Lula e Modi intercederam por declaração do G-20 que favorece Rússia; leia os bastidores


Receio de que o grupo das principais economias do mundo fosse fragmentado, com ausência de Putin e Xi Jinping, e a recente articulação de polo antiocidental com expansão do Brics fizeram Estados Unidos e europeus, aliados da Ucrânia, aceitarem recuo

Por Felipe Frazão
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL A NOVA DÉLHI - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, intercederam na negociação do G-20 que resultou em um comunicado mais brando a respeito da guerra na Ucrânia e que deixa de condenar explicitamente a Rússia. Eles atuaram para convencer os demais países a aliviar a forma como se pronunciariam sobre a guerra, amenizando o tom da manifestação anterior. O resultado final favorece o governo de Vladimir Putin.

A intervenção ocorreu na véspera da abertura da cúpula do G-20, em Nova Délhi. Lula e Modi enviaram o recado de que endossavam politicamente o teor do documento final, àquela altura ainda um rascunho que estava sobre a mesa e que acabaria sendo adotado. Eles apelaram aos demais países para que a declaração fosse aprovada, por consenso.

O presidente Lula e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, trabalharam nos bastidores do G-20 para um comunicado que não condenou explicitamente a Rússia na guerra na Ucrânia. Foto: Evan Vucci
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As negociações haviam travado em nível técnico, num impasse sobre como tratar a guerra na Ucrânia e suas consequências, sobretudo nas questões econômicas, na segurança alimentar e no suprimento de energia. Há quase uma semana em discussão, havia incertezas sobre o que resultaria do encontro na Índia.

A Declaração de Líderes do G-20 de Nova Délhi saiu mais moderada do que a anterior, de Bali (Indonésia), aprovada em 2022. O documento passado é considerado bastante duro com a Rússia - que faz parte do grupo - por reproduzir termos usados pelos países do G-7 aliados da Ucrânia, que conseguiram uma vitória na cúpula da Indonésia.

No ano passado, a maioria do G-20 decidiu condenar fortemente a guerra, deplorar veementemente a agressão russa e exigir a retirada total e incondicional de tropas de Vladimir Putin do território ucraniano. Nada disso consta mais da declaração aprovada no sábado, 9, na Índia.

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A Índia convidara o Brasil e a África do Sul, parceiros do bloco IBAS, e ao final chamou ainda a Indonésia, que presidiu o G-20 anterior, para elaborarem o rascunho da declaração e ajudarem nas conversas a fim de que evitassem um fracasso diplomático. Concluir a cúpula indiana sem acordo e um comunicado oficial poderia, além de reforçar as divisões, representar um esvaziamento do G-20.

Foi então que os sherpas - como são conhecidos os diplomatas-chefes da delegação negociadora - do Brasil e da Índia levaram ao conhecimento dos demais que Lula e Modi haviam tido acesso ao rascunho previamente e eram a favor da adoção dele.

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No caso do petista, ele quis consultar pessoalmente o teor da manifestação, segundo fontes do governo. Era por volta das 22h20 de sexta-feira, 8, pouco depois da chegada a Nova Délhi, quando o presidente brasileiro soube do impasse. Ele pediu ao ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que o informasse qual era o teor do documento proposto por Brasil, Índia e África do Sul.

Por telefone, Lula ouviu uma leitura dos parágrafos que tratavam da guerra na Ucrânia e aprovou o conteúdo. O petista instruiu o sherpa brasileiro, o embaixador Maurício Lyrio, a usar o seu nome, ressaltar que ele havia gostado do documento e pedir que fosse adotado. O sherpa indiano, Amitabh Kant, presidia os trabalhos e acrescentou que Modi pensava da mesma forma e endossava o apelo por um consenso, pois já não havia mais como negociar mudanças e acolher emendas.

Os negociadores estavam havia seis dias tentando encontrar a fórmula de comum acordo. Negociavam em separado, num hotel em Nuh, Haryana, a cerca de uma hora e meia de Nova Délhi.

