NOVA YORK - Vinte e cinco anos é tempo o bastante para uma geração esquecer um artista. O Jewish Museum traz a obra de Roberto Burle Marx para Nova York, na primeira retrospectiva do paisagista na cidade, desde 1991. A recém-inaugurada Roberto Burle Marx: Um Modernista Brasileiro fica aberta até 9 de setembro. A mostra é especialmente bem-sucedida, considerando o pequeno espaço que ocupa no andar térreo do museu e a diversidade de meios de um artista que precede em muito tempo o termo multimídia.
A retrospectiva de Burle Marx cobre seis décadas em cem objetos, entre maquetes, desenhos, tapeçaria e joias. A influência de Burle Marx na arte contemporânea é explorada na obra de um grupo que vai de Beatriz Milhazes a Arto Lindsay. Há o pintor venezuelano Juan Araujo, que, quando criança, frequentava o belo Parque del Este, em Caracas, projetado por Burle Marx. Araujo se inspira em formas de jardins do brasileiro. Da fotógrafa italiana Luisa Lambri vemos as imagens dos jardins criados para a casa onde hoje funciona o Instituto Moreira Salles, no Rio. Arto Lindsay compôs uma “paisagem sonora” para acompanhar a reação do visitante ao desenho dos jardins.
referenceClaudia Nahson, uma das curadoras da exposição, explica que, além da impossibilidade óbvia de exibir jardins vivos, sua preocupação era destacar a singularidade de Burle Marx como um criador que “passava de um meio para outro, usando uma nova linguagem e novo vocabulário. Era como se ele fosse uma escola de uma pessoa só”, diz Nahson. Ela lembra que o modernismo de Burle Marx, “o homem que estava no lugar certo, no momento certo” ainda surpreende o público mais familiarizado com o modernismo europeu ao conciliar ruptura com tradição – como no exemplo dos azulejos portugueses usados em seu sítio no Rio e no jardim Moreira Salles.
A peça que domina o centro do salão é a tapeçaria criada para o Centro Cívico de Santo André, com mais de 27 metros de comprimento, que deu à curadora “pesadelos” para planejar seu transporte até Nova York.
Numa era de intenso debate sobre a humanização da grande cidade, Claudia Nahson lembra o pioneirismo de Burle Marx. “Ele dizia: entre projetar um espaço privado e um público escolho sempre o público, porque sua importância só vai aumentar no futuro.” Ela se diz maravilhada com a façanha do parque do Aterro do Flamengo (inaugurado em 1965), uma solução para aliviar o tráfego onde o artista “criou espaços verdes em que é possível ignorar o automóvel”.
“Ele denunciava a devastação da Amazônia, inclusive em palestras no exterior, ainda na década de 1960”, afirma. Frequentadores do Museu Casa de Burle Marx, em Barra de Guaratiba, Estado do Rio, onde o artista viveu desde os anos 1970, até morrer, em 1994, têm mais familiaridade com os jardins, os desenhos, a pintura a óleo. Mas, na exposição nova-iorquina, há uma seção dedicada a projetos judaicos, alguns não realizados, como uma imponente série de vitrais que seriam instalados na sinagoga Beit Yaacov, do Guarujá, um projeto em parceria com seu colaborador e sócio Haruyoshi Ono. Arquiteto e também paisagista, Ono, hoje toca o escritório Burle Marx e Cia., no Rio.
referenceBurle Marx, filho de um judeu-alemão, Wilhelm Marx, e da católica brasileira Cecília Burle, se interessava por espiritualidade em geral. “Mas ele se inspirava também na tradição hebraica da criação do mundo como um jardim, como ele mesmo dizia”, lembra Nahson. “E ele achava que o papel do paisagista era restaurar o paraíso do jardim original.”
Quem chega ao saguão do Jewish Museum, na Quinta Avenida, é saudado primeiro pela festiva instalação da artista cario<CW1>ca Beatriz Milhazes, com cinco esculturas suspensas sob o título Gamboa II. É uma comissão que faz parte do projeto Usando Paredes, Chão e Teto do Museu. Milhazes usa materiais como plástico e papel em penduricalhos de formas variadas, produzidos por artesãos de escolas de samba do Rio, em sua habitual referência à cultura popular. É uma boa introdução visual antes de ingressar no salão dedicado ao artista que tanto enriqueceu a paisagem da cultura brasileira.