Lula no G7: o que esperar da participação do presidente na cúpula?


Presidente é considerado um líder acostumado a lidar com a dinâmica desses encontros, mas desembarca em Hiroshima pressionado a dar explicações sobre posição na guerra da Ucrânia

Por Felipe Frazão

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve desempenhar um papel de contrapeso na Cúpula do G-7, em Hiroshima, no Japão, neste fim de semana, onde pretende conversar com líderes globais sobre a guerra na Ucrânia e sua proposta de mediação. Enquanto o bloco apoia integralmente a reação e a defesa do governo Volodimir Zelenski, Lula reafirma ter uma posição de neutralidade, rechaça o isolamento político completo de Vladimir Putin e se lança como potencial articulador para encerrar o conflito.

Lula chega ao Japão para uma série de reuniões. São nove encontros bilaterais, no mais alto nível político, e mais três mesas de trabalho conjuntas, para tratar de assuntos como o alto endividamento de países em desenvolvimento, a escalada da inflação, o combate à crise climática, a garantia de saúde pública e de segurança alimentar, além da guerra na Ucrânia.

Mas enquanto Lula fala em promover diálogos de paz e cessar o confronto imediatamente, todos os países do bloco dos mais industrializados (Japão, Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália e Reino Unido) fornecem armas ou equipamentos de defesa em apoio à Ucrânia. Zelenski recém encerrou uma turnê na Europa, por países do G-7, e agora planeja o desdobramento militar no campo de batalha, lançando uma contraofensiva.

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a abertura do seminário Transparência e Acesso à Informação: Desafios para uma Nova Década Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ao fim, a edição japonesa do G-7 pretende adotar duas declarações. Uma delas, costurada entre diplomatas apenas dos sete países-membros, deverá usar uma linguagem dura contra Rússia - o país foi expulso do bloco, antigo G-8, após anexar a Crimeia em 2014.

O segundo comunicado, negociado nos bastidores com o Brasil e demais países convidados, tem como tema central a segurança alimentar global, afetada diretamente pelo conflito no Leste Europeu, por causa da posição de Ucrânia e Rússia na produção de grãos e insumos agrícolas. Uma menção à guerra é, portanto, inevitável, mas o Itamaraty trabalha para que o texto não avance além disso.

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Nas negociações prévias do rascunho, o Brasil atua para evitar que a reunião ampliada do bloco, com países convidados, se transforme em plataforma para fustigar a Rússia. Embaixadores envolvidos nas tratativas detectaram que os membros do G-7 devem tentar novamente emplacar termos sobre o confronto bélico que o Brasil ainda não avançou.

A depender do teor, Lula pode não subscrever o texto, o que seria considerado um revés diplomático para os esforços do G-7.

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Mesmo sob críticas de seus parceiros ocidentais, o Brasil já deixou de endossar comunicados conjuntos que tratavam da guerra, sob alegação de que o assunto não era pertinente na ocasião. Foi o que ocorreu na segunda edição da Cúpula da Democracia promovida por Joe Biden, em março.

Se todo o G-7 é aliado da Ucrânia, entre os convidados os de maior peso são justamente Índia e Brasil, ambos parceiros dos russos nos Brics, além da Indonésia. O Brasil conta justamente com a oposição da Índia para evitar que o encontro no Japão seja visto como uma reunião anti-Rússia. A Índia é de longa data destino de armas russas e também compra petróleo do país em condições vantajosas, a despeito de reclamações no Ocidente.

Lula é considerado um líder acostumado a lidar com a dinâmica desses encontros, mas desembarca em Hiroshima pressionado a dar explicações. A última incursão de Lula na Ásia, na China, deixou a impressão de que ele havia tomado lado no conflito, o que a chancelaria brasileira nega.

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Encontro bilateral entre o presidente dos EUA, Joe Biden, e o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, antes da cúpula do G-7 Foto: Kiyoshi Ota/Reuters

Os principais parceiros ocidentais do País, Estados Unidos e União Europeia, se queixaram abertamente (em termos nada diplomáticos como “papaguear” propaganda russa) e manifestaram decepção com as declarações atravessadas de Lula em entrevistas concedidas em Pequim e Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.

