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Opinião|Trump teve um debate ruim, mas ainda pode ganhar a eleição se seguir os conselhos de Reagan


Desafio do ex-presidente é convencer quem não faz parte da sua base eleitoral nos Estados que decidirão a eleição no colégio eleitoral de que o custo-benefício de sua candidatura é positivo

Por Luiz Raatz
Atualização:

A situação atual na campanha eleitoral americana é a seguinte: após Kamala Harris recompor a base eleitoral democrata, com a desistência de Joe Biden, chegou à liderança nas pesquisas de opinião e nos principais Estados-pêndulo. Outra desistência menos falada, a de Robert Kennedy Jr., no entanto, fez com que Donald Trump recuperasse uma parte do prejuízo e encurtasse a vantagem o suficiente para a disputa se tornar imprevisível.

Como escrevi após o debate, o principal desafio de Kamala é se apresentar a quem não a conhece, sobretudo nos Estados que definem a eleição, para obter uma margem de votos suficiente para o número mágico de 270 votos no colégio eleitoral. O de Trump é convencer quem não faz parte da sua base eleitoral nos mesmos Estados-chave de que o custo-benefício de sua candidatura é positivo.

Não serão milhões de votos que definirão o vencedor. Serão milhares. Em 2020, a margem de Biden nos Estados que definiram sua vitória (Michigan. Pensilvânia, Wisconsin, Geórgia e Arizona) foi de 277.661 votos.

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Não encheria o réveillon em Copacabana.

Este ano, essa margem deve ser ainda menor. O governador da Califórnia, Gavin Newson, um dos principais conselheiros de Kamala, disse que este ano a eleição será decidida nos “condados-pêndulo”, em vez dos Estados-pêndulo.

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Ou seja, cidades de tamanho médio que não respondem exatamente ao padrão urbano x rural que tem oposto republicanos e democratas nas última eleições serão as responsáveis por escolher o próximo presidente americano.

O ponto fraco democrata

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Kamala venceu o debate, e isso foi apontado de maneira mais ou menos unânime pela maioria das pesquisas e dos analistas americanos. Mas uma leitura mais atenta de seu desempenho indica um ponto fraco preocupante para os democratas.

Trump segue sendo considerado o melhor para lidar com a economia. O jornal Washington Post fez uma reportagem com eleitores indecisos durante o debate e atestou que apesar de Kamala ter vencido o debate por um placar de 23 a 2, Trump foi apontado como o melhor na questão da economia por um placar de 12 a 11.

Na primeira pergunta do debate, quando questionada se os americanos estavam melhores hoje economicamente que em 2020, Kamala desviou da questão e começou a falar que foi criada na classe média, para depois apresentar seu plano de ‘economia da oportunidade’, com o qual pretende por meio de subsídios e benefícios fiscais ampliar o acesso a moradia, bens de consumo e itens de primeira necessidade.

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Trump, por sua vez, disse que pretende ampliar as tarifas a produtos importados de outros países, especialmente da China, para depois pôr na conta da imigração ilegal, que aumentou fortemente no governo Biden, os problemas da economia americana, além de prometer que os EUA não se envolverão mais na Guerra da Ucrânia.

É a inflação, estúpido

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O maior problema para Kamala defender o legado de Biden é a alta da inflação no pós-pandemia. Em 2021, os preços subiram 7% nos Estados Unidos, e em 2022, 6,5%. A alta diminuiu em 2023, para 3,5% e deve recuar para 3,2% este ano.

Mas, mesmo que a alta dos preços tenha perdido força, qualquer pessoa que maneja o orçamento doméstico sabe que isso não faz muita diferença na percepção do custo de vida.

Explico: por mais que o preço do pacote de café tenha parado de subir depois da pandemia aqui no Brasil, e estabilizado em torno de R$ 18, não voltará aos R$10 que custava em 2019. A sensação é que está tudo caro. A não ser que o seu salário aumente.

