O governo militar da Tailândia está promovendo um experimento: o que acontece quando um país da Ásia, região em que as leis contra drogas costumam ser rígidas, legaliza, essencialmente, a maconha da noite para o dia?
Nos primeiros meses, muitas pessoas abriram dispensários, e seus clientes fumaram muita erva.
A indústria da maconha tailandesa tem uma vibração alegre e livre nas ruas. Alguns dispensários oferecem oficinas que ensinam a enrolar baseados ou fabricar “chá de erva”. Na próxima semana, um deles organizará uma sessão de “ioga chapada”. O ingresso inclui um baseado, uma bebida não alcoólica, um petisco e o aluguel do tapetinho.
“É bom porque dá para simplesmente sair na rua e comprar em qualquer lugar”, afirmou Ak Sudasna, de 50 anos, dono de uma corretora de imóveis em Bangcoc, que normalmente compra cerca de 40 gramas de maconha por mês, por aproximadamente US$ 15 (cerca de R$ 78) o grama, em lojas situadas nas proximidades de sua casa. “É bom para o turismo, é bom para o país”, acrescentou ele.
Mas o barato poderá durar pouco. Um abrangente projeto de lei, que deve começar a tramitar no Parlamento nas próximas semanas, pretende regular áreas esfumaçadas em torno do cultivo, venda e consumo da droga – e poderá passar a vigorar no próximo ano.
A maneira que a lei afetará a indústria – e consumidores como Ak – dependerá muito de sua redação final. Mas, no momento, o escopo exato e o foco da legislação estão sendo negociados em uma comissão parlamentar, longe dos olhares do público.
Muitos países na região Ásia-Pacífico punem com longas penas de prisão pessoas condenadas por posse, consumo ou tráfico de maconha. Até recentemente, o mesmo acontecia na Tailândia, liderada por um ex-general que tomou o poder em um golpe de Estado, em 2014. Mas quando o governo retirou os florescimentos de maconha (parte da planta que as pessoas fumam para ficar chapadas) da lista de narcóticos proibidos, em junho, a nação se tornou instantaneamente uma exceção na região em relação a políticas de drogas.
A mudança foi parte de um plano para promover o cultivo de cannabis em pequena escala, e, desde então, as autoridades acrescentaram algumas ressalvas. Fumar maconha em público é proibido, por exemplo. Comestíveis podem conter apenas pequenas doses de THC, o componente psicoativo da planta. E todas as vendas ocorrem tecnicamente por razões médicas, não recreativas, apesar de os vendedores não exigirem a apresentação de pedido médico (a Tailândia permite o uso de cannabis sob supervisão médica desde 2019).
‘Zona cinzenta’
“Eles ainda estão definindo o que a legalização significa”, afirmou Thanisorn Boonsoong, diretor executivo do Eastern Spectrum Group, uma empresa tailandesa formada em 2019 que fabrica produtos com CBD, um extrato de cannabis que não deixa os usuários doidões e é propagandeado como cura para todo tipo de aflição.
“A maconha recreativa ainda está em uma zona cinzenta neste momento, pois o projeto de legislação ainda não foi aprovado”, acrescentou, referindo-se ao rascunho da Lei da Cannabis e do Cânhamo, que foi introduzida em junho e mandada de volta à comissão em setembro. “Ele abre uma série de brechas regulatórias a respeito do consumo para o uso recreativo.”
Existe uma necessidade por mais clareza jurídica, pois possíveis investidores estrangeiros ainda estão desconfortáveis com a estratégia da Tailândia de “Maria vai com as outras” em relação ao uso médico, afirmou Frederic Rocafort, advogado de Seattle que aconselha clientes a respeito de políticas sobre cannabis na Tailândia e em outros países. “É até engraçado, mas, como advogados, isso às vezes nos deixa doidos”, afirmou ele.
A reviravolta na questão da cannabis na Tailândia foi liderada por um dos principais partidos políticos do país, o Bhumjaithai. O líder do partido, Anutin Charnvirakul, tornou-se ministro da Saúde em 2019 depois de advogar pela legalização do cultivo de maconha no país, que possui um longo histórico de uso de cannabis na medicina tradicional.
Desde então, o governo tailandês libertou milhares de prisioneiros que cumpriam penas de prisão por delitos relacionados a maconha e anunciou seu plano de distribuir um milhão de plantas de cannabis para as famílias tailandesas. As autoridades também falaram em transformar o país em um destino de turismo de bem-estar, para visitantes que queiram consumir a erva com propósitos médicos.
