Desgraça pouca é bobagem, dirá o consumidor de notícias, exausto com as duas últimas semanas. Como lembrou recentemente o comediante Jon Stewart, a presidência é para exaurir o presidente, não o público.
Não tema, leitor, a coluna a seguir não será um sumário-lamento sobre o caos que emana de Washington. Se não posso oferecer o escapismo de um dueto de Ginger Rogers e Fred Astaire, ofereço aqui um rol de fatos. Sim, fatos para consolar quem se sente como Alice depois de escorregar na toca do coelho e ir parar numa distopia de Cormac McCarthy.
Embora a paz no Oriente Médio continue uma miragem, nos Estados Unidos, há uma aliança sem precedentes entre grupos judeus e muçulmanos, reforçada pela lei que suspendeu a entrada de refugiados sírios. Inúmeras sinagogas patrocinam com doações e trabalho voluntário famílias de refugiados. O diretor da Anti-Defamation League em Nova York, a mais antiga ONG internacional judaica de direitos civis, prometeu se registrar como muçulmano, caso o governo federal cumpra a ameaça de criar um registro de muçulmanos nos EUA.
O jornal New York Times comemorou, na semana passada, o maior número de novos assinantes num trimestre desde que instituiu a paywall, cobrando por acesso ao website, em 2011. O controverso assessor da Casa Branca Steve Bannon deixou claro que ia apoiar a campanha da ultradireitista Marine Le Pen através de seu site extremista Breitbart News. Mas um estudante francês de 22 anos saiu na frente e comprou versões do domínio britbart.fr para neutralizar a influência dos nacionalistas brancos ianques na França.
As listas de best-sellers nos EUA foram tomadas de assalto por literatura de ficção e não ficção da melhor qualidade. Sim, são novelas distópicas como o campeão 1984, de George Orwell e também Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley ou o formidável As Origens do Totalitarismo, em que Hannah Arendt examina a história de regimes autoritários até o stalinismo.
Nas 48 horas seguintes à ordem executiva que baniu a entrada de imigrantes de sete países nos EUA, no momento suspensa por ordem judicial, American Civil Liberties Union recebeu mais de US$ 24 milhões em doações online. A média anual de doações online à ACLU era de US$ 4 milhões. A organização de direitos civis foi fundada há quase cem anos e está na linha de frente de ações judiciais para defender imigrantes e refugiados das novas medidas federais.
Há dezenas de novas iniciativas para atrair céticos para a vida pública. Um dos últimos apelos de Barack Obama, ao se despedir, foi: Se estão decepcionados com os políticos eleitos, vão se candidatar. A Emily’s List, maior organização democrata de promoção da participação política feminina, reuniu 500 mulheres ao final da grande marcha em Washington, no dia 21 de janeiro, para ensinar o beabá de concorrer a cargos eletivos locais e regionais. Pesquisas têm mostrado que, embora o número de mulheres no Congresso, em prefeituras e governos estaduais continue baixo, quando elas se candidatam se elegem e reelegem com margem de vitória semelhante à de candidatos homens.
E os millennials, a geração blasé dos 18 aos 29, acusada de individualismo e obsessão com políticas de identidade? Entre os millennials, 55% votaram em Hillary Clinton, contra 37% em Donald Trump. Mas uma nova pesquisa mostra expressivo aumento de disposição destes jovens para a vida pública depois da eleição presidencial de novembro.
Até a pequena Romênia nos dá motivo para um momento Pollyanna. Depois dos maiores protestos desde a queda do ditador comunista Nicolae Ceausescu, em 1989, os romenos acabam de forçar o governo a cancelar um decreto que ia aliviar a barra de políticos em casos de corrupção. Fica aqui a minha modesta contribuição para a editoria do copo meio cheio.