ENVIADO ESPECIAL A LUANDA - No retorno à África, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou em Angola na noite desta quinta-feira, dia 24, para dois dias de encontros institucionais no país. O objetivo declarado é fortalecer a prioridade dada ao continente na política externa brasileira e reforçar negócios de empresas brasileiras no país - entre elas a Odebrecht (atual OEC), principal empreiteira com presença no país, e da Embraer.
Embaixadores tratam a retomada das relações políticas e empresariais mais próximas com países atingidos pela Operação Lava Jato, em maior ou menor grau, como política de “virada de página”. Isso porque a visita traz à memória o esforço do governo petista nos dois primeiros mandatos do presidente Lula para impulsionar participação de empresas brasileiras em obras públicas no exterior que levou a uma série de escândalos.
A Operação Lava Jato, por exemplo, desvendou esquemas de pagamento de propinas e lavagem de dinheiro de empreiteiras que atuavam em Angola e em Moçambique - entre elas a a construtora Odebrecht.
A empreiteira brasileira pagou propinas a políticos e autoridades nos dois países africanos, e o antigo presidente da construtora, Marcelo Odebrecht, solicitou várias vezes que Lula usasse a sua influência para favorecer a empresa na África.
Políticos do país foram processados, assim como o presidente Lula, que virou réu na Justiça Federal de Brasília, acusado de corrupção e crimes associados, como lavagem de dinheiro, organização criminosa e tráfico de influência internacional. A empresa Exergia Brasil, de um “sobrinho” do presidente, Taiguara Rodrigues dos Santos, recebeu valores milionários como subcontratada na empreiteira Odebrecht.
A ação penal era relativa ao suposto favorecimento da Odebrecht nas obras de modernização e ampliação da hidrelétrica de Cambambe, sobre o rio Cuanza. Lula era suspeito de atuar para pressionar a liberação de recursos em favor da obra, entre 2008 e 2015. A denúncia acusava o suposto recebimento de R$ 30 milhões pelos suspeitos. O processo foi trancado e encerrado, conforme a defesa do presidente. O Ministério Público pediu a absolvição de parte dos crimes dos quais o petista era acusado.Lula sempre negou irregularidades.
A obra envolveu financiamento à exportação de bens e serviços de engenharia com US$ 464 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Desde o início da política de financiamento dos serviços de engenharia, Angola figurou como o principal destino de recursos. Segundo diplomatas brasileiros, Angola costuma ser um bom pagador ao Brasil e quitou dívidas antecipadamente. Em 2019, o governo angolano adiantou parcelas que venceriam somente neste ano.
O país africano foi o que mais recebeu recursos do BNDES, em financiamentos de obras de engenharia a construtoras brasileiras. O banco destinou US 3,2 bilhões de dólares ao todo, em projetos como a hidrelétrica de Cambambe,entre outros. Ainda presente em Angola, a Odebrecht é a principal empresa beneficiada.
Tanto o BNDES quanto o Itamaraty falam em retomar os financiamentos de empresas brasileiras em Angola, mas não há projetos prontos para serem anunciados.Lula também já defendeu o retorno das operações com o banco, logo em janeiro, quando esteve na Argentina.
Conversas para obter garantias vêm sendo feitas com o Banco Africano de Desenvolvimento, porque o FMI não recomendou mais que usasse reservas de petróleo.
Atualmente, as empresas brasileiras usam crédito de bancos da Europa, que costumam exigir conteúdo de origem europeia, como equipamentos, na execução dos serviços, o que representa uma perda de oportunidades para empresas brasileiras e com venda de bens e geração de empregos no exterior.
“O governo Bolsonaro apagou Angola. É a porta do Brasil para a África”, disse o presidente da Apex-Brasil, Jorge Viana. “Sem financiamento, crédito e garantias, não se exporta nada. Precisamos nos reorganizar com o BNDES, a Camex e que as coisas sejam feitas com mais transparência.”
Os países têm uma cooperação estratégica e desenvolvem parcerias em diversas áreas, como Defesa, agricultura, saúde pública, educação. A Força Aérea Angolana tem interesse em comprar quatro aviões KC-390, da Embraer.
Como Angola depende da importação de alimentos para a segurança alimentar, o Brasil pode se tornar ainda mais relevante, por meio da exportação.