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Nos Estados Unidos, é igual. As coisas não custam o mesmo, e a recomposição da massa salarial não anda na mesma velocidade que a inflação, por mais que o desemprego venha caindo. A renda das famílias americanas, por exemplo, só agora está voltando aos patamares pré-pandêmicos.

Ou seja, o americano usa hoje uma parte maior do salário para comprar um pacote de café, um quilo de carne, um berço de bebê ou um carro do que fazia em 2019. E isso tira qualquer um do sério.

O custo-benefício de Trump

Mas quando se trata do eleitor que não é de sua base de apoio, Trump tem o desafio de apresentar uma relação custo-benefício positiva. Quem não gosta dele põe na balança outros fatores, como ameaças a democracia, aborto, saúde e o próprio comportamento do candidato.

Na reportagem do Post, 19 pessoas disseram que não concordam com a as declarações falsas do republicano sobre imigrantes matando animais de estimação para comer em uma cidade de Ohio. Apenas seis concordaram.

Sobre o acesso a tratamentos de saúde, 16 pessoas acharam que Kamala foi melhor contra oito de Trump. E no tema do aborto, que deve mobilizar sobretudo o eleitorado feminino na eleição, a democrata venceu por 16 a nove.

Trump e Kamala no debate do dia 10 de setembro Foto: Alex Brandon/AP

O exemplo de Reagan

O passado ensina a Trump dois caminhos dentro do seu próprio partido para seguir, quando se trata do combate à alta dos preços.

As maiores inflações da história americana ocorreram após a 1ª Guerra, no fim do governo Woodrow Wilson, e no fim dos anos 70, no governo Jimmy Carter.

Na década de 20, para responder à alta dos preços, uma combinação de desregulamentação da economia com expansão da produção e protecionismo proposta pelos presidentes americanos que comandavam a política do país à época gerou uma grande riqueza, mas acabou no fim da década levando à Grande Depressão.

Nos anos 80, Reagan reagiu à inflação causada pelos choques do petróleo e o fim da paridade ouro-dólar, com cortes de impostos, liberalização do comércio, cortes no Orçamento federal e regulamentação da imigração.

Trump se inspira em Ronald Reagan ao ponto de roubar-lhe o slogan ‘Faça a América Grande de Novo’. Só que na verdade, do ponto de vista da política doméstica, ele está mais ligado aos presidentes da década de 20 como Warren G. Harding, Calvin Coolidge e Herbert Hoover, marcados pelo nativismo, protecionismo e isolacionismo.

Reagan conseguiu sucesso porque vendeu o projeto liberal a uma classe média americana assustada com a inflação, O corte de impostos combinado com a redução do tamanho do Estado acabou melhorando os indicadores econômicos. Seduzida pelo aumento do poder de compra, essa classe média embarcou com força no projeto republicano.

Até aqui, Trump tem repetido o slogan de Reagan na forma, mas adotado no conteúdo a fórmula fracassada dos anos 20 — uma fórmula que acabou dando no New Deal e em 30 anos de Estado de bem-estar social. É preciso mudar se ele quiser evitar mais uma derrota.

A situação atual na campanha eleitoral americana é a seguinte: após Kamala Harris recompor a base eleitoral democrata, com a desistência de Joe Biden, chegou à liderança nas pesquisas de opinião e nos principais Estados-pêndulo. Outra desistência menos falada, a de Robert Kennedy Jr., no entanto, fez com que Donald Trump recuperasse uma parte do prejuízo e encurtasse a vantagem o suficiente para a disputa se tornar imprevisível.

Como escrevi após o debate, o principal desafio de Kamala é se apresentar a quem não a conhece, sobretudo nos Estados que definem a eleição, para obter uma margem de votos suficiente para o número mágico de 270 votos no colégio eleitoral. O de Trump é convencer quem não faz parte da sua base eleitoral nos mesmos Estados-chave de que o custo-benefício de sua candidatura é positivo.

