Macron tenta conter ascensão da extrema direita em eleição na França


Pesquisas indicam que segundo turno, no dia 24, será uma revanche de 2017, com presidente francês disputando reeleição contra ultraconservadora Marine Le Pen

Por Cristiane Capuchinho
Atualização:

ESPECIAL PARA O ESTADÃO, DE PARIS- Doze candidatos disputam neste domingo, 10, o primeiro turno da eleição presidencial francesa. As pesquisas apontam uma disputa acirrada entre o presidente, Emmanuel Macron (República em Marcha), e a candidata de extrema direita Marine Le Pen (Reunião Nacional), que protagonizou um crescimento impressionante na reta final de campanha.

Após uma queda de quase 5 pontos porcentuais, Macron tem 26,5% das intenções de voto. Le Pen, 23%, segundo pesquisa Ipsos. Em terceiro lugar aparece o representante da esquerda radical, Jean-Luc Mélenchon (França Insubmissa), com 16,5%.

Se as urnas confirmarem as pesquisas, será uma eleição histórica para a extrema direita, que pode conquistar mais de um terço dos franceses e chegar ao segundo turno mais forte do que nunca. Os outros candidatos da extrema direita, Éric Zemmour e Nicolas Dupont-Aignan, têm 11,5% das intenções de voto.

continua após a publicidade

Apatia Eleitoral

A eleição vem sendo acompanhada com uma apatia incomum na França, onde política se discute a toda hora. A campanha teve menos comícios, em razão da pandemia. Além disso, a invasão russa à Ucrânia, em fevereiro, capturou a atenção geral. “É uma campanha que não vingou entre os eleitores. A falta de debates, as notícias sobre a guerra da Ucrânia. Isso tudo anestesiou o público e reduziu as questões da política interna”, afirma o cientista político Thomas Vitiello, da Sciences Po, de Paris. Como resultado, pesquisas apontam que a abstenção no primeiro turno pode ser recorde: 31% dos franceses não têm certeza se sairão de casa para votar. Em 2017, o número foi de 22,2%.

Emmanuel Macron faz campanha em mercado de Neuilly-sur-Seine, perto de Paris, em 8 de abril Foto: Ludovic Marin / AFP
continua após a publicidade

Atendente em uma mercearia de Paris, Julien está entre eles. “Tudo é igual, nada muda e os candidatos não trazem nenhuma contribuição real para resolver nossos problemas. Só sabem falar de imigração, da Otan.” Ele, que já votou nos socialistas e ajudou a eleger Macron, desta vez não sabe se vai votar. “Vamos ver. Se não estiver chovendo”, diz.

“Há uma sensação crônica de insatisfação em relação ao funcionamento da democracia. A maioria dos franceses acha que ela não vai bem. Isso se soma a um certo cansaço de candidatos que não oferecem, ao menos não de maneira clara, uma solução para os problemas do país”, afirma Vitiello.

Revanche

continua após a publicidade

O fracasso da união de partidos da esquerda (Socialista, Comunista, Ecologista e França Insubmissa) e o desempenho fraco da direita tradicional, de Valérie Pécresse (Os Republicanos), antecipou a sensação de que o duelo do segundo turno, marcado para o dia 24, será uma revanche de 2017, entre Macron e Le Pen.

Durante a campanha, Zemmour usou o discurso nacionalista e supremacista, mobilizando a questão identitária em um grupo mais radical da população com frequentes citações à teoria conspiratória da “grande substituição” de Renaud Camus, segundo a qual os árabes tomarão a Europa.

Marine Le Pen, candidata da extrema direita, faz campanha em Perpignan, sul da França Foto: Albert Gea/Reuters
continua após a publicidade

Com isso, Le Pen tornou-se uma candidata viável, como explica Sylvie Strudel, professora da Universidade Panthéon-Assas, em Paris. “Graças a Zemmour, Le Pen dá a impressão de ser menos extrema.”

Mesmo sem ter alterado seu programa nacionalista e conservador, Le Pen ganhou pontos ao concentrar sua campanha em temas econômicos e propostas para ampliar o poder de compra do francês, tema que mais preocupa o eleitorado.

“Ela está menos radical”, afirma a enfermeira Madeleine, eleitora de Le Pen, que votou na esquerda até 2017. “Ela é a única que pode derrotar Macron e eu não aguento mais”, diz Madeleine, após dois anos de pandemia. “A situação dos hospitais públicos só piora. Os franceses já sofreram demais.”

continua após a publicidade

Para os opositores do presidente, Emmanuel Macron, a eleição presidencial francesa é um plebiscito em relação ao governo. O presidente, no entanto, demorou a entrar em campanha e se tornou figura ausente nas discussões políticas.