Nessas duas visitas de Estado prévias, Lula equiparou responsabilidades do país invadido, a Ucrânia, e do invasor, a Rússia, e culpou Washington e Bruxelas pelo prolongamento conflito armado. As falas ocorreram em entrevistas do presidente.

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Pressionado, Lula voltou ao eixo, chegou a ler discursos prontos sobre o assunto, e reiterou a posição de condenação da violação territorial da Ucrânia, a exortar as partes a solucionar as diferenças pelo diálogo, mas também rechaçou sanções unilaterais a Moscou.

O que tanto ucranianos como norte-americanos e europeus reiteram ao brasileiro é que a Rússia não pode ser recompensada, nem ficar com territórios invadidos e ocupados à força. A desocupação é condição zero, embora o Brasil não aborde a questão claramente e Lula já tenha sugerido que Kiev cedesse a Crimeia, o que foi prontamente rejeitado.

O G-7 será a primeira cúpula de chefes de Estado de Lula desde seu retorno à Presidência da República. O Japão é o nono país que Lula visita na largada do terceiro mandato presidencial, mas em nenhum outro houve encontros conjuntos nesse formato.

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O G-7 será a primeira cúpula de chefes de Estado de Lula desde seu retorno à Presidência da República  Foto: Ricardo Stuckert/PR

A diplomacia considera o convite um sinal de prestígio. Desde 2009, nenhum outro presidente brasileiro foi convidado a participar do G-7. Catorze anos depois, ele será o único chefe de Estado da América Latina presente. Lula vai ao Japão pela terceira vez e participa do G-7 pela sétima ocasião.

Mas Lula vai ao G-7 em outro contexto global e de realidade do bloco. Embora muito coeso politicamente, sobretudo no principal tema da agenda global, o conflito na Ucrânia, o grupo enfrenta uma perda de peso econômico de seus membros, em termos de participação na economia global, com o crescimento de economias em desenvolvimento, casos de China e Índia.

Lula anunciou na semana passada que apresentaria ao longo do G-7 sua proposta aos líderes políticos que encontrasse, conversando reservadamente com cada um.

O presidente tenta reeditar o protagonismo da diplomacia presidencial que marcou seus governos anteriores. O estilo costuma causar fricções, com algum grau de improviso nos pronunciamentos - em geral muito mais calculados pelos diplomatas.

A última incursão de Lula na Ásia, na China, deixou a impressão de que ele havia tomado lado no conflito, o que a chancelaria brasileira nega  Foto: Ricardo Stuckert/PR via Reuters

Mais uma vez, Lula vem se colocando como potencial mediador de conflitos e divergências em curso, embora fosse esperado no Ocidente que ele focasse na agenda verde, energética e na Amazônia, como defendem analistas no Brasil É também o que pensam diplomatas dos escalões intermediários do Ministério das Relações Exteriores.

A nova empreitada no Leste Europeu lembra a frustrada tentativa de mediar, em 2010, um acordo nuclear entre Irã e Estados Unidos. Washington não aprovou. Lula contava com o presidente turco Recep Erdogan, visto como um ator mais relevante na mediação entre Kiev e Moscou.

Nas conversas, o presidente também deverá reforçar cobranças para que os países mais industrializados cumpram a promessa de doar U$ 100 bilhões para proteção ambiental e discutir a situação de parceiros, como a Argentina, que enfrenta um cenário econômico adverso com alta inflação, escassez de divisas e endividamento externo.

O Japão tem uma das cinco maiores comunidades brasileiras no exterior. Lula perdeu as eleições no país, quando consideradas as urnas nas eleições do ano passado.

O presidente vai participar de uma cerimônia em homenagem às vítimas da bomba de Hiroshima e de um encontro com empresários japoneses, entre eles dos grupos Mitsui, NEC, Nippon Steel e Toyota, e do banco de financiamento JBIC.