Não serão milhões de votos que definirão o vencedor. Serão milhares. Em 2020, a margem de Biden nos Estados que definiram sua vitória (Michigan. Pensilvânia, Wisconsin, Geórgia e Arizona) foi de 277.661 votos.

Não encheria o réveillon em Copacabana.

Este ano, essa margem deve ser ainda menor. O governador da Califórnia, Gavin Newson, um dos principais conselheiros de Kamala, disse que este ano a eleição será decidida nos “condados-pêndulo”, em vez dos Estados-pêndulo.

Ou seja, cidades de tamanho médio que não respondem exatamente ao padrão urbano x rural que tem oposto republicanos e democratas nas última eleições serão as responsáveis por escolher o próximo presidente americano.

O ponto fraco democrata

Kamala venceu o debate, e isso foi apontado de maneira mais ou menos unânime pela maioria das pesquisas e dos analistas americanos. Mas uma leitura mais atenta de seu desempenho indica um ponto fraco preocupante para os democratas.

Trump segue sendo considerado o melhor para lidar com a economia. O jornal Washington Post fez uma reportagem com eleitores indecisos durante o debate e atestou que apesar de Kamala ter vencido o debate por um placar de 23 a 2, Trump foi apontado como o melhor na questão da economia por um placar de 12 a 11.

Na primeira pergunta do debate, quando questionada se os americanos estavam melhores hoje economicamente que em 2020, Kamala desviou da questão e começou a falar que foi criada na classe média, para depois apresentar seu plano de ‘economia da oportunidade’, com o qual pretende por meio de subsídios e benefícios fiscais ampliar o acesso a moradia, bens de consumo e itens de primeira necessidade.

Trump, por sua vez, disse que pretende ampliar as tarifas a produtos importados de outros países, especialmente da China, para depois pôr na conta da imigração ilegal, que aumentou fortemente no governo Biden, os problemas da economia americana, além de prometer que os EUA não se envolverão mais na Guerra da Ucrânia.

É a inflação, estúpido

O maior problema para Kamala defender o legado de Biden é a alta da inflação no pós-pandemia. Em 2021, os preços subiram 7% nos Estados Unidos, e em 2022, 6,5%. A alta diminuiu em 2023, para 3,5% e deve recuar para 3,2% este ano.

Mas, mesmo que a alta dos preços tenha perdido força, qualquer pessoa que maneja o orçamento doméstico sabe que isso não faz muita diferença na percepção do custo de vida.

Explico: por mais que o preço do pacote de café tenha parado de subir depois da pandemia aqui no Brasil, e estabilizado em torno de R$ 18, não voltará aos R$10 que custava em 2019. A sensação é que está tudo caro. A não ser que o seu salário aumente.

Nos Estados Unidos, é igual. As coisas não custam o mesmo, e a recomposição da massa salarial não anda na mesma velocidade que a inflação, por mais que o desemprego venha caindo. A renda das famílias americanas, por exemplo, só agora está voltando aos patamares pré-pandêmicos.

Ou seja, o americano usa hoje uma parte maior do salário para comprar um pacote de café, um quilo de carne, um berço de bebê ou um carro do que fazia em 2019. E isso tira qualquer um do sério.

O custo-benefício de Trump

Mas quando se trata do eleitor que não é de sua base de apoio, Trump tem o desafio de apresentar uma relação custo-benefício positiva. Quem não gosta dele põe na balança outros fatores, como ameaças a democracia, aborto, saúde e o próprio comportamento do candidato.

Na reportagem do Post, 19 pessoas disseram que não concordam com a as declarações falsas do republicano sobre imigrantes matando animais de estimação para comer em uma cidade de Ohio. Apenas seis concordaram.

