PARIS - O presidente da França, Emmanuel Macron, voltou a descartar os pedidos de renúncia ao cargo após o seu primeiro-ministro Michel Barnier sofrer uma moção de censura e renunciar. Em pronunciamento aos franceses, ele prometeu indicar um novo nome “nos próximos dias”, sem entrar em detalhes de quando. Enquanto isso, Barnier ficará no cargo até a nomeação de um novo governo.
“O mandato que me confiaram democraticamente é um mandato de cinco anos e irei exercê-lo integralmente até ao seu fim”, disse o chefe de Estado francês em transmissão na televisão e nas redes sociais. “A minha responsabilidade exige garantir a continuidade do Estado, o bom funcionamento das nossas instituições, a independência do nosso país e a proteção de todos vocês”.
O Palácio do Eliseu, residência oficial do presidente, já havia garantido que um novo nome não seria indicado hoje no discurso e nem amanhã. Mas Macron afirmou que nomeará em breve. “Vou instruir o primeiro-ministro a formar um governo de interesse geral. O primeiro-ministro terá de realizar as suas consultas e formar um governo rígido ao seu serviço. Espero plenamente que consiga surgir uma maioria para adotar o próximo Orçamento no Parlamento”.
A França entrou em um novo cenário de incerteza depois que deputados da esquerda e da extrema direita derrubaram, na quarta-feira, 4, o governo do primeiro-ministro conservador. Por 331 votos a favor, acima da maioria absoluta de 288, a Câmara pôs fim aos menos de cem dias de governo de Barnier, rejeitando, ainda, seu Orçamento para 2025.
O primeiro-ministro apresentou sua renúncia nesta quinta pela manhã ao chefe de Estado, no Palácio do Eliseu, que respondeu dizendo que havia “tomado nota” do pedido, mas sem aceitá-lo explicitamente. Barnier estava há apenas três meses no cargo, o menor mandato de qualquer primeiro-ministro na história moderna da França.
“Ontem a Assembleia Nacional votou por maioria absoluta pela censura ao governo de Michel Barnier. Tomei nota da sua demissão. Quero agradecer a Michel Barnier pela sua dedicação e pela sua combatividade. Ele e os seus ministros estiveram à altura da situação quando tantos outros não o fizeram “, declarou Emmanuel Macron na abertura de seu pronunciamento.
“Devo admitir que a decisão [de dissolver a Assembleia Nacional] não foi compreendida“, afirmou. “Muitos me culparam por esta decisão e eu sei, muitos continuam a me culpar. É um fato e é da minha responsabilidade“, afirmou.
“A extrema direita e a extrema esquerda uniram-se numa frente anti-republicana. Sei que algumas pessoas ficam tentadas a me culpar por esta situação. É muito mais confortável”, acrescentou.
Pressão para agir rapidamente
Macron enfrenta a tarefa crítica de nomear um substituto capaz de liderar um governo minoritário em um Parlamento onde nenhum partido detém a maioria. Yaël Braun-Pivet, presidente da Assembleia Nacional e membro do partido de Macron, pediu ao presidente que agisse rapidamente.
“Recomendo que ele decida rapidamente sobre um novo primeiro-ministro”, disse Braun-Pivet na quinta-feira na rádio France Inter. “Não deve haver nenhuma hesitação política. Precisamos de um líder que possa falar com todos e trabalhar para aprovar um novo projeto de lei orçamentária.”
O processo pode ser desafiador. A administração de Macron ainda não confirmou nenhum nome, embora a mídia francesa tenha relatado uma lista de candidatos centristas que podem agradar a ambos os lados do espectro político.
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Macron levou mais de dois meses para nomear Barnier após a derrota de seu partido nas eleições legislativas de junho, levantando preocupações sobre possíveis atrasos desta vez.
O voto de desconfiança galvanizou os líderes da oposição, com alguns pedindo explicitamente a renúncia de Macron. “Acredito que a estabilidade requer a saída do Presidente da República”, disse Manuel Bompard, líder do partido de extrema esquerda França Insubmissa, na BFM TV na quarta-feira à noite.
A líder do partido de extrema direita Reunião Nacional, Marine Le Pen, cujo partido detém a maioria dos assentos na Assembleia, não chegou a pedir a renúncia de Macron, mas alertou que “a pressão sobre o Presidente da República ficará cada vez mais forte”.
Macron, no entanto, já havia rejeitado tais apelos e descartou novas eleições legislativas. A constituição francesa não exige que um presidente renuncie após seu governo ter sido deposto pela Assembleia Nacional. “Fui eleito para servir até 2027 e cumprirei esse mandato”, disse ele aos repórteres no início desta semana.
A constituição também diz que novas eleições legislativas não podem ser realizadas antes de julho, criando um possível impasse para os formuladores de políticas.
Incerteza econômica
A queda de Barnier foi provocada por seu Orçamento para 2025, que incluía medidas de austeridade consideradas inaceitáveis para a maioria legislativa, mas que ele considerava indispensáveis para estabilizar as finanças francesas.
A moção de censura interrompeu todo o plano financeiro do governo e levou à renovação automática do atual Orçamento para o próximo ano, a menos que o governo consiga aprovar rapidamente uma nova proposta, o que parece pouco provável.
“A França possivelmente não terá um Orçamento para 2025″, escreveu a ING Economics em uma nota, que prevê o início de “uma nova era de instabilidade política”.
Para isso, o presidente prometeu, em seu discurso, apresentar em meados de dezembro um projeto de lei para a continuidade financeira do país. “Esta lei temporária permitirá, como prevê a nossa Constituição, a continuidade dos serviços públicos e da vida do país. Aplicará as escolhas de 2024 para 2025″
A instabilidade política aumentou as preocupações sobre a economia da França, particularmente sua dívida, que pode aumentar para 7% do PIB no ano que vem sem reformas significativas. Analistas dizem que a queda do governo de Barnier pode elevar as taxas de juros francesas, aumentando ainda mais a dívida.
A agência de classificação Moody’s alertou na quarta-feira à noite que a queda do governo “reduz a probabilidade de consolidação das finanças públicas” e piora o impasse político.
A votação que provocou a queda de Barnier foi a primeira moção de censura bem-sucedida desde que o governo de Georges Pompidou foi derrotado em 1962, durante a presidência de Charles de Gaulle. Macron retornou a Paris pouco antes da votação, após uma visita de Estado de três dias à Arábia Saudita./AP e AFP