Além do Brasil, foram convidados os chefes de Estado e de governo de Austrália, Ilhas Comores (presidência da União Africana), Ilhas Cook (presidência do Fórum das Ilhas do Pacífico), Indonésia (presidência da Associação de Nações do Sudeste Asiático), Índia (presidência do G-20), Vietnã e Coreia do Sul.

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve desempenhar um papel de contrapeso na Cúpula do G-7, em Hiroshima, no Japão, neste fim de semana, onde pretende conversar com líderes globais sobre a guerra na Ucrânia e sua proposta de mediação. Enquanto o bloco apoia integralmente a reação e a defesa do governo Volodimir Zelenski, Lula reafirma ter uma posição de neutralidade, rechaça o isolamento político completo de Vladimir Putin e se lança como potencial articulador para encerrar o conflito.

Lula chega ao Japão para uma série de reuniões. São nove encontros bilaterais, no mais alto nível político, e mais três mesas de trabalho conjuntas, para tratar de assuntos como o alto endividamento de países em desenvolvimento, a escalada da inflação, o combate à crise climática, a garantia de saúde pública e de segurança alimentar, além da guerra na Ucrânia.

Mas enquanto Lula fala em promover diálogos de paz e cessar o confronto imediatamente, todos os países do bloco dos mais industrializados (Japão, Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália e Reino Unido) fornecem armas ou equipamentos de defesa em apoio à Ucrânia. Zelenski recém encerrou uma turnê na Europa, por países do G-7, e agora planeja o desdobramento militar no campo de batalha, lançando uma contraofensiva.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a abertura do seminário Transparência e Acesso à Informação: Desafios para uma Nova Década Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ao fim, a edição japonesa do G-7 pretende adotar duas declarações. Uma delas, costurada entre diplomatas apenas dos sete países-membros, deverá usar uma linguagem dura contra Rússia - o país foi expulso do bloco, antigo G-8, após anexar a Crimeia em 2014.

O segundo comunicado, negociado nos bastidores com o Brasil e demais países convidados, tem como tema central a segurança alimentar global, afetada diretamente pelo conflito no Leste Europeu, por causa da posição de Ucrânia e Rússia na produção de grãos e insumos agrícolas. Uma menção à guerra é, portanto, inevitável, mas o Itamaraty trabalha para que o texto não avance além disso.

Nas negociações prévias do rascunho, o Brasil atua para evitar que a reunião ampliada do bloco, com países convidados, se transforme em plataforma para fustigar a Rússia. Embaixadores envolvidos nas tratativas detectaram que os membros do G-7 devem tentar novamente emplacar termos sobre o confronto bélico que o Brasil ainda não avançou.

A depender do teor, Lula pode não subscrever o texto, o que seria considerado um revés diplomático para os esforços do G-7.

Mesmo sob críticas de seus parceiros ocidentais, o Brasil já deixou de endossar comunicados conjuntos que tratavam da guerra, sob alegação de que o assunto não era pertinente na ocasião. Foi o que ocorreu na segunda edição da Cúpula da Democracia promovida por Joe Biden, em março.

Se todo o G-7 é aliado da Ucrânia, entre os convidados os de maior peso são justamente Índia e Brasil, ambos parceiros dos russos nos Brics, além da Indonésia. O Brasil conta justamente com a oposição da Índia para evitar que o encontro no Japão seja visto como uma reunião anti-Rússia. A Índia é de longa data destino de armas russas e também compra petróleo do país em condições vantajosas, a despeito de reclamações no Ocidente.

Lula é considerado um líder acostumado a lidar com a dinâmica desses encontros, mas desembarca em Hiroshima pressionado a dar explicações. A última incursão de Lula na Ásia, na China, deixou a impressão de que ele havia tomado lado no conflito, o que a chancelaria brasileira nega.

Encontro bilateral entre o presidente dos EUA, Joe Biden, e o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, antes da cúpula do G-7 Foto: Kiyoshi Ota/Reuters

Os principais parceiros ocidentais do País, Estados Unidos e União Europeia, se queixaram abertamente (em termos nada diplomáticos como “papaguear” propaganda russa) e manifestaram decepção com as declarações atravessadas de Lula em entrevistas concedidas em Pequim e Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.

