PARIS - Um homem em eterno movimento, o presidente Emmanuel Macron, da França, encontra-se em um desconfortável estado de deriva. Cinco meses em seu segundo e último mandato de cinco anos, ele quer forjar seu legado, mas parece incerto sobre qual caminho seguir. Ele prometeu “uma nova era” quando reeleito em abril, mas novos limites em seu poder e crises em cascata tiraram a revolução de sua agenda.
Macron, cujo instinto é jogar no ataque, foi empurrado para uma posição defensiva. Seu governo, a um custo enorme, limitou os aumentos de preços de gás e eletricidade que, de outra forma, atingiriam 120% em 2023. Também tentou contratar às presas trabalhadores de refinarias em uma tentativa de quebrar uma greve paralisante que levou a filas de quilômetros de extensão em postos de gasolina.
A reforma das aposentadorias na França, que ele pretende, que elevaria a idade de aposentadoria de 62 para 64 ou 65, certamente enfrentará um desafio furioso. Uma grande pesquisa do grupo de pesquisa de mercado Ipsos e seus parceiros, publicada este mês no jornal Le Monde, indicou que 36% da população estava “zangada” e 58% “infeliz”. Por outro lado, o descontentamento é um clima nacional francês quase perene.
Privado da maioria parlamentar absoluta que teve em seu primeiro mandato, buscando novas maneiras de se conectar com uma nação inquieta, fustigada pela guerra da Rússia na Ucrânia e ameaças de um líder esquerdista em ascensão, Macron parece hesitante.
As ameaças só crescem, não só fora, como dentro da França. Em casa, o modelo universalista francês, baseado na ideia de que a sociedade ofereceria oportunidades iguais e proteção de bem-estar a todos os cidadãos, independentemente de etnia ou religião, está sendo desafiada pela fratura social, pela pandemia e pela crise do custo de vida. Macron falou de uma “era de grandes reviravoltas”.
“Ele está mais fraco, mas não acredito que sua ambição seja menor”, disse Alain Duhamel, autor e comentarista político. “Ele ainda acha que é o único na França a ter ideias ousadas e estratégicas”. Mas o país é passível de mudança? “A França tem 150 tons de descontentamento”, disse Duhamel. “A questão é se prevalece a melancolia pessimista ou a raiva vulcânica.”
O “rentrée”, como é chamado o retorno ao trabalho das férias de verão em setembro, tem sido mais calmo do que o previsto. Mas a greve desta semana que paralisou cinco das refinarias e depósitos de combustível ativos da França cristalizou abruptamente o desconforto nacional.
A bebida é potente: a escassez de gasolina afeta mais de 60% das famílias francesas, inflação em alta, lucros crescentes das companhias de petróleo e famílias em dificuldades. Foi uma proposta de aumento nos impostos sobre o diesel que desencadeou a revolta dos Coletes Amarelos em 2018. O espectro desses protestos ainda paira sobre Macron, que não tem interesse em uma reprise.
Trabalhadores da gigante petrolífera francesa TotalEnergies, indignados com um aumento de 52% na remuneração do executivo-chefe da empresa, exigiram um aumento de 10% para levar em conta a inflação e redistribuir os lucros inesperados da Total.
A oposição de Macron aproveitou os protestos. Jean-Luc Mélenchon, o líder de esquerda que sonha em de alguma forma derrubar Macron, liderou dezenas de milhares de pessoas em uma marcha no domingo “contra o alto custo de vida” - e abriu caminho para a greve desta terça. Ele pediu aos manifestantes que se inspirassem nas mulheres que, furiosas com o alto custo do pão, marcharam sobre Versalhes em outubro de 1789, inaugurando a revolução francesa.
Parte do descontentamento era esperado. Segundos mandatos para presidentes franceses são raros – o de Macron é o primeiro em duas décadas – e geralmente infelizes. Jacques Chirac ficou conhecido como o “rei ocioso” e François Mitterrand como o “monarca em declínio”.
Macron está desesperado para evitar um destino semelhante. Seu pesadelo é ser sucedido pela nacionalista e anti-imigrante Marine Le Pen, assim como o presidente Barack Obama foi sucedido por Donald Trump. Seu partido radical agora detém 89 assentos na Assembleia Nacional, do total de 577 assentos. “Se Le Pen se eleger depois dele, isso significaria fracasso total”, disse Philippe Labro, escritor e comentarista político.
O que vai definir seu sucesso ou fracasso ainda não está claro. “Não há uma linha clara”, disse Chloé Morin, cientista política. “Este segundo mandato ainda não é decifrável. Macron não encontrou a maneira pela qual deseja ser lembrado”. “Assim como Obama, Macron viverá por muito tempo com sua herança”, disse Morin. “Ele é condenado por sua juventude à contemplação de seu legado. Então, ele precisa pensar sobre isso.”