Sobre o acesso a tratamentos de saúde, 16 pessoas acharam que Kamala foi melhor contra oito de Trump. E no tema do aborto, que deve mobilizar sobretudo o eleitorado feminino na eleição, a democrata venceu por 16 a nove.

Trump e Kamala no debate do dia 10 de setembro Foto: Alex Brandon/AP

O exemplo de Reagan

O passado ensina a Trump dois caminhos dentro do seu próprio partido para seguir, quando se trata do combate à alta dos preços.

As maiores inflações da história americana ocorreram após a 1ª Guerra, no fim do governo Woodrow Wilson, e no fim dos anos 70, no governo Jimmy Carter.

Na década de 20, para responder à alta dos preços, uma combinação de desregulamentação da economia com expansão da produção e protecionismo proposta pelos presidentes americanos que comandavam a política do país à época gerou uma grande riqueza, mas acabou no fim da década levando à Grande Depressão.

Nos anos 80, Reagan reagiu à inflação causada pelos choques do petróleo e o fim da paridade ouro-dólar, com cortes de impostos, liberalização do comércio, cortes no Orçamento federal e regulamentação da imigração.

Trump se inspira em Ronald Reagan ao ponto de roubar-lhe o slogan ‘Faça a América Grande de Novo’. Só que na verdade, do ponto de vista da política doméstica, ele está mais ligado aos presidentes da década de 20 como Warren G. Harding, Calvin Coolidge e Herbert Hoover, marcados pelo nativismo, protecionismo e isolacionismo.

Reagan conseguiu sucesso porque vendeu o projeto liberal a uma classe média americana assustada com a inflação, O corte de impostos combinado com a redução do tamanho do Estado acabou melhorando os indicadores econômicos. Seduzida pelo aumento do poder de compra, essa classe média embarcou com força no projeto republicano.

Até aqui, Trump tem repetido o slogan de Reagan na forma, mas adotado no conteúdo a fórmula fracassada dos anos 20 — uma fórmula que acabou dando no New Deal e em 30 anos de Estado de bem-estar social. É preciso mudar se ele quiser evitar mais uma derrota.

A situação atual na campanha eleitoral americana é a seguinte: após Kamala Harris recompor a base eleitoral democrata, com a desistência de Joe Biden, chegou à liderança nas pesquisas de opinião e nos principais Estados-pêndulo. Outra desistência menos falada, a de Robert Kennedy Jr., no entanto, fez com que Donald Trump recuperasse uma parte do prejuízo e encurtasse a vantagem o suficiente para a disputa se tornar imprevisível.

Como escrevi após o debate, o principal desafio de Kamala é se apresentar a quem não a conhece, sobretudo nos Estados que definem a eleição, para obter uma margem de votos suficiente para o número mágico de 270 votos no colégio eleitoral. O de Trump é convencer quem não faz parte da sua base eleitoral nos mesmos Estados-chave de que o custo-benefício de sua candidatura é positivo.

Não serão milhões de votos que definirão o vencedor. Serão milhares. Em 2020, a margem de Biden nos Estados que definiram sua vitória (Michigan. Pensilvânia, Wisconsin, Geórgia e Arizona) foi de 277.661 votos.

Não encheria o réveillon em Copacabana.

Este ano, essa margem deve ser ainda menor. O governador da Califórnia, Gavin Newson, um dos principais conselheiros de Kamala, disse que este ano a eleição será decidida nos “condados-pêndulo”, em vez dos Estados-pêndulo.

Ou seja, cidades de tamanho médio que não respondem exatamente ao padrão urbano x rural que tem oposto republicanos e democratas nas última eleições serão as responsáveis por escolher o próximo presidente americano.

O ponto fraco democrata

Kamala venceu o debate, e isso foi apontado de maneira mais ou menos unânime pela maioria das pesquisas e dos analistas americanos. Mas uma leitura mais atenta de seu desempenho indica um ponto fraco preocupante para os democratas.