Nessas duas visitas de Estado prévias, Lula equiparou responsabilidades do país invadido, a Ucrânia, e do invasor, a Rússia, e culpou Washington e Bruxelas pelo prolongamento conflito armado. As falas ocorreram em entrevistas do presidente.

Pressionado, Lula voltou ao eixo, chegou a ler discursos prontos sobre o assunto, e reiterou a posição de condenação da violação territorial da Ucrânia, a exortar as partes a solucionar as diferenças pelo diálogo, mas também rechaçou sanções unilaterais a Moscou.

O que tanto ucranianos como norte-americanos e europeus reiteram ao brasileiro é que a Rússia não pode ser recompensada, nem ficar com territórios invadidos e ocupados à força. A desocupação é condição zero, embora o Brasil não aborde a questão claramente e Lula já tenha sugerido que Kiev cedesse a Crimeia, o que foi prontamente rejeitado.

O G-7 será a primeira cúpula de chefes de Estado de Lula desde seu retorno à Presidência da República. O Japão é o nono país que Lula visita na largada do terceiro mandato presidencial, mas em nenhum outro houve encontros conjuntos nesse formato.

O G-7 será a primeira cúpula de chefes de Estado de Lula desde seu retorno à Presidência da República  Foto: Ricardo Stuckert/PR

A diplomacia considera o convite um sinal de prestígio. Desde 2009, nenhum outro presidente brasileiro foi convidado a participar do G-7. Catorze anos depois, ele será o único chefe de Estado da América Latina presente. Lula vai ao Japão pela terceira vez e participa do G-7 pela sétima ocasião.

Mas Lula vai ao G-7 em outro contexto global e de realidade do bloco. Embora muito coeso politicamente, sobretudo no principal tema da agenda global, o conflito na Ucrânia, o grupo enfrenta uma perda de peso econômico de seus membros, em termos de participação na economia global, com o crescimento de economias em desenvolvimento, casos de China e Índia.

Lula anunciou na semana passada que apresentaria ao longo do G-7 sua proposta aos líderes políticos que encontrasse, conversando reservadamente com cada um.

O presidente tenta reeditar o protagonismo da diplomacia presidencial que marcou seus governos anteriores. O estilo costuma causar fricções, com algum grau de improviso nos pronunciamentos - em geral muito mais calculados pelos diplomatas.

A última incursão de Lula na Ásia, na China, deixou a impressão de que ele havia tomado lado no conflito, o que a chancelaria brasileira nega  Foto: Ricardo Stuckert/PR via Reuters

Mais uma vez, Lula vem se colocando como potencial mediador de conflitos e divergências em curso, embora fosse esperado no Ocidente que ele focasse na agenda verde, energética e na Amazônia, como defendem analistas no Brasil É também o que pensam diplomatas dos escalões intermediários do Ministério das Relações Exteriores.

A nova empreitada no Leste Europeu lembra a frustrada tentativa de mediar, em 2010, um acordo nuclear entre Irã e Estados Unidos. Washington não aprovou. Lula contava com o presidente turco Recep Erdogan, visto como um ator mais relevante na mediação entre Kiev e Moscou.

Nas conversas, o presidente também deverá reforçar cobranças para que os países mais industrializados cumpram a promessa de doar U$ 100 bilhões para proteção ambiental e discutir a situação de parceiros, como a Argentina, que enfrenta um cenário econômico adverso com alta inflação, escassez de divisas e endividamento externo.

O Japão tem uma das cinco maiores comunidades brasileiras no exterior. Lula perdeu as eleições no país, quando consideradas as urnas nas eleições do ano passado.

O presidente vai participar de uma cerimônia em homenagem às vítimas da bomba de Hiroshima e de um encontro com empresários japoneses, entre eles dos grupos Mitsui, NEC, Nippon Steel e Toyota, e do banco de financiamento JBIC.

Além do Brasil, foram convidados os chefes de Estado e de governo de Austrália, Ilhas Comores (presidência da União Africana), Ilhas Cook (presidência do Fórum das Ilhas do Pacífico), Indonésia (presidência da Associação de Nações do Sudeste Asiático), Índia (presidência do G-20), Vietnã e Coreia do Sul.