Agora, conforme o boom da cannabis elevou a visibilidade de Anutin ainda mais, seus principais rivais políticos, que anteriormente se calaram a respeito de seus planos para a erva, alertaram nos meses recentes que a campanha arrisca propiciar abusos. Alguns disseram até que a cannabis deve ser colocada de volta na lista de narcóticos proibidos, sugestão que Anutin qualificou de “ridícula”.
Uma nova versão da legislação deverá ser introduzida no Parlamento esta semana, ocasionando outra rodada de debates legislativos. Analistas afirmam que a lei possivelmente estaria pronta para sanção do rei tailandês em algum momento antes da próxima eleição geral, marcada para maio.
Gloria Lai, diretora de políticas para a Ásia do Consórcio Internacional de Políticas de Drogas, uma rede de organizações não governamentais, afirmou que ficou preocupada com o possível teor do texto final da lei do ponto de vista da política de saúde pública. O transcorrer da campanha de descriminalização até aqui pareceu apressado, afirmou ela, e o governo se esforçou pouco para educar o público a respeito de como cultivar ou consumir cannabis. “Acabamos em um processo orientado politicamente cuja motivação principal, só de olhar para o rumo que as coisas estão tomando, é econômica”, afirmou Lai.
Varejo
Dentro da comunidade empresarial da Tailândia, há um cabo de guerra entre os que querem priorizar o varejo de maconha recreativa e os que preferem a transformação do país em um centro fabricante de produtos à base de cannabis, afirmou Alan Adcock, sócio da empresa de advocacia tailandesa Tilleke & Gibbins. “O governo, como qualquer outro governo, quer uma indústria com maior valor agregado: turismo médico, cosméticos, suplementos alimentares, medicina tradicional tailandesa”, afirmou.
Alguns se preocupam com a possibilidade de o texto da lei da cannabis promover, em última instância, interesses corporativos em detrimento dos pequenos negócios, afirmou Kitty Chopaka, fundadora da firma tailandesa de consultoria Elevated Estate, especializada em cannabis.
Por exemplo, afirmou ela, limitar o número de plantas que uma pessoa pode cultivar ou exigir extensos testes de laboratório para aprovar amostras de cannabis poderia efetivamente impedir a entrada no mercado de agricultores que cultivam a planta em pequena escala.
Alguns desses mesmos agricultores já foram castigados por cultivar maconha quando a erva era ilegal, afirmou Chopaka, proprietário de uma loja de cannabis em Bangcoc e aconselhou a comissão que redige a legislação. “Eles deveriam ser os primeiros a ganhar dinheiro com isso.”
A incerteza em torno das regulações na Tailândia impregna uma indústria doméstica de cannabis que, de acordo com uma estimativa recente da Universidade da Câmara Tailandesa de Comércio, poderia valer US$ 1,2 bilhão (mais de R$ 6 bilhões) até 2025.
Muitos na indústria estão adiando grandes decisões para depois que a lei for aprovada, afirmou Rattapon Sanrak, de 35 anos, ativista pró-cannabis e empreendedor em Bangcoc. “Os empresários não podem apostar tudo, precisam investir com parcimônia, pois se preocupam com as incertezas”, disse.
Enquanto isso, novos dispensários de maconha ainda aparecem em Bangcoc e em outras cidades tailandesas. “As pessoas não estão preocupadas”, abrem os estabelecimentos comerciais mesmo em meio a temores de que as lojas possam ser fechadas pela polícia depois que a legislação for aprovada, afirma Carl Linn, consultor de negócios sobre cannabis em Phuket.
Linn afirmou que os preços dos florescimentos secos de maconha estão agora de duas a três vezes mais caros do que na Califórnia – e grande parte do produto é importada ilegalmente.
Ak, o corretor de imóveis, que fuma maconha para aliviar a insônia crônica de que sofre, disse que ficou mal acostumado com tanta opção de lugares para comprar seu fumo: há cinco ou seis dispensários de cannabis a cinco minutos de caminhada de sua casa. “Em Bangcoc, as lojas não param de abrir, tipo em toda parte, o tempo todo”, disse. “Estive em muitas delas, mas não em todas, porque há lojas demais.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL