Lula erra ao relativizar o Holocausto e se distancia da mediação do conflito, dizem especialistas


Declaração do presidente abre crise diplomática e coloca em cheque independência do País no cenário internacional

Por Isabel Gomes
Atualização:

Ao comparar a operação israelense contra o grupo Hamas na Faixa de Gaza com o Holocausto de Adolf Hitler, neste domingo, 18, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não surpreendeu no tom crítico já demonstrado à Israel anteriormente, mas errou, e de forma grave, ao relativizar o massacre do povo judeu. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, a fala estremece uma relação já delicada com Tel-Aviv e coloca o Brasil em uma posição ainda mais distante da mediação do conflito.

“O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler resolveu matar os judeus”, afirmou Lula aos jornalistas em Adis Abeba, na Etiópia, onde participou como convidado da cúpula anual da União Africana. As declarações foram imediatamente repudiadas pelo primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, que afirmou que Lula “atravessou uma linha vermelha”.

“Não sabemos exatamente o que isso quer dizer na na visão do governo israelense, mas já sabemos que gera uma crise diplomática entre Brasil e Israel”, avalia Karina Stange Calandrin, pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da USO e colaboradora do Instituto Brasil-Israel, que avalia a declaração como “problemática” do ponto de vista da política externa brasileira.

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“É uma fala que exacerba uma posição de conflitos e que que busca culpados. E por mais que possam haver culpados, essa não é uma posição de um país que busca ser um mediador”, argumenta.

Essa é uma visão parecida com a de Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99). Ele diz: “A declaração de Lula passou dos limites. Ele tem sido consistente nas críticas à guerra. Mas agora ele ataca o Estado e não o governo. Coloca em questão o Estado de Israel. Essa não é a posição do Itamaraty. Isso prejudica a percepção externa sobre o Brasil, prejudica a autonomia. O País tem de ter posição de independência e não de ideologização política”.

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Ao atuar como mediador, não se espera que o Brasil seja neutro, mas que tenha posições claras aceitas por pelo menos um dos lados envolvidos, sem ser vetado pelo outro, argumenta Michel Gherman, professor do Departamento de Sociologia e coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos (NIEJ). E isso pode ter se estremecido com a declaração do petista.

“Lula se estabelece como o mediador muito importante pra representação da criação do Estado Palestino e para o fim da ocupação do território palestino por Israel, mas isso estava muito consolidado até hoje. (...) O que a gente tem hoje é a possibilidade de que ele não só não seja neutro, mas que ele seja afetado pelo outro lado, porque utilização do Holocausto é equivocada, é mal utilizada”, avalia.

Lula comparou a operação militar de Israel em Gaza com o Holocausto promovido por Hitler. A fala foi criticada pelo premiê de Israel e por entidades judaicas. Foto: Ricardo Stuckert /Presidência da República
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Narrativa de Netanyahu sai fortalecida

Para além do premiê israelense, a fala de Lula foi duramente criticada por entidades judaicas do Brasil e do mundo por usar genocídio contra judeus em uma crítica contra um país em que 75% da população é judaica. “O presidente Lula não escolheu fazer a comparação com o genocídio que aconteceu em Ruanda, com o genocídio armênio ou com o genocídio na guerra da Bósnia. Ele escolheu fazer com genocídio dos judeus no Holocausto, então isto cai na questão de querer colocar os judeus agora na posição de algozes”, diz Karina.

Nesse sentido, a perseguição internacional é um argumento frequentemente acionado por Netanyahu em defesa de sua guerra, e a referência fundamental disto é a utilização de elementos antissemitas. As falas de Lula, portanto, podem ser um novo elemento para fortalecer essa narrativa.

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“Imediatamente depois que o Lula fez essa declaração, o Netanyahu declarou que o Lula tinha que ficar envergonhado do que disse. Isso é uma utilização política para se colocar no lugar de que só eu posso defender vocês, não só israelenses, mas judeus”, explica diz Gherman.

O premiê israelense também ganha uma nova carta interna. Em meio a críticas sobre sua condução na guerra e à performance em relação aos reféns sob o poder do Hamas, Netanyahu tem um novo elemento para desviar a atenção de si mesmo e ganhar mais tempo no poder, avalia Karina.

Lula pisou em novos terrenos

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Para Daniel Buarque, doutor em relações internacionais pelo King’s College London e autor do livro “Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power”, Lula assumiu um risco.

“Tomar partido de forma tão contundente é sempre uma aposta arriscada. O risco principal nesse processo é que os governos americano e de países da Europa se alinhem a Israel e isolem o Brasil de discussões políticas importantes não só sobre a atual guerra, mas sobre grandes questões globais. Em um mundo dominado por esses países ocidentais, isso seria um problema para o País”, diz ele.

“Determinar se o posicionamento está certo ou errado a esta altura não tem nenhum fundamento além do alinhamento ideológico de quem julga. Quem defende Israel e o Ocidente vai ver no gesto um “erro grotesco”, enquanto quem critica Israel e é a favor da aliança do Brasil com o Sul Global vai achar que o presidente acertou. O fato é que a declaração fez o Brasil se mexer no tabuleiro da política global, e isso é importante para quem quer ter alguma influência no mundo”, completa.