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve desempenhar um papel de contrapeso na Cúpula do G-7, em Hiroshima, no Japão, neste fim de semana, onde pretende conversar com líderes globais sobre a guerra na Ucrânia e sua proposta de mediação. Enquanto o bloco apoia integralmente a reação e a defesa do governo Volodimir Zelenski, Lula reafirma ter uma posição de neutralidade, rechaça o isolamento político completo de Vladimir Putin e se lança como potencial articulador para encerrar o conflito.

Lula chega ao Japão para uma série de reuniões. São nove encontros bilaterais, no mais alto nível político, e mais três mesas de trabalho conjuntas, para tratar de assuntos como o alto endividamento de países em desenvolvimento, a escalada da inflação, o combate à crise climática, a garantia de saúde pública e de segurança alimentar, além da guerra na Ucrânia.

Mas enquanto Lula fala em promover diálogos de paz e cessar o confronto imediatamente, todos os países do bloco dos mais industrializados (Japão, Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália e Reino Unido) fornecem armas ou equipamentos de defesa em apoio à Ucrânia. Zelenski recém encerrou uma turnê na Europa, por países do G-7, e agora planeja o desdobramento militar no campo de batalha, lançando uma contraofensiva.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a abertura do seminário Transparência e Acesso à Informação: Desafios para uma Nova Década Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ao fim, a edição japonesa do G-7 pretende adotar duas declarações. Uma delas, costurada entre diplomatas apenas dos sete países-membros, deverá usar uma linguagem dura contra Rússia - o país foi expulso do bloco, antigo G-8, após anexar a Crimeia em 2014.

O segundo comunicado, negociado nos bastidores com o Brasil e demais países convidados, tem como tema central a segurança alimentar global, afetada diretamente pelo conflito no Leste Europeu, por causa da posição de Ucrânia e Rússia na produção de grãos e insumos agrícolas. Uma menção à guerra é, portanto, inevitável, mas o Itamaraty trabalha para que o texto não avance além disso.

Nas negociações prévias do rascunho, o Brasil atua para evitar que a reunião ampliada do bloco, com países convidados, se transforme em plataforma para fustigar a Rússia. Embaixadores envolvidos nas tratativas detectaram que os membros do G-7 devem tentar novamente emplacar termos sobre o confronto bélico que o Brasil ainda não avançou.

A depender do teor, Lula pode não subscrever o texto, o que seria considerado um revés diplomático para os esforços do G-7.

Mesmo sob críticas de seus parceiros ocidentais, o Brasil já deixou de endossar comunicados conjuntos que tratavam da guerra, sob alegação de que o assunto não era pertinente na ocasião. Foi o que ocorreu na segunda edição da Cúpula da Democracia promovida por Joe Biden, em março.

Se todo o G-7 é aliado da Ucrânia, entre os convidados os de maior peso são justamente Índia e Brasil, ambos parceiros dos russos nos Brics, além da Indonésia. O Brasil conta justamente com a oposição da Índia para evitar que o encontro no Japão seja visto como uma reunião anti-Rússia. A Índia é de longa data destino de armas russas e também compra petróleo do país em condições vantajosas, a despeito de reclamações no Ocidente.

Lula é considerado um líder acostumado a lidar com a dinâmica desses encontros, mas desembarca em Hiroshima pressionado a dar explicações. A última incursão de Lula na Ásia, na China, deixou a impressão de que ele havia tomado lado no conflito, o que a chancelaria brasileira nega.

Encontro bilateral entre o presidente dos EUA, Joe Biden, e o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, antes da cúpula do G-7 Foto: Kiyoshi Ota/Reuters

Os principais parceiros ocidentais do País, Estados Unidos e União Europeia, se queixaram abertamente (em termos nada diplomáticos como “papaguear” propaganda russa) e manifestaram decepção com as declarações atravessadas de Lula em entrevistas concedidas em Pequim e Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.