O país busca desenvolver tecnologia no campo e tenta replicar a experiência de produção agrícola no Vale do Rio São Francisco, em parceria com a Embrapa, no Vale do Cunene, na fronteira com a Namíbia. O projeto já está em andamento.
“Precisa de investimentos e de empresários dispostos a correr certos riscos, evidentemente, mas é o momento em que nos encontramos: passar de uma relação com o componente de cooperação importante e, sem prejuízo de mantê-la, passar para um nível de investimentos empresariais, ter mais densidade, além da cooperação e do comércio. Esse espaço precisa ser preenchido pelos agentes econômicos. O setor privado está mapeando o que pode ter de interessante. São oportunidades que existem, e nós abrimos os espaços políticos para que possam acontecer”, disse o embaixador Carlos Duarte, secretário de África e Oriente Médio do Itamaraty.
Entre os entraves estão, por exemplo, a falta de rotas de transporte marítimo frequentes diretas entre os dois países, o que encarece o frete. A comunidade brasileira tem cerca de 20 mil pessoas, considerada grande para os padrões dos brasileiros no exterior, e com variedade de perfis, mas mão de obra qualificada. É o país que mais atrai brasileiros na África.
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‘Virada de página’
Segundo Lula, é necessário atualizar as políticas para o continente. “Seria insuficiente repetir receitas do passado”, disse o presidente, durante um seminário no Itamaraty. Em mais de uma ocasião, Lula prometeu voltar a abrir representações diplomáticas na África. A ideia é reabrir as que foram fechadas no governo Jair Bolsonaro. A embaixada em Gana passou a acumular a representação do presidente em Serra Leoa e na Libéria, quando estas fecharam as portas.
O presidente também deseja maior coordenação com nações africanas para as discussões sobre clima. Defendeu que os países se auxiliem no combate às mudanças climáticas, na desertificação e preservação das florestas tropicais na Amazônia e no Congo e quer trazer ao Brasil ministros da agricultura de países africanos, ainda em 2023.
Em outro aceno, disse que vai incluir a União Africana no G20 e defendeu que um país do continente deve estar representado no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Brasil busca uma vaga permanente para si e apoia o pleito da África do Sul. Ambos conseguiram uma sinalização de apoio da China, durante a cúpula do Brics.
A passagem de Lula inclui uma agenda empresarial elaborada pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e pelo Ministério das Relações Exteriores.
Segundo o Itamaraty, estão confirmados empresários dos setores da construção civil, aviação, agroindústria, máquinas e equipamentos agrícolas, farmacêutico, entre outros.
Agenda cheia
Lula foi orientado a fazer uma visita de Estado a um país africano, aproveitando a presença no continente para a 15ª Cúpula do Brics, que decidiu a inédita expansão do bloco para 11 membros, em Johannesburgo, com a inclusão de Arábia Saudita, Argentina, Irã, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia.
Na véspera da visita de Estado, Lula sugeriu que países lusófonos da África, como Angola e Moçambique, entrem para o Brics.
Esta será a 14ª visita de Lula à África. Lula já esteve treze vezes na África e visitou 23 países ao todo. O presidente tem dito que deseja explorar oportunidades como a zona de livre comércio continental africana, que reúne um mercado de 1,3 bilhão de pessoas e um PIB de 3,4 trilhões de dólares..
Os compromissos de Lula se estendem nesta sexta-feira, 25, e no sábado, dia 26, logo após a Cúpula do Brics, na África do Sul. Depois, no dia 27, domingo, Lula se desloca a São Tomé e Príncipe. Ele participará na ilha da reunião de chefes de Estado e de governo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Lula prega que o Brasil seja um parceiro para garantir a segurança alimentar africana, com exportação de produtos do agronegócio, e parcerias técnicas para desenvolver a agricultura local. O continente tem cerca de 60% das terras aráveis, pouco exploradas.
Além do combate à fome, o presidente pretende auxiliar no acesso a vacinas e medicamentos. Ele já sugeriu a ampliação da presença de Sebrae, Fiocruz, Embrapa e Apex.
O primeiro compromisso de Lula durante a visita de Estado será uma reunião com o presidente João Lourenço, no Palácio Presidencial, Antes, Lula depositará flores no memorial do ex-presidente António Agostinho Neto.
Eles devem assinar atos de cooperação em projetos de cooperação agrícola, diagnóstico e tratamento da hanseníase, turismo sustentável, e nas áreas de pequenas empresas, com o Sebrae, e de processamento de dados, com o Serpro.