Ao comparar a operação israelense contra o grupo Hamas na Faixa de Gaza com o Holocausto de Adolf Hitler, neste domingo, 18, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não surpreendeu no tom crítico já demonstrado à Israel anteriormente, mas errou, e de forma grave, ao relativizar o massacre do povo judeu. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, a fala estremece uma relação já delicada com Tel-Aviv e coloca o Brasil em uma posição ainda mais distante da mediação do conflito.

“O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler resolveu matar os judeus”, afirmou Lula aos jornalistas em Adis Abeba, na Etiópia, onde participou como convidado da cúpula anual da União Africana. As declarações foram imediatamente repudiadas pelo primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, que afirmou que Lula “atravessou uma linha vermelha”.

“Não sabemos exatamente o que isso quer dizer na na visão do governo israelense, mas já sabemos que gera uma crise diplomática entre Brasil e Israel”, avalia Karina Stange Calandrin, pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da USO e colaboradora do Instituto Brasil-Israel, que avalia a declaração como “problemática” do ponto de vista da política externa brasileira.

“É uma fala que exacerba uma posição de conflitos e que que busca culpados. E por mais que possam haver culpados, essa não é uma posição de um país que busca ser um mediador”, argumenta.

Essa é uma visão parecida com a de Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99). Ele diz: “A declaração de Lula passou dos limites. Ele tem sido consistente nas críticas à guerra. Mas agora ele ataca o Estado e não o governo. Coloca em questão o Estado de Israel. Essa não é a posição do Itamaraty. Isso prejudica a percepção externa sobre o Brasil, prejudica a autonomia. O País tem de ter posição de independência e não de ideologização política”.

Ao atuar como mediador, não se espera que o Brasil seja neutro, mas que tenha posições claras aceitas por pelo menos um dos lados envolvidos, sem ser vetado pelo outro, argumenta Michel Gherman, professor do Departamento de Sociologia e coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos (NIEJ). E isso pode ter se estremecido com a declaração do petista.

“Lula se estabelece como o mediador muito importante pra representação da criação do Estado Palestino e para o fim da ocupação do território palestino por Israel, mas isso estava muito consolidado até hoje. (...) O que a gente tem hoje é a possibilidade de que ele não só não seja neutro, mas que ele seja afetado pelo outro lado, porque utilização do Holocausto é equivocada, é mal utilizada”, avalia.

Lula comparou a operação militar de Israel em Gaza com o Holocausto promovido por Hitler. A fala foi criticada pelo premiê de Israel e por entidades judaicas. Foto: Ricardo Stuckert /Presidência da República

Narrativa de Netanyahu sai fortalecida

Para além do premiê israelense, a fala de Lula foi duramente criticada por entidades judaicas do Brasil e do mundo por usar genocídio contra judeus em uma crítica contra um país em que 75% da população é judaica. “O presidente Lula não escolheu fazer a comparação com o genocídio que aconteceu em Ruanda, com o genocídio armênio ou com o genocídio na guerra da Bósnia. Ele escolheu fazer com genocídio dos judeus no Holocausto, então isto cai na questão de querer colocar os judeus agora na posição de algozes”, diz Karina.

Nesse sentido, a perseguição internacional é um argumento frequentemente acionado por Netanyahu em defesa de sua guerra, e a referência fundamental disto é a utilização de elementos antissemitas. As falas de Lula, portanto, podem ser um novo elemento para fortalecer essa narrativa.

“Imediatamente depois que o Lula fez essa declaração, o Netanyahu declarou que o Lula tinha que ficar envergonhado do que disse. Isso é uma utilização política para se colocar no lugar de que só eu posso defender vocês, não só israelenses, mas judeus”, explica diz Gherman.

O premiê israelense também ganha uma nova carta interna. Em meio a críticas sobre sua condução na guerra e à performance em relação aos reféns sob o poder do Hamas, Netanyahu tem um novo elemento para desviar a atenção de si mesmo e ganhar mais tempo no poder, avalia Karina.

Lula pisou em novos terrenos

Para Daniel Buarque, doutor em relações internacionais pelo King’s College London e autor do livro “Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power”, Lula assumiu um risco.

“Tomar partido de forma tão contundente é sempre uma aposta arriscada. O risco principal nesse processo é que os governos americano e de países da Europa se alinhem a Israel e isolem o Brasil de discussões políticas importantes não só sobre a atual guerra, mas sobre grandes questões globais. Em um mundo dominado por esses países ocidentais, isso seria um problema para o País”, diz ele.

“Determinar se o posicionamento está certo ou errado a esta altura não tem nenhum fundamento além do alinhamento ideológico de quem julga. Quem defende Israel e o Ocidente vai ver no gesto um “erro grotesco”, enquanto quem critica Israel e é a favor da aliança do Brasil com o Sul Global vai achar que o presidente acertou. O fato é que a declaração fez o Brasil se mexer no tabuleiro da política global, e isso é importante para quem quer ter alguma influência no mundo”, completa.