Nessas duas visitas de Estado prévias, Lula equiparou responsabilidades do país invadido, a Ucrânia, e do invasor, a Rússia, e culpou Washington e Bruxelas pelo prolongamento conflito armado. As falas ocorreram em entrevistas do presidente.

Pressionado, Lula voltou ao eixo, chegou a ler discursos prontos sobre o assunto, e reiterou a posição de condenação da violação territorial da Ucrânia, a exortar as partes a solucionar as diferenças pelo diálogo, mas também rechaçou sanções unilaterais a Moscou.

O que tanto ucranianos como norte-americanos e europeus reiteram ao brasileiro é que a Rússia não pode ser recompensada, nem ficar com territórios invadidos e ocupados à força. A desocupação é condição zero, embora o Brasil não aborde a questão claramente e Lula já tenha sugerido que Kiev cedesse a Crimeia, o que foi prontamente rejeitado.

O G-7 será a primeira cúpula de chefes de Estado de Lula desde seu retorno à Presidência da República. O Japão é o nono país que Lula visita na largada do terceiro mandato presidencial, mas em nenhum outro houve encontros conjuntos nesse formato.

O G-7 será a primeira cúpula de chefes de Estado de Lula desde seu retorno à Presidência da República  Foto: Ricardo Stuckert/PR

A diplomacia considera o convite um sinal de prestígio. Desde 2009, nenhum outro presidente brasileiro foi convidado a participar do G-7. Catorze anos depois, ele será o único chefe de Estado da América Latina presente. Lula vai ao Japão pela terceira vez e participa do G-7 pela sétima ocasião.

Mas Lula vai ao G-7 em outro contexto global e de realidade do bloco. Embora muito coeso politicamente, sobretudo no principal tema da agenda global, o conflito na Ucrânia, o grupo enfrenta uma perda de peso econômico de seus membros, em termos de participação na economia global, com o crescimento de economias em desenvolvimento, casos de China e Índia.

Lula anunciou na semana passada que apresentaria ao longo do G-7 sua proposta aos líderes políticos que encontrasse, conversando reservadamente com cada um.

O presidente tenta reeditar o protagonismo da diplomacia presidencial que marcou seus governos anteriores. O estilo costuma causar fricções, com algum grau de improviso nos pronunciamentos - em geral muito mais calculados pelos diplomatas.

A última incursão de Lula na Ásia, na China, deixou a impressão de que ele havia tomado lado no conflito, o que a chancelaria brasileira nega  Foto: Ricardo Stuckert/PR via Reuters

Mais uma vez, Lula vem se colocando como potencial mediador de conflitos e divergências em curso, embora fosse esperado no Ocidente que ele focasse na agenda verde, energética e na Amazônia, como defendem analistas no Brasil É também o que pensam diplomatas dos escalões intermediários do Ministério das Relações Exteriores.

A nova empreitada no Leste Europeu lembra a frustrada tentativa de mediar, em 2010, um acordo nuclear entre Irã e Estados Unidos. Washington não aprovou. Lula contava com o presidente turco Recep Erdogan, visto como um ator mais relevante na mediação entre Kiev e Moscou.

Nas conversas, o presidente também deverá reforçar cobranças para que os países mais industrializados cumpram a promessa de doar U$ 100 bilhões para proteção ambiental e discutir a situação de parceiros, como a Argentina, que enfrenta um cenário econômico adverso com alta inflação, escassez de divisas e endividamento externo.

O Japão tem uma das cinco maiores comunidades brasileiras no exterior. Lula perdeu as eleições no país, quando consideradas as urnas nas eleições do ano passado.

O presidente vai participar de uma cerimônia em homenagem às vítimas da bomba de Hiroshima e de um encontro com empresários japoneses, entre eles dos grupos Mitsui, NEC, Nippon Steel e Toyota, e do banco de financiamento JBIC.

Além do Brasil, foram convidados os chefes de Estado e de governo de Austrália, Ilhas Comores (presidência da União Africana), Ilhas Cook (presidência do Fórum das Ilhas do Pacífico), Indonésia (presidência da Associação de Nações do Sudeste Asiático), Índia (presidência do G-20), Vietnã e Coreia do Sul.

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