Trump segue sendo considerado o melhor para lidar com a economia. O jornal Washington Post fez uma reportagem com eleitores indecisos durante o debate e atestou que apesar de Kamala ter vencido o debate por um placar de 23 a 2, Trump foi apontado como o melhor na questão da economia por um placar de 12 a 11.

Na primeira pergunta do debate, quando questionada se os americanos estavam melhores hoje economicamente que em 2020, Kamala desviou da questão e começou a falar que foi criada na classe média, para depois apresentar seu plano de ‘economia da oportunidade’, com o qual pretende por meio de subsídios e benefícios fiscais ampliar o acesso a moradia, bens de consumo e itens de primeira necessidade.

Trump, por sua vez, disse que pretende ampliar as tarifas a produtos importados de outros países, especialmente da China, para depois pôr na conta da imigração ilegal, que aumentou fortemente no governo Biden, os problemas da economia americana, além de prometer que os EUA não se envolverão mais na Guerra da Ucrânia.

É a inflação, estúpido

O maior problema para Kamala defender o legado de Biden é a alta da inflação no pós-pandemia. Em 2021, os preços subiram 7% nos Estados Unidos, e em 2022, 6,5%. A alta diminuiu em 2023, para 3,5% e deve recuar para 3,2% este ano.

Mas, mesmo que a alta dos preços tenha perdido força, qualquer pessoa que maneja o orçamento doméstico sabe que isso não faz muita diferença na percepção do custo de vida.

Explico: por mais que o preço do pacote de café tenha parado de subir depois da pandemia aqui no Brasil, e estabilizado em torno de R$ 18, não voltará aos R$10 que custava em 2019. A sensação é que está tudo caro. A não ser que o seu salário aumente.

Nos Estados Unidos, é igual. As coisas não custam o mesmo, e a recomposição da massa salarial não anda na mesma velocidade que a inflação, por mais que o desemprego venha caindo. A renda das famílias americanas, por exemplo, só agora está voltando aos patamares pré-pandêmicos.

Ou seja, o americano usa hoje uma parte maior do salário para comprar um pacote de café, um quilo de carne, um berço de bebê ou um carro do que fazia em 2019. E isso tira qualquer um do sério.

O custo-benefício de Trump

Mas quando se trata do eleitor que não é de sua base de apoio, Trump tem o desafio de apresentar uma relação custo-benefício positiva. Quem não gosta dele põe na balança outros fatores, como ameaças a democracia, aborto, saúde e o próprio comportamento do candidato.

Na reportagem do Post, 19 pessoas disseram que não concordam com a as declarações falsas do republicano sobre imigrantes matando animais de estimação para comer em uma cidade de Ohio. Apenas seis concordaram.

Sobre o acesso a tratamentos de saúde, 16 pessoas acharam que Kamala foi melhor contra oito de Trump. E no tema do aborto, que deve mobilizar sobretudo o eleitorado feminino na eleição, a democrata venceu por 16 a nove.

Trump e Kamala no debate do dia 10 de setembro Foto: Alex Brandon/AP

O exemplo de Reagan

O passado ensina a Trump dois caminhos dentro do seu próprio partido para seguir, quando se trata do combate à alta dos preços.

As maiores inflações da história americana ocorreram após a 1ª Guerra, no fim do governo Woodrow Wilson, e no fim dos anos 70, no governo Jimmy Carter.

Na década de 20, para responder à alta dos preços, uma combinação de desregulamentação da economia com expansão da produção e protecionismo proposta pelos presidentes americanos que comandavam a política do país à época gerou uma grande riqueza, mas acabou no fim da década levando à Grande Depressão.

Nos anos 80, Reagan reagiu à inflação causada pelos choques do petróleo e o fim da paridade ouro-dólar, com cortes de impostos, liberalização do comércio, cortes no Orçamento federal e regulamentação da imigração.