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Integrantes do governo brasileiro avaliam que o comunicado de Nova Délhi tem expressões consideradas importantes, como a busca por uma paz justa e duradoura, retomada do acordo de grãos do Mar Negro, integridade territorial, soberania e a abstenção da conquista de territórios pela força. “O uso ou ameçaça de uso de armas nucleares é inadmissível”, afirma o texto.

Mas o documento desagradou a Ucrânia. Oleg Nikolenko, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do país, afirmou que seu governo estava agradecido aos países que tentaram incluir uma linguagem mais enfática, mas que o “G20 não tem do que se orgulhar”, sugerindo, entre outras coisas, que a guerra “na Ucrânia” deveria ter sido mencionada como a guerra “contra a Ucrânia”.

O governo brasileiro considera relevante que o documento do G-20 tenha sido o primeiro texto que os aliados da Ucrânia e a Rússia assinam em conjunto e preguem na mesma direção. Esse seria um sinal de que há mais disposição a negociar e de que os dois lados reconhecem o desgaste provocado pela guerra, com estresse de mercados e alta de inflação, além do prolongamento do combate.

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Outra explicação citada é que a Rússia não estava mais tão fragilizada diplomaticamente como um ano atrás, quando a Cúpula de Bali ficou ameaçada de não-realização. O enviado de Putin estava “nas cordas” naquele momento porque se cobrava até a exclusão de Moscou do G-20. O banimento dos russos já não foi mais cogitado na Índia.

Pesou ainda a ausência dos líderes de Rússia e China. Os dois países rivais dos Estados Unidos agiram coordenados. O sinal de que poderiam deixar o G-20 de lado, esvaziando o grupo que congrega países ricos e em desenvolvimento, era mal visto pelo Ocidente.

Eles temem que russos e chineses minem o G-20 e passem a privilegiar a cooperação econômica e política em plataformas alternativas, como o Brics. A expansão do Brics com mais seis membros semanas antes foi reconhecida como uma vitória da diplomacia chinesa, entre outros, pelo ex-chanceler Celso Amorim. Esse desdobramento teria alterado o cenário, pois fortaleceu o plano de Pequim de fazer frente ao Ocidente.

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Os países ocidentais, nesse sentido, estavam mais dispostos a um acordo e, de forma pragmática, aceitaram um texto que recuava em relação ao do ano anterior, abdicando de insistir que o tom mais favorável à Ucrânia se repetisse. Segundo um negociador, “ficou claro que o G-7 queria manter o G-20 forte e manter a unidade”.

Após a aprovação do documento, Lula defendeu que a guerra não fosse assunto do G-20. Em linha com manifestações recentes da China e da Rússia, Lula argumentou que o G-20 foi criado para tratar de discussões econômicas e não era o ambiente adequado para conversar sobre a guerra.

“Nós achamos muito importante que a questão da guerra não entrasse no documento do G-20, porque senão as pessoas fazem a guerra, e nós perdemos tempo. Em vez de discutir a fome, o desemprego, a gente fica discutindo coisas que não são prioridade”, disse Lula em entrevista a uma TV local.

A moderação de tom agora, segundo a interpretação de embaixadores, pode beneficiar ainda discussões mais práticas durante o G-20 no Brasil, pois “limparam a pauta” para que os encontros planejados no País no ano que vem tratem de assuntos próprios do grupo e não fiquem amarrados à guerra.

Isso vai depender, claro, do desenrolar da guerra e de eventual estabelecimento de negociações de paz. Nada garante que o G-20 não tenha que tratar do tema de forma preponderante outra vez, apesar de não ser uma plataforma originalmente criada para o assunto.

Até a cúpula indiana, todas as reuniões ficavam condicionadas à discussão sobre a guerra, mesmo que fossem sobre outros temas. Segundo um diplomata, havia concentração excessiva no assunto, que “sequestrava” atenções até nas conversas entre ministros.

Com a questão da guerra resolvida, restou apenas solucionar a candidatura dos Estados Unidos para presidir o G-20 em 2026. Os chineses objetaram a pretensão de Joe Biden porque, segundo diplomatas que testemunharam as negociações, temiam que sanções impedissem sua delegação de enfrentar problemas para ingressar em território norte-americano. Os dois países negociaram em separado exceções e garantias consulares aos chineses, para que eles possam pisar nos EUA, daqui a três anos. Isso abriu caminho para a aprovação do texto final.

