Depois de ignorar o resultado das urnas, os acordos que tinha assinado em Barbados, a pressão internacional e os protestos da população contra a fraude da eleição de julho, Nicolás Maduro mandou prender o candidato da oposição, Edmundo González. Enquanto de maneira quase pueril o governo brasileiro ainda insiste em negociar com um regime que faz chacotas públicas e privadas a seu respeito, a verdade é que ninguém sabe — ou pior, ninguém quer — resolver essa bucha chamada Venezuela.
O cenário eleitoral mais provável desde que governo e oposição concordaram em Barbados a ir as urnas sempre foi que a ditadura chavista ignorasse a vontade popular e se mantivesse no poder. Maduro controla o Exército, as milícias civis, o aparato produtivo e a propaganda do Estado Venezuelano, e a oposição não consegue explorar rachas em nenhum desses setores.
Americanos e europeus fizeram de conta que a eleição poderia dar certo porque tinham interesses mais urgentes para resolver. Joe Biden, em ano eleitoral, precisava desesperadamente conter a sangria desatada de venezuelanos entrando pela fronteira sul. Maduro concordou em receber as deportações, e de uma maneira não muito sutil ameaçou parar de fazê-lo quando Washington ameaçou mais sanções ao petróleo.
Leia Também:
Bruxelas, por sua vez, precisava de alternativas energéticas desde que Vladimir Putin invadiu a Ucrânia. O desespero era tanto que a Alemanha, a rainha da energia limpa, está queimando carvão desde 2022.
A cena que melhor ilustra a tentativa ocidental de reabilitar Maduro ocorreu durante um encontro entre o chavista e o presidente francês Emanuel Macron, em uma cúpula em Paris, ainda em 2022.
“Lo que quiera, señor presidente, estoy a su orden”, disse um embevecido Maduro a um Macron quase sem jeito.
Estados Unidos e União Europeia fingem indignação com o chavismo por causa da fraude de julho, mas até agora nenhuma atitude efetiva foi tomada, salvo o confisco de uma avião na República Dominicana.
Não sei se Maduro joga truco, mas o ditador tem duas manilhas na mão para lidar com Washington e Bruxelas: petróleo e refugiados. Um zap e copas de respeito.
A exportação de petróleo da Venezuela bateu em agosto, justamente o mês da indignação com a fraude, seu maior nível em quatro anos. O crescimento em relação ao mesmo período do ano passado é de 62%. Americanos e europeus são o segundo e o terceiro maiores clientes de Maduro. Só a Espanha comprou mais petróleo este ano da Venezuela do que no ano passado inteiro.
Segundo o governo americano, em 2023, 263 mil venezuelanos foram apreendidos por autoridades migratórias, uma média de 21 mil por mês. Este ano, em julho, 12 mil venezuelanos tentaram atravessar a fronteira, quase a metade. No total, o governo americano estima que as travessias ilegais recuaram 32% em julho na comparação com o mesmo mês do ano passado.
Por isso, para as potências ocidentais, a redemocratização da Venezuela é uma agenda secundária. Já na América do Sul, Caracas é uma dor de cabeça.
Lula e Celso Amorim também tentaram reabilitar o ditador venezuelano ano passado, na malfadada tentativa de recriar a Unasul. Pegou mal pra burro. Como se não bastasse, o chavista retribuiu ameaçando invadir a Guiana e desestabilizar a América do Sul com um conflito desnecessário.
Mesmo com os sinais recentes de descontentamento com a Venezuela, provavelmente porque percebeu que defender Maduro não lhe traz benefício algum, Lula ainda hesita em romper abertamente com o ex-aliado.
Talvez seja a afinidade ideológica, ou a ânsia de protagonismo internacional. De qualquer maneira, Maduro, que já trazia política interna para o governo, agora ficou ‘bocudo’.
A intermediação de Brasil, Colômbia e México para a normalização política venezuelana, que já era frágil, naufragou com o pedido de prisão de González. O México já tinha pulado fora. Agora, Brasília e Bogotá simplesmente não têm o que fazer. A nota divulgada sobre a prisão foi vergonhosa.
Maduro, mais uma vez, sobrevive. Como tem feito sistematicamente desde 2013, com o mesmo manual: cresce a pressão internacional; ele sinaliza uma abertura; a oposição o legitima; ele ganha tempo; frauda a eleição; a comunidade internacional reclama; ele fecha o regime e segue no poder.
Em alguns anos, o ciclo começa de novo. É o dia da marmota caribenho.