Brasil estará ao lado de todos porque a guerra não constrói, a guerra destrói”, discursou.

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É o poder de dissuasão, e não a retórica pacifista, que previne guerras. O escritor romano Flávio Vegécio já sabia disso no século 4: “Aquele que deseja a paz precisa se preparar para a guerra”.

Macron afirmou que potências pacíficas como França e Brasil têm de “falar com firmeza e força”, caso não queiram ser “lacaios” de outras nações: “Nós temos a mesma visão de mundo. Rejeitamos um mundo que seja prisioneiro da conflitualidade entre duas grandes potências. E temos de defender nossa independência, nossa soberania e o direito internacional”.

Macron é herdeiro de uma antiga tradição francesa, que preconiza um sistema de defesa europeu robusto e independente dos EUA. A França não faz parte da estrutura militar da Otan, mesmo sendo aliada. Esse propósito se tornou mais crítico para a Europa com a ascensão de Donald Trump, que ameaça violar as alianças de defesa dos EUA.

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Ao mesmo tempo, Macron é um dos líderes da ajuda militar à Ucrânia, e tem afirmado que a Rússia precisa ser derrotada. Mas não se espera que Lula entenda isso. O Brasil não é relevante nessa questão.

Na região em que o Brasil pode exercer um papel, a América Latina, Lula parece ter entendido algo. “Não tem explicação jurídica, política, você proibir um adversário de ser candidato”, disse ele sobre a exclusão da candidata da oposição venezuelana, Corina Yoris, por sua vez substituta da verdadeira candidata impedida de disputar a eleição presidencial, María Corina Machado.

Macron precisa voltar mais vezes.

A política externa brasileira teve um reencontro com o Iluminismo. Se foi o despertar de um longo e profundo sono dogmático ou apenas um breve clarão em meio às trevas, é cedo para dizer. Em três dias de visita, Emmanuel Macron percorreu sorridentemente com Lula os eixos estratégicos das relações Brasil-França. O presidente brasileiro aproveitou o instante de lucidez até para se desmarcar, ainda que timidamente, da ditadura venezuelana.

Lula e Macron têm vários pontos em comum. Ambos enfrentam uma oposição autoritária, governam países amazônicos, recusam-se a se alinhar com os EUA e detestam Jair Bolsonaro.

Lula e Macron têm vários pontos em comum; ambos enfrentam uma oposição autoritária Foto: AP / AP Foto/Eraldo Peres

Eles se comprometeram em Belém a investir 1 bilhão de euros em iniciativas de conservação e desenvolvimento sustentável nos próximos quatro anos na Amazônia brasileira e na Guiana Francesa. Isso é quase três vezes todo o Fundo Amazônia.

No fórum empresarial Brasil-França, em São Paulo, com ênfase na transição energética, Macron celebrou aumento de 26% nos investimentos franceses no Brasil, ultrapassando estoque de 40 bilhões de euros. Mais de 1.100 filiais de empresas francesas atuam no Brasil. Com mais de meio milhão de contratados, os franceses são os maiores empregadores estrangeiros aqui.

Até mesmo em um ponto prejudicial aos interesses do Brasil, a implosão do acordo Mercosul-União Europeia, os dois presidentes estão alinhados. Macron acredita no livre comércio, mas não encontra condições políticas para fazer frente ao protecionismo agrícola francês, explorado por sua rival Marine Le Pen.

Lula não acredita em livre comércio. Há mais de 20 anos ele protege os setores da indústria e dos serviços da competição externa. Em seu primeiro mandato, torpedeou a criação da Área de Livre Comércio das Américas.

Lula respondeu ao banimento europeu às importações de commodities associadas ao desmatamento com outro obstáculo: a proteção das compras governamentais. Assim, os dois amigos podem culpar um ao outro pelo sepultamento do acordo.

No Rio, ambos viram a Marinha brasileira lançar ao mar o submarino Tonelero, o terceiro construído com tecnologia francesa. Macron afirmou que a França não transferiu tanta tecnologia de defesa a nenhum outro país. A parceria envolve a construção de cinco submarinos, o último deles com propulsão nuclear.

O Brasil tem outros cinco submarinos, fruto de parceria com a Alemanha, que também compartilhou tecnologia. É o único país do Hemisfério Sul com capacidade de construir submarinos. Essas armas são estratégicas para a proteção da vasta e rica costa brasileira. A propulsão nuclear eleva sua autonomia e reforça seu maior ativo: a invisibilidade.

Noutro lampejo, o presidente brasileiro abandonou o discurso contra a aquisição de armas, que o levou no passado recente a acusar Estados Unidos e Europa de terem interesse em fomentar a agressão russa contra a Ucrânia. “Queremos ter conhecimento para garantir a todos os países que querem paz que saibam que o Brasil estará ao lado de todos porque a guerra não constrói, a guerra destrói”, discursou.

É o poder de dissuasão, e não a retórica pacifista, que previne guerras. O escritor romano Flávio Vegécio já sabia disso no século 4: “Aquele que deseja a paz precisa se preparar para a guerra”.

Macron afirmou que potências pacíficas como França e Brasil têm de “falar com firmeza e força”, caso não queiram ser “lacaios” de outras nações: “Nós temos a mesma visão de mundo. Rejeitamos um mundo que seja prisioneiro da conflitualidade entre duas grandes potências. E temos de defender nossa independência, nossa soberania e o direito internacional”.