Com informações da AP

ENVIADO ESPECIAL A NOVA DÉLHI - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, intercederam na negociação do G-20 que resultou em um comunicado mais brando a respeito da guerra na Ucrânia e que deixa de condenar explicitamente a Rússia. Eles atuaram para convencer os demais países a aliviar a forma como se pronunciariam sobre a guerra, amenizando o tom da manifestação anterior. O resultado final favorece o governo de Vladimir Putin.

A intervenção ocorreu na véspera da abertura da cúpula do G-20, em Nova Délhi. Lula e Modi enviaram o recado de que endossavam politicamente o teor do documento final, àquela altura ainda um rascunho que estava sobre a mesa e que acabaria sendo adotado. Eles apelaram aos demais países para que a declaração fosse aprovada, por consenso.

O presidente Lula e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, trabalharam nos bastidores do G-20 para um comunicado que não condenou explicitamente a Rússia na guerra na Ucrânia. Foto: Evan Vucci

As negociações haviam travado em nível técnico, num impasse sobre como tratar a guerra na Ucrânia e suas consequências, sobretudo nas questões econômicas, na segurança alimentar e no suprimento de energia. Há quase uma semana em discussão, havia incertezas sobre o que resultaria do encontro na Índia.

A Declaração de Líderes do G-20 de Nova Délhi saiu mais moderada do que a anterior, de Bali (Indonésia), aprovada em 2022. O documento passado é considerado bastante duro com a Rússia - que faz parte do grupo - por reproduzir termos usados pelos países do G-7 aliados da Ucrânia, que conseguiram uma vitória na cúpula da Indonésia.

No ano passado, a maioria do G-20 decidiu condenar fortemente a guerra, deplorar veementemente a agressão russa e exigir a retirada total e incondicional de tropas de Vladimir Putin do território ucraniano. Nada disso consta mais da declaração aprovada no sábado, 9, na Índia.

A Índia convidara o Brasil e a África do Sul, parceiros do bloco IBAS, e ao final chamou ainda a Indonésia, que presidiu o G-20 anterior, para elaborarem o rascunho da declaração e ajudarem nas conversas a fim de que evitassem um fracasso diplomático. Concluir a cúpula indiana sem acordo e um comunicado oficial poderia, além de reforçar as divisões, representar um esvaziamento do G-20.

Foi então que os sherpas - como são conhecidos os diplomatas-chefes da delegação negociadora - do Brasil e da Índia levaram ao conhecimento dos demais que Lula e Modi haviam tido acesso ao rascunho previamente e eram a favor da adoção dele.

No caso do petista, ele quis consultar pessoalmente o teor da manifestação, segundo fontes do governo. Era por volta das 22h20 de sexta-feira, 8, pouco depois da chegada a Nova Délhi, quando o presidente brasileiro soube do impasse. Ele pediu ao ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que o informasse qual era o teor do documento proposto por Brasil, Índia e África do Sul.

Por telefone, Lula ouviu uma leitura dos parágrafos que tratavam da guerra na Ucrânia e aprovou o conteúdo. O petista instruiu o sherpa brasileiro, o embaixador Maurício Lyrio, a usar o seu nome, ressaltar que ele havia gostado do documento e pedir que fosse adotado. O sherpa indiano, Amitabh Kant, presidia os trabalhos e acrescentou que Modi pensava da mesma forma e endossava o apelo por um consenso, pois já não havia mais como negociar mudanças e acolher emendas.

Os negociadores estavam havia seis dias tentando encontrar a fórmula de comum acordo. Negociavam em separado, num hotel em Nuh, Haryana, a cerca de uma hora e meia de Nova Délhi.

Integrantes do governo brasileiro avaliam que o comunicado de Nova Délhi tem expressões consideradas importantes, como a busca por uma paz justa e duradoura, retomada do acordo de grãos do Mar Negro, integridade territorial, soberania e a abstenção da conquista de territórios pela força. “O uso ou ameçaça de uso de armas nucleares é inadmissível”, afirma o texto.