Trump se inspira em Ronald Reagan ao ponto de roubar-lhe o slogan ‘Faça a América Grande de Novo’. Só que na verdade, do ponto de vista da política doméstica, ele está mais ligado aos presidentes da década de 20 como Warren G. Harding, Calvin Coolidge e Herbert Hoover, marcados pelo nativismo, protecionismo e isolacionismo.

Reagan conseguiu sucesso porque vendeu o projeto liberal a uma classe média americana assustada com a inflação, O corte de impostos combinado com a redução do tamanho do Estado acabou melhorando os indicadores econômicos. Seduzida pelo aumento do poder de compra, essa classe média embarcou com força no projeto republicano.

Até aqui, Trump tem repetido o slogan de Reagan na forma, mas adotado no conteúdo a fórmula fracassada dos anos 20 — uma fórmula que acabou dando no New Deal e em 30 anos de Estado de bem-estar social. É preciso mudar se ele quiser evitar mais uma derrota.

A situação atual na campanha eleitoral americana é a seguinte: após Kamala Harris recompor a base eleitoral democrata, com a desistência de Joe Biden, chegou à liderança nas pesquisas de opinião e nos principais Estados-pêndulo. Outra desistência menos falada, a de Robert Kennedy Jr., no entanto, fez com que Donald Trump recuperasse uma parte do prejuízo e encurtasse a vantagem o suficiente para a disputa se tornar imprevisível.

Como escrevi após o debate, o principal desafio de Kamala é se apresentar a quem não a conhece, sobretudo nos Estados que definem a eleição, para obter uma margem de votos suficiente para o número mágico de 270 votos no colégio eleitoral. O de Trump é convencer quem não faz parte da sua base eleitoral nos mesmos Estados-chave de que o custo-benefício de sua candidatura é positivo.

Não serão milhões de votos que definirão o vencedor. Serão milhares. Em 2020, a margem de Biden nos Estados que definiram sua vitória (Michigan. Pensilvânia, Wisconsin, Geórgia e Arizona) foi de 277.661 votos.

Não encheria o réveillon em Copacabana.

Este ano, essa margem deve ser ainda menor. O governador da Califórnia, Gavin Newson, um dos principais conselheiros de Kamala, disse que este ano a eleição será decidida nos “condados-pêndulo”, em vez dos Estados-pêndulo.

Ou seja, cidades de tamanho médio que não respondem exatamente ao padrão urbano x rural que tem oposto republicanos e democratas nas última eleições serão as responsáveis por escolher o próximo presidente americano.

O ponto fraco democrata

Kamala venceu o debate, e isso foi apontado de maneira mais ou menos unânime pela maioria das pesquisas e dos analistas americanos. Mas uma leitura mais atenta de seu desempenho indica um ponto fraco preocupante para os democratas.

Trump segue sendo considerado o melhor para lidar com a economia. O jornal Washington Post fez uma reportagem com eleitores indecisos durante o debate e atestou que apesar de Kamala ter vencido o debate por um placar de 23 a 2, Trump foi apontado como o melhor na questão da economia por um placar de 12 a 11.

Na primeira pergunta do debate, quando questionada se os americanos estavam melhores hoje economicamente que em 2020, Kamala desviou da questão e começou a falar que foi criada na classe média, para depois apresentar seu plano de ‘economia da oportunidade’, com o qual pretende por meio de subsídios e benefícios fiscais ampliar o acesso a moradia, bens de consumo e itens de primeira necessidade.

Trump, por sua vez, disse que pretende ampliar as tarifas a produtos importados de outros países, especialmente da China, para depois pôr na conta da imigração ilegal, que aumentou fortemente no governo Biden, os problemas da economia americana, além de prometer que os EUA não se envolverão mais na Guerra da Ucrânia.

É a inflação, estúpido

O maior problema para Kamala defender o legado de Biden é a alta da inflação no pós-pandemia. Em 2021, os preços subiram 7% nos Estados Unidos, e em 2022, 6,5%. A alta diminuiu em 2023, para 3,5% e deve recuar para 3,2% este ano.

