Apesar das pressões que vem deve sofrer na cúpula do G-7 que começou nesta sexta-feira, 19, em Hiroshima no Japão, o Brasil dificilmente mudará sua postura de neutralidade na guerra da Ucrânia. O presidente ucraniano Volodmir Zelenski já avisou que quer uma reunião bilateral com Luiz Inácio Lula da Silva e os Estados-membros do Grupo dos Sete vêm anunciando mais sanções contra a Rússia. Mas posição brasileira, bem como de outros convidados como Índia e Indonésia, tende a ficar intacta.
No início da cúpula os países-membros publicaram um comunicado afirmando que pretendem “definhar a máquina de guerra da Rússia”. Os Estados Unidos anunciaram mais sanções contra Moscou e os demais países desenvolvimentos pretendem seguir a linha até o fim da cúpula no domingo, 21. Mas mais do que impor sanções, a intenção é evitar que a Rússia consiga contorná-las como tem feito até então.
Lula, que é o primeiro presidente brasileiro a comparecer na cúpula em catorze anos, defende o diálogo entre as partes do conflito, somando-se à posição histórica do Itamaraty de ser contra sanções unilaterais. Jornais americanos, apontam um presidente brasileiro emparedado na reunião para pender para o lado da Ucrânia.
Em um sinal ainda maior de pressão, Zelenski decidiu ir pessoalmente ao Japão, em vez de participar por videoconferência, e pediu um encontro com Lula. Ambos já se falaram por telefone, depois de declarações polêmicas do brasileiro sobre a guerra, e o ucraniano se encontrou com o assessor especial Celso Amorim em Kiev. Mas um encontro entre os dois presidentes ainda não havia ocorrido, assim como Lula também não se reuniu com Vladimir Putin até o momento.
“Não vejo essa pressão tendo qualquer efeito sobre qualquer país neutro no conflito, muito menos o Brasil”, afirma o professor de Relações Internacionais na FAAP e FGV, Vinícius Vieira. “O Brasil é considerado um Estado pivô no equilíbrio de forças internacionais, com um papel de potência regional e com grande peso econômico e geopolítico na América do Sul. Só isso já é uma razão para que o Brasil resista a essas pressões”.
Ainda de acordo com o analista, se o Ocidente optasse por pressionar o Brasil de alguma maneira, o mais provável seria um corte no investimento no Fundo Amazônia como retaliação à falta de apoio à Ucrânia. “Mas o Ocidente não deixou de cooperar com o Brasil.Pelo contrário, o Fundo Amazônia está crescendo”, explica.
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Além disso, o Brasil não é o único convidado a ter uma posição de neutralidade. Os outros dois, Narendra Modi, da Índia, e Joko Widodo, da Indonésia, também são neutros no conflito e servirão de reforço para que o Brasil não ceda às pressões.
“O Brasil não está sozinho nisso. Tal como a Índia, a Indonésia e até a própria Turquia, o Brasil vai explorar esse status até o limite de modo a manter as boas relações para investimentos e prestígio diplomático. O Brasil está em plenas condições de resistir, até porque os custos de manter a neutralidade ainda são relativamente baixos e acho que vão continuar baixos enquanto nenhum lado tiver forças para vencer a guerra”, explica o professor da FGV.
Para Carlos Gustavo Poggio, professor-associado no Berea College, dos Estados Unidos, o Brasil, em certa medida, compartilha uma visão comum a outros países do chamado Sul Global, como o caso da Indonésia. “É interessante nessa reunião do G-7 olhar também a posição da Indonésia, que tem uma população maior que a população brasileira, tem uma influência muito grande ali no sudeste asiático e tem uma postura semelhante à postura do Brasil de neutralidade”, afirma.
Aceno aos emergentes
Segundo os analistas, só o fato de o Brasil ter sido convidado junto com Índia e Indonésia, demonstra muito mais uma posição de cortejo dos países do G-7 do que uma intenção apenas de pressionar. “O G-7 tem claramente uma pretensão de não se afastar dos países do Sul Global, dos quais o Brasil é um ator importante”, observa Poggio.
De acordo com Vieira, a lógica empregada pelos países desenvolvidos é a mesma de uma negociação simples, em que se aposta no objetivo mais alto possível para conseguir algum resultado ao menos intermediário. Ou seja, ao pressionar para que o Brasil, bem como Índia e Indonésia, tomem o partido ucraniano, o Grupo dos Sete espera ao menos impedir que esses países deem suporte à Rússia.
Nesse sentido, o constrangimento é muito maior para a Índia do que para o Brasil, já que o país deliberadamente mantém comércio de hidrocarbonetos com a Rússia, tornando possível para que Moscou contorne as sanções.
“Ainda que o Brasil mantenha o comércio de fertilizantes da Rússia, não é nada fora do normal, como é o caso da Índia com o petróleo”, afirma o professor da FGV. “Sua posição é muito mais constrangedora perante Ucrânia, tanto que a Índia, diferentemente do Brasil, não se ofereceu para mediar as conversas.”
Mas mesmo com a Índia, o G-7 não tem tanto espaço para uma pressão absoluta aos convidados, já que busca cortejá-los para o lado ocidental. “A questão da Ucrânia não é meramente sobre a Ucrânia, mas é sobre a ordem internacional atual, a chamada ordem internacional liberal”, explica Poggio. “A gente tem que olhar pra essa cúpula do G-7 não apenas como uma questão da Ucrânia em si, mas em termos das questões geopolíticas”.
“Justamente porque que o Lula foi convidado junto com o Modi e o presidente indonésio, que são todos são Estados pivô, mostra que o Ocidente está cortejando”, concorda Vieira.
“Esses países desenvolvidos estão preocupados, primeiro com a guerra da Ucrânia por questão da manutenção desta ordem internacional, mas também com a influência chinesa que é uma outra ameaça a esta mesma ordem”, completa Poggio. “Nesse sentido, não caberia à diplomacia americana e à diplomacia europeia antagonizar países como Brasil e Indonésia que são importantes nesse contexto global mais amplo.”