Mas o documento desagradou a Ucrânia. Oleg Nikolenko, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do país, afirmou que seu governo estava agradecido aos países que tentaram incluir uma linguagem mais enfática, mas que o “G20 não tem do que se orgulhar”, sugerindo, entre outras coisas, que a guerra “na Ucrânia” deveria ter sido mencionada como a guerra “contra a Ucrânia”.

O governo brasileiro considera relevante que o documento do G-20 tenha sido o primeiro texto que os aliados da Ucrânia e a Rússia assinam em conjunto e preguem na mesma direção. Esse seria um sinal de que há mais disposição a negociar e de que os dois lados reconhecem o desgaste provocado pela guerra, com estresse de mercados e alta de inflação, além do prolongamento do combate.

Outra explicação citada é que a Rússia não estava mais tão fragilizada diplomaticamente como um ano atrás, quando a Cúpula de Bali ficou ameaçada de não-realização. O enviado de Putin estava “nas cordas” naquele momento porque se cobrava até a exclusão de Moscou do G-20. O banimento dos russos já não foi mais cogitado na Índia.

Pesou ainda a ausência dos líderes de Rússia e China. Os dois países rivais dos Estados Unidos agiram coordenados. O sinal de que poderiam deixar o G-20 de lado, esvaziando o grupo que congrega países ricos e em desenvolvimento, era mal visto pelo Ocidente.

Eles temem que russos e chineses minem o G-20 e passem a privilegiar a cooperação econômica e política em plataformas alternativas, como o Brics. A expansão do Brics com mais seis membros semanas antes foi reconhecida como uma vitória da diplomacia chinesa, entre outros, pelo ex-chanceler Celso Amorim. Esse desdobramento teria alterado o cenário, pois fortaleceu o plano de Pequim de fazer frente ao Ocidente.

Os países ocidentais, nesse sentido, estavam mais dispostos a um acordo e, de forma pragmática, aceitaram um texto que recuava em relação ao do ano anterior, abdicando de insistir que o tom mais favorável à Ucrânia se repetisse. Segundo um negociador, “ficou claro que o G-7 queria manter o G-20 forte e manter a unidade”.

Após a aprovação do documento, Lula defendeu que a guerra não fosse assunto do G-20. Em linha com manifestações recentes da China e da Rússia, Lula argumentou que o G-20 foi criado para tratar de discussões econômicas e não era o ambiente adequado para conversar sobre a guerra.

“Nós achamos muito importante que a questão da guerra não entrasse no documento do G-20, porque senão as pessoas fazem a guerra, e nós perdemos tempo. Em vez de discutir a fome, o desemprego, a gente fica discutindo coisas que não são prioridade”, disse Lula em entrevista a uma TV local.

A moderação de tom agora, segundo a interpretação de embaixadores, pode beneficiar ainda discussões mais práticas durante o G-20 no Brasil, pois “limparam a pauta” para que os encontros planejados no País no ano que vem tratem de assuntos próprios do grupo e não fiquem amarrados à guerra.

Isso vai depender, claro, do desenrolar da guerra e de eventual estabelecimento de negociações de paz. Nada garante que o G-20 não tenha que tratar do tema de forma preponderante outra vez, apesar de não ser uma plataforma originalmente criada para o assunto.

Até a cúpula indiana, todas as reuniões ficavam condicionadas à discussão sobre a guerra, mesmo que fossem sobre outros temas. Segundo um diplomata, havia concentração excessiva no assunto, que “sequestrava” atenções até nas conversas entre ministros.

Com a questão da guerra resolvida, restou apenas solucionar a candidatura dos Estados Unidos para presidir o G-20 em 2026. Os chineses objetaram a pretensão de Joe Biden porque, segundo diplomatas que testemunharam as negociações, temiam que sanções impedissem sua delegação de enfrentar problemas para ingressar em território norte-americano. Os dois países negociaram em separado exceções e garantias consulares aos chineses, para que eles possam pisar nos EUA, daqui a três anos. Isso abriu caminho para a aprovação do texto final.

Com informações da AP

ENVIADO ESPECIAL A NOVA DÉLHI - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, intercederam na negociação do G-20 que resultou em um comunicado mais brando a respeito da guerra na Ucrânia e que deixa de condenar explicitamente a Rússia. Eles atuaram para convencer os demais países a aliviar a forma como se pronunciariam sobre a guerra, amenizando o tom da manifestação anterior. O resultado final favorece o governo de Vladimir Putin.

A intervenção ocorreu na véspera da abertura da cúpula do G-20, em Nova Délhi. Lula e Modi enviaram o recado de que endossavam politicamente o teor do documento final, àquela altura ainda um rascunho que estava sobre a mesa e que acabaria sendo adotado. Eles apelaram aos demais países para que a declaração fosse aprovada, por consenso.

O presidente Lula e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, trabalharam nos bastidores do G-20 para um comunicado que não condenou explicitamente a Rússia na guerra na Ucrânia. Foto: Evan Vucci

As negociações haviam travado em nível técnico, num impasse sobre como tratar a guerra na Ucrânia e suas consequências, sobretudo nas questões econômicas, na segurança alimentar e no suprimento de energia. Há quase uma semana em discussão, havia incertezas sobre o que resultaria do encontro na Índia.

A Declaração de Líderes do G-20 de Nova Délhi saiu mais moderada do que a anterior, de Bali (Indonésia), aprovada em 2022. O documento passado é considerado bastante duro com a Rússia - que faz parte do grupo - por reproduzir termos usados pelos países do G-7 aliados da Ucrânia, que conseguiram uma vitória na cúpula da Indonésia.

No ano passado, a maioria do G-20 decidiu condenar fortemente a guerra, deplorar veementemente a agressão russa e exigir a retirada total e incondicional de tropas de Vladimir Putin do território ucraniano. Nada disso consta mais da declaração aprovada no sábado, 9, na Índia.

A Índia convidara o Brasil e a África do Sul, parceiros do bloco IBAS, e ao final chamou ainda a Indonésia, que presidiu o G-20 anterior, para elaborarem o rascunho da declaração e ajudarem nas conversas a fim de que evitassem um fracasso diplomático. Concluir a cúpula indiana sem acordo e um comunicado oficial poderia, além de reforçar as divisões, representar um esvaziamento do G-20.

Foi então que os sherpas - como são conhecidos os diplomatas-chefes da delegação negociadora - do Brasil e da Índia levaram ao conhecimento dos demais que Lula e Modi haviam tido acesso ao rascunho previamente e eram a favor da adoção dele.

No caso do petista, ele quis consultar pessoalmente o teor da manifestação, segundo fontes do governo. Era por volta das 22h20 de sexta-feira, 8, pouco depois da chegada a Nova Délhi, quando o presidente brasileiro soube do impasse. Ele pediu ao ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que o informasse qual era o teor do documento proposto por Brasil, Índia e África do Sul.

Por telefone, Lula ouviu uma leitura dos parágrafos que tratavam da guerra na Ucrânia e aprovou o conteúdo. O petista instruiu o sherpa brasileiro, o embaixador Maurício Lyrio, a usar o seu nome, ressaltar que ele havia gostado do documento e pedir que fosse adotado. O sherpa indiano, Amitabh Kant, presidia os trabalhos e acrescentou que Modi pensava da mesma forma e endossava o apelo por um consenso, pois já não havia mais como negociar mudanças e acolher emendas.

Os negociadores estavam havia seis dias tentando encontrar a fórmula de comum acordo. Negociavam em separado, num hotel em Nuh, Haryana, a cerca de uma hora e meia de Nova Délhi.

Integrantes do governo brasileiro avaliam que o comunicado de Nova Délhi tem expressões consideradas importantes, como a busca por uma paz justa e duradoura, retomada do acordo de grãos do Mar Negro, integridade territorial, soberania e a abstenção da conquista de territórios pela força. “O uso ou ameçaça de uso de armas nucleares é inadmissível”, afirma o texto.