Macron é herdeiro de uma antiga tradição francesa, que preconiza um sistema de defesa europeu robusto e independente dos EUA. A França não faz parte da estrutura militar da Otan, mesmo sendo aliada. Esse propósito se tornou mais crítico para a Europa com a ascensão de Donald Trump, que ameaça violar as alianças de defesa dos EUA.

Ao mesmo tempo, Macron é um dos líderes da ajuda militar à Ucrânia, e tem afirmado que a Rússia precisa ser derrotada. Mas não se espera que Lula entenda isso. O Brasil não é relevante nessa questão.

Na região em que o Brasil pode exercer um papel, a América Latina, Lula parece ter entendido algo. “Não tem explicação jurídica, política, você proibir um adversário de ser candidato”, disse ele sobre a exclusão da candidata da oposição venezuelana, Corina Yoris, por sua vez substituta da verdadeira candidata impedida de disputar a eleição presidencial, María Corina Machado.

Macron precisa voltar mais vezes.

A política externa brasileira teve um reencontro com o Iluminismo. Se foi o despertar de um longo e profundo sono dogmático ou apenas um breve clarão em meio às trevas, é cedo para dizer. Em três dias de visita, Emmanuel Macron percorreu sorridentemente com Lula os eixos estratégicos das relações Brasil-França. O presidente brasileiro aproveitou o instante de lucidez até para se desmarcar, ainda que timidamente, da ditadura venezuelana.

Lula e Macron têm vários pontos em comum. Ambos enfrentam uma oposição autoritária, governam países amazônicos, recusam-se a se alinhar com os EUA e detestam Jair Bolsonaro.

Lula e Macron têm vários pontos em comum; ambos enfrentam uma oposição autoritária Foto: AP / AP Foto/Eraldo Peres

Eles se comprometeram em Belém a investir 1 bilhão de euros em iniciativas de conservação e desenvolvimento sustentável nos próximos quatro anos na Amazônia brasileira e na Guiana Francesa. Isso é quase três vezes todo o Fundo Amazônia.

No fórum empresarial Brasil-França, em São Paulo, com ênfase na transição energética, Macron celebrou aumento de 26% nos investimentos franceses no Brasil, ultrapassando estoque de 40 bilhões de euros. Mais de 1.100 filiais de empresas francesas atuam no Brasil. Com mais de meio milhão de contratados, os franceses são os maiores empregadores estrangeiros aqui.

Até mesmo em um ponto prejudicial aos interesses do Brasil, a implosão do acordo Mercosul-União Europeia, os dois presidentes estão alinhados. Macron acredita no livre comércio, mas não encontra condições políticas para fazer frente ao protecionismo agrícola francês, explorado por sua rival Marine Le Pen.

Lula não acredita em livre comércio. Há mais de 20 anos ele protege os setores da indústria e dos serviços da competição externa. Em seu primeiro mandato, torpedeou a criação da Área de Livre Comércio das Américas.

Lula respondeu ao banimento europeu às importações de commodities associadas ao desmatamento com outro obstáculo: a proteção das compras governamentais. Assim, os dois amigos podem culpar um ao outro pelo sepultamento do acordo.

No Rio, ambos viram a Marinha brasileira lançar ao mar o submarino Tonelero, o terceiro construído com tecnologia francesa. Macron afirmou que a França não transferiu tanta tecnologia de defesa a nenhum outro país. A parceria envolve a construção de cinco submarinos, o último deles com propulsão nuclear.

O Brasil tem outros cinco submarinos, fruto de parceria com a Alemanha, que também compartilhou tecnologia. É o único país do Hemisfério Sul com capacidade de construir submarinos. Essas armas são estratégicas para a proteção da vasta e rica costa brasileira. A propulsão nuclear eleva sua autonomia e reforça seu maior ativo: a invisibilidade.

Noutro lampejo, o presidente brasileiro abandonou o discurso contra a aquisição de armas, que o levou no passado recente a acusar Estados Unidos e Europa de terem interesse em fomentar a agressão russa contra a Ucrânia. “Queremos ter conhecimento para garantir a todos os países que querem paz que saibam que o Brasil estará ao lado de todos porque a guerra não constrói, a guerra destrói”, discursou.

É o poder de dissuasão, e não a retórica pacifista, que previne guerras. O escritor romano Flávio Vegécio já sabia disso no século 4: “Aquele que deseja a paz precisa se preparar para a guerra”.

Macron afirmou que potências pacíficas como França e Brasil têm de “falar com firmeza e força”, caso não queiram ser “lacaios” de outras nações: “Nós temos a mesma visão de mundo. Rejeitamos um mundo que seja prisioneiro da conflitualidade entre duas grandes potências. E temos de defender nossa independência, nossa soberania e o direito internacional”.

Macron é herdeiro de uma antiga tradição francesa, que preconiza um sistema de defesa europeu robusto e independente dos EUA. A França não faz parte da estrutura militar da Otan, mesmo sendo aliada. Esse propósito se tornou mais crítico para a Europa com a ascensão de Donald Trump, que ameaça violar as alianças de defesa dos EUA.

Ao mesmo tempo, Macron é um dos líderes da ajuda militar à Ucrânia, e tem afirmado que a Rússia precisa ser derrotada. Mas não se espera que Lula entenda isso. O Brasil não é relevante nessa questão.

Na região em que o Brasil pode exercer um papel, a América Latina, Lula parece ter entendido algo. “Não tem explicação jurídica, política, você proibir um adversário de ser candidato”, disse ele sobre a exclusão da candidata da oposição venezuelana, Corina Yoris, por sua vez substituta da verdadeira candidata impedida de disputar a eleição presidencial, María Corina Machado.

Macron precisa voltar mais vezes.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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