Quando antecipou as eleições legislativas, Emmanuel Macron esperava que os eleitores contrários à direita radical votassem com a sua aliança de centro para derrotar o partido de Marine Le Pen. Mas o tiro saiu pela culatra. Foi a esquerda que conseguiu cooptar esse eleitorado com a Nova Frente Popular, que saiu vitoriosa na disputa. E o presidente deve ficar refém da oposição nos três anos de mandato que tem pela frente.
O seu bloco de centro deve ficar em segundo lugar com 166 assentos na Assembleia Nacional, espremido entre a maioria esquerdista (182 a 199) e a direita radical que avança, mas bem aquém do esperado. O Reagrupamento Nacional, partido de Le Pen, sairá de 89 deputados para ter entre 143 e 150, indicam as projeções.
Embora tenha conseguido evitar a vitória do RN em acordo com a esquerda para retirar as candidaturas menos competitivas do segundo turno no que foi chamado de “frente republicana”, Macron deve ter mais dificuldades para governar com um Parlamento dividido, sem maiorias claras, dizem analistas.
“Perde Macron, não só porque a estratégia de chamar as eleições se mostrou um erro, um tiro no pé, mas porque agora ele terá ainda mais dificuldade de governar”, afirma a analista Carolina Pavese, doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics.
“Ele está refém da oposição e não vai poder manter a estratégia que tem adotado de ignorá-la. Porque as oposições agora são maiores que ele. Isso vai obrigá-lo a estabelecer o diálogo para assegurar alguma governabilidade”, acrescenta.
Como nenhum dos blocos terá a maioria absoluta (289) para indicar o primeiro-ministro, o cenário é de incerteza e Emmanuel Macron ainda não indicou o que fará a partir de agora. O Palácio do Eliseu disse apenas que ele deve esperar para tomar uma decisão, assegurando que a escolha dos franceses será respeitada.
“O que vemos é o custo da inexperiência de Macron como político, que concorreu pela primeira vez em 2017 e começou como presidente. Ele conseguiu se manter até aqui, não pela aprovação do seu governo, mas porque há uma oposição ainda maior à extrema direita. Foi graças ao crescimento da extrema direita que ele conseguiu ser reeleito. Agora, vamos ver um Macron enfraquecido, diminuído”, afirma Pavese.
O presidente pode convocar a Nova Frente Popular para nomear o primeiro-ministro, mesmo sem maioria absoluta; compor um governo de especialistas sem vínculos partidários; buscar uma coalizão do centro com a esquerda; ou convocar novas eleições. Essa última é considerada a opção mais radical e improvável.
Seja como for, o enfraquecido Emmanuel Macron terá anos difíceis pela frente.
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Caso designe a Nova Frente popular para formar o governo, o primeiro-ministro seria não mais um aliado, e sim um político com posições diferentes do presidente. É o que na França se chama de “coabitação” e aconteceu três vezes na história.
O governo tecnocrata, por sua vez, seria mais restrito aos assuntos comezinhos, sem a capacidade de promover as reformas necessárias. Enquanto a aliança com a esquerda seria difícil porque a frente reúne de moderados a radicais, como Jean-Luc Mélenchon, que disse não estar disposto a entrar em negociações com Macron. “Nenhum subterfúgio, arranjo ou combinação seria aceitável”, declarou após a divulgação da boca de urna.
Figura divisiva, Mélenchon garantiu que estaria disposto a abrir mão do cargo de primeiro-ministro para impedir que a direita radical chegasse ao poder como parte das negociações para lançar a Nova Frente Popular. Mas o seu partido, França Insubmissa, sai fortalecido das eleições.
“Certamente, Mélenchon vai tentar dar as cartas. Ele não será o primeiro-ministro, aliás, acho que o primeiro-ministro vai ser alguém mais ao centro, que atenda tanto a agenda governista como a agenda da esquerda. Mas esse é um denominador comum difícil de encontrar tanto para Macron como para Mélenchon”, afirma Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM.
No cenário em que tudo é dúvida, outro ponto de interrogação é o futuro da Nova Frente Popular. Os partidos de esquerda a lançaram com um objetivo em comum — derrotar o Reagrupamento Nacional, mas mantém diferenças profundas entre si e os tensionamentos ficaram evidentes nos últimos dias.
O risco de fragmentação ainda está presente na esquerda que saiu como protagonista da eleição e grande força política no Parlamento porque estava em bloco. Os mais moderados poderiam romper com a Frente para se aliar ao centro, embora a ideia de coalizão tenha sido descartada durante a campanha.
Do outro lado, a eleição mostrou que ainda há resistências a um governo da direita radical na França, dizem analistas. O resultado é um revés para o Reagrupamento Nacional, que saiu na frente no primeiro turno e aparecia com vantagem suficiente para conquistar a maioria absoluta em pesquisas da semana passada. Ao mesmo tempo, consolida o bloco de Marine Le Pen como uma das principais forças políticas na França.
O partido celebrou um “tsunami” na eleição passada, quando conquistou o recorde de 89 assentos na Assembleia Nacional e, agora, avança mais uma vez com a possibilidade de eleger até 155 deputados, segundo as projeções.
“Embora não tenha alcançado a liderança como se imaginava, a extrema direita conseguiu se projetar e se potencializar no sistema político francês. Consolidou o seu papel como protagonista e um protagonista com legitimidade reconhecida pelos seus rivais”, afirma Pavese. “Continua avançando e Marine Le Pen pode, pela terceira vez, concorrer na próxima eleição como forte candidata (à presidência).”
Após o resultado amargo para o Reagrupamento Nacional, que esperava ter maioria, Marine Le Pen declarou que a vitória foi apenas adiada. “Tenho experiência demais para ficar desapontada com um resultado em que dobramos o nosso número de deputados”, disse à TF1. “A maré está subindo. Desta vez não subiu o suficiente, mas continua subindo e, consequentemente, nossa vitória apenas foi adiada.”