Mas o documento desagradou a Ucrânia. Oleg Nikolenko, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do país, afirmou que seu governo estava agradecido aos países que tentaram incluir uma linguagem mais enfática, mas que o “G20 não tem do que se orgulhar”, sugerindo, entre outras coisas, que a guerra “na Ucrânia” deveria ter sido mencionada como a guerra “contra a Ucrânia”.

O governo brasileiro considera relevante que o documento do G-20 tenha sido o primeiro texto que os aliados da Ucrânia e a Rússia assinam em conjunto e preguem na mesma direção. Esse seria um sinal de que há mais disposição a negociar e de que os dois lados reconhecem o desgaste provocado pela guerra, com estresse de mercados e alta de inflação, além do prolongamento do combate.

Outra explicação citada é que a Rússia não estava mais tão fragilizada diplomaticamente como um ano atrás, quando a Cúpula de Bali ficou ameaçada de não-realização. O enviado de Putin estava “nas cordas” naquele momento porque se cobrava até a exclusão de Moscou do G-20. O banimento dos russos já não foi mais cogitado na Índia.

Pesou ainda a ausência dos líderes de Rússia e China. Os dois países rivais dos Estados Unidos agiram coordenados. O sinal de que poderiam deixar o G-20 de lado, esvaziando o grupo que congrega países ricos e em desenvolvimento, era mal visto pelo Ocidente.

Eles temem que russos e chineses minem o G-20 e passem a privilegiar a cooperação econômica e política em plataformas alternativas, como o Brics. A expansão do Brics com mais seis membros semanas antes foi reconhecida como uma vitória da diplomacia chinesa, entre outros, pelo ex-chanceler Celso Amorim. Esse desdobramento teria alterado o cenário, pois fortaleceu o plano de Pequim de fazer frente ao Ocidente.

Os países ocidentais, nesse sentido, estavam mais dispostos a um acordo e, de forma pragmática, aceitaram um texto que recuava em relação ao do ano anterior, abdicando de insistir que o tom mais favorável à Ucrânia se repetisse. Segundo um negociador, “ficou claro que o G-7 queria manter o G-20 forte e manter a unidade”.

Após a aprovação do documento, Lula defendeu que a guerra não fosse assunto do G-20. Em linha com manifestações recentes da China e da Rússia, Lula argumentou que o G-20 foi criado para tratar de discussões econômicas e não era o ambiente adequado para conversar sobre a guerra.

“Nós achamos muito importante que a questão da guerra não entrasse no documento do G-20, porque senão as pessoas fazem a guerra, e nós perdemos tempo. Em vez de discutir a fome, o desemprego, a gente fica discutindo coisas que não são prioridade”, disse Lula em entrevista a uma TV local.

A moderação de tom agora, segundo a interpretação de embaixadores, pode beneficiar ainda discussões mais práticas durante o G-20 no Brasil, pois “limparam a pauta” para que os encontros planejados no País no ano que vem tratem de assuntos próprios do grupo e não fiquem amarrados à guerra.

Isso vai depender, claro, do desenrolar da guerra e de eventual estabelecimento de negociações de paz. Nada garante que o G-20 não tenha que tratar do tema de forma preponderante outra vez, apesar de não ser uma plataforma originalmente criada para o assunto.

Até a cúpula indiana, todas as reuniões ficavam condicionadas à discussão sobre a guerra, mesmo que fossem sobre outros temas. Segundo um diplomata, havia concentração excessiva no assunto, que “sequestrava” atenções até nas conversas entre ministros.

Com a questão da guerra resolvida, restou apenas solucionar a candidatura dos Estados Unidos para presidir o G-20 em 2026. Os chineses objetaram a pretensão de Joe Biden porque, segundo diplomatas que testemunharam as negociações, temiam que sanções impedissem sua delegação de enfrentar problemas para ingressar em território norte-americano. Os dois países negociaram em separado exceções e garantias consulares aos chineses, para que eles possam pisar nos EUA, daqui a três anos. Isso abriu caminho para a aprovação do texto final.

Com informações da AP

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