Ao comparar a operação israelense contra o grupo Hamas na Faixa de Gaza com o Holocausto de Adolf Hitler, neste domingo, 18, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não surpreendeu no tom crítico já demonstrado à Israel anteriormente, mas errou, e de forma grave, ao relativizar o massacre do povo judeu. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, a fala estremece uma relação já delicada com Tel-Aviv e coloca o Brasil em uma posição ainda mais distante da mediação do conflito.

“O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler resolveu matar os judeus”, afirmou Lula aos jornalistas em Adis Abeba, na Etiópia, onde participou como convidado da cúpula anual da União Africana. As declarações foram imediatamente repudiadas pelo primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, que afirmou que Lula “atravessou uma linha vermelha”.

“Não sabemos exatamente o que isso quer dizer na na visão do governo israelense, mas já sabemos que gera uma crise diplomática entre Brasil e Israel”, avalia Karina Stange Calandrin, pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da USO e colaboradora do Instituto Brasil-Israel, que avalia a declaração como “problemática” do ponto de vista da política externa brasileira.

“É uma fala que exacerba uma posição de conflitos e que que busca culpados. E por mais que possam haver culpados, essa não é uma posição de um país que busca ser um mediador”, argumenta.

Essa é uma visão parecida com a de Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99). Ele diz: “A declaração de Lula passou dos limites. Ele tem sido consistente nas críticas à guerra. Mas agora ele ataca o Estado e não o governo. Coloca em questão o Estado de Israel. Essa não é a posição do Itamaraty. Isso prejudica a percepção externa sobre o Brasil, prejudica a autonomia. O País tem de ter posição de independência e não de ideologização política”.

Ao atuar como mediador, não se espera que o Brasil seja neutro, mas que tenha posições claras aceitas por pelo menos um dos lados envolvidos, sem ser vetado pelo outro, argumenta Michel Gherman, professor do Departamento de Sociologia e coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos (NIEJ). E isso pode ter se estremecido com a declaração do petista.

“Lula se estabelece como o mediador muito importante pra representação da criação do Estado Palestino e para o fim da ocupação do território palestino por Israel, mas isso estava muito consolidado até hoje. (...) O que a gente tem hoje é a possibilidade de que ele não só não seja neutro, mas que ele seja afetado pelo outro lado, porque utilização do Holocausto é equivocada, é mal utilizada”, avalia.

Lula comparou a operação militar de Israel em Gaza com o Holocausto promovido por Hitler. A fala foi criticada pelo premiê de Israel e por entidades judaicas. Foto: Ricardo Stuckert /Presidência da República

Narrativa de Netanyahu sai fortalecida

Para além do premiê israelense, a fala de Lula foi duramente criticada por entidades judaicas do Brasil e do mundo por usar genocídio contra judeus em uma crítica contra um país em que 75% da população é judaica. “O presidente Lula não escolheu fazer a comparação com o genocídio que aconteceu em Ruanda, com o genocídio armênio ou com o genocídio na guerra da Bósnia. Ele escolheu fazer com genocídio dos judeus no Holocausto, então isto cai na questão de querer colocar os judeus agora na posição de algozes”, diz Karina.

Nesse sentido, a perseguição internacional é um argumento frequentemente acionado por Netanyahu em defesa de sua guerra, e a referência fundamental disto é a utilização de elementos antissemitas. As falas de Lula, portanto, podem ser um novo elemento para fortalecer essa narrativa.

“Imediatamente depois que o Lula fez essa declaração, o Netanyahu declarou que o Lula tinha que ficar envergonhado do que disse. Isso é uma utilização política para se colocar no lugar de que só eu posso defender vocês, não só israelenses, mas judeus”, explica diz Gherman.

O premiê israelense também ganha uma nova carta interna. Em meio a críticas sobre sua condução na guerra e à performance em relação aos reféns sob o poder do Hamas, Netanyahu tem um novo elemento para desviar a atenção de si mesmo e ganhar mais tempo no poder, avalia Karina.

Lula pisou em novos terrenos

Para Daniel Buarque, doutor em relações internacionais pelo King’s College London e autor do livro “Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power”, Lula assumiu um risco.

“Tomar partido de forma tão contundente é sempre uma aposta arriscada. O risco principal nesse processo é que os governos americano e de países da Europa se alinhem a Israel e isolem o Brasil de discussões políticas importantes não só sobre a atual guerra, mas sobre grandes questões globais. Em um mundo dominado por esses países ocidentais, isso seria um problema para o País”, diz ele.

“Determinar se o posicionamento está certo ou errado a esta altura não tem nenhum fundamento além do alinhamento ideológico de quem julga. Quem defende Israel e o Ocidente vai ver no gesto um “erro grotesco”, enquanto quem critica Israel e é a favor da aliança do Brasil com o Sul Global vai achar que o presidente acertou. O fato é que a declaração fez o Brasil se mexer no tabuleiro da política global, e isso é importante para quem quer ter alguma influência no mundo”, completa.

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