Mas, mesmo que a alta dos preços tenha perdido força, qualquer pessoa que maneja o orçamento doméstico sabe que isso não faz muita diferença na percepção do custo de vida.

Explico: por mais que o preço do pacote de café tenha parado de subir depois da pandemia aqui no Brasil, e estabilizado em torno de R$ 18, não voltará aos R$10 que custava em 2019. A sensação é que está tudo caro. A não ser que o seu salário aumente.

Nos Estados Unidos, é igual. As coisas não custam o mesmo, e a recomposição da massa salarial não anda na mesma velocidade que a inflação, por mais que o desemprego venha caindo. A renda das famílias americanas, por exemplo, só agora está voltando aos patamares pré-pandêmicos.

Ou seja, o americano usa hoje uma parte maior do salário para comprar um pacote de café, um quilo de carne, um berço de bebê ou um carro do que fazia em 2019. E isso tira qualquer um do sério.

O custo-benefício de Trump

Mas quando se trata do eleitor que não é de sua base de apoio, Trump tem o desafio de apresentar uma relação custo-benefício positiva. Quem não gosta dele põe na balança outros fatores, como ameaças a democracia, aborto, saúde e o próprio comportamento do candidato.

Na reportagem do Post, 19 pessoas disseram que não concordam com a as declarações falsas do republicano sobre imigrantes matando animais de estimação para comer em uma cidade de Ohio. Apenas seis concordaram.

Sobre o acesso a tratamentos de saúde, 16 pessoas acharam que Kamala foi melhor contra oito de Trump. E no tema do aborto, que deve mobilizar sobretudo o eleitorado feminino na eleição, a democrata venceu por 16 a nove.

Trump e Kamala no debate do dia 10 de setembro Foto: Alex Brandon/AP

O exemplo de Reagan

O passado ensina a Trump dois caminhos dentro do seu próprio partido para seguir, quando se trata do combate à alta dos preços.

As maiores inflações da história americana ocorreram após a 1ª Guerra, no fim do governo Woodrow Wilson, e no fim dos anos 70, no governo Jimmy Carter.

Na década de 20, para responder à alta dos preços, uma combinação de desregulamentação da economia com expansão da produção e protecionismo proposta pelos presidentes americanos que comandavam a política do país à época gerou uma grande riqueza, mas acabou no fim da década levando à Grande Depressão.

Nos anos 80, Reagan reagiu à inflação causada pelos choques do petróleo e o fim da paridade ouro-dólar, com cortes de impostos, liberalização do comércio, cortes no Orçamento federal e regulamentação da imigração.

Trump se inspira em Ronald Reagan ao ponto de roubar-lhe o slogan ‘Faça a América Grande de Novo’. Só que na verdade, do ponto de vista da política doméstica, ele está mais ligado aos presidentes da década de 20 como Warren G. Harding, Calvin Coolidge e Herbert Hoover, marcados pelo nativismo, protecionismo e isolacionismo.

Reagan conseguiu sucesso porque vendeu o projeto liberal a uma classe média americana assustada com a inflação, O corte de impostos combinado com a redução do tamanho do Estado acabou melhorando os indicadores econômicos. Seduzida pelo aumento do poder de compra, essa classe média embarcou com força no projeto republicano.

Até aqui, Trump tem repetido o slogan de Reagan na forma, mas adotado no conteúdo a fórmula fracassada dos anos 20 — uma fórmula que acabou dando no New Deal e em 30 anos de Estado de bem-estar social. É preciso mudar se ele quiser evitar mais uma derrota.

Opinião por Luiz Raatz

É jornalista formado pela PUC-SP. Subeditor de internacional do Estadão, tem 20 anos de experiência em coberturas na América Latina e Oriente Médio.

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