Macron esperou até março para oficializar sua candidatura à reeleição. Com vantagem nas pesquisas, ele decidiu manter sua posição nas negociações com a Rússia sobre a Ucrânia e deixar de lado eventos eleitorais, realizando apenas um comício oito dias antes da votação.

continua após a publicidade

Além disso, o presidente rejeitou diversas entrevistas e deixou de participar de encontros com outros candidatos na imprensa, “o que foi visto negativamente como uma fuga do debate”, afirma a analista Sylvie Strudel. “O resultado dessa campanha inábil foi uma queda abrupta na reta final, voltando ao mesmo patamar de outubro de 2021.”

A queda de Macron, somada ao forte repúdio à imagem do presidente, preocupa os macronistas. Ele foi eleito em 2017 com forte apoio de eleitores de esquerda e da direita tradicional, em um movimento de união já conhecido no país para barrar a chegada da extrema direita ao poder – como ocorreu em 2002 contra Jean-Marie Le Pen, pai de Marine Le Pen.

Cartilha liberal

Uma vez no poder, o presidente seguiu uma cartilha liberal na economia, com o fim do imposto sobre grandes fortunas, uma política de austeridade, redução dos benefícios sociais e do tamanho do Estado. Em 2018, ao implementar um imposto sobre combustíveis, Macron despertou a ira da população, já afetada em seu poder de compra. Era o início do movimento dos coletes amarelos, que parou a França ao longo de meses.

Assim como os protestos reuniram eleitores da esquerda à direita contra Macron, a eleição presidencial pode unir esquerdistas e direitistas que pretendem impedir sua reeleição.

Em uma mercearia do 14° Distrito de Paris, a aposentada Laetitia se diz decepcionada com os cinco anos de governo Macron. Ela, que é eleitora do Republicanos, considera que o presidente “não conhece a França de verdade”, e dá como exemplo a alta dos preços dos alimentos. Após a pandemia, e com a guerra na Ucrânia, o país vive uma inflação de 4,5%. O que a aposentada fará em um possível segundo turno entre Macron e Le Pen? “Ainda não sei. É um cenário horrível.”

ESPECIAL PARA O ESTADÃO, DE PARIS- Doze candidatos disputam neste domingo, 10, o primeiro turno da eleição presidencial francesa. As pesquisas apontam uma disputa acirrada entre o presidente, Emmanuel Macron (República em Marcha), e a candidata de extrema direita Marine Le Pen (Reunião Nacional), que protagonizou um crescimento impressionante na reta final de campanha.

Após uma queda de quase 5 pontos porcentuais, Macron tem 26,5% das intenções de voto. Le Pen, 23%, segundo pesquisa Ipsos. Em terceiro lugar aparece o representante da esquerda radical, Jean-Luc Mélenchon (França Insubmissa), com 16,5%.

Se as urnas confirmarem as pesquisas, será uma eleição histórica para a extrema direita, que pode conquistar mais de um terço dos franceses e chegar ao segundo turno mais forte do que nunca. Os outros candidatos da extrema direita, Éric Zemmour e Nicolas Dupont-Aignan, têm 11,5% das intenções de voto.

Apatia Eleitoral

A eleição vem sendo acompanhada com uma apatia incomum na França, onde política se discute a toda hora. A campanha teve menos comícios, em razão da pandemia. Além disso, a invasão russa à Ucrânia, em fevereiro, capturou a atenção geral. “É uma campanha que não vingou entre os eleitores. A falta de debates, as notícias sobre a guerra da Ucrânia. Isso tudo anestesiou o público e reduziu as questões da política interna”, afirma o cientista político Thomas Vitiello, da Sciences Po, de Paris. Como resultado, pesquisas apontam que a abstenção no primeiro turno pode ser recorde: 31% dos franceses não têm certeza se sairão de casa para votar. Em 2017, o número foi de 22,2%.

Emmanuel Macron faz campanha em mercado de Neuilly-sur-Seine, perto de Paris, em 8 de abril Foto: Ludovic Marin / AFP

Atendente em uma mercearia de Paris, Julien está entre eles. “Tudo é igual, nada muda e os candidatos não trazem nenhuma contribuição real para resolver nossos problemas. Só sabem falar de imigração, da Otan.” Ele, que já votou nos socialistas e ajudou a eleger Macron, desta vez não sabe se vai votar. “Vamos ver. Se não estiver chovendo”, diz.

“Há uma sensação crônica de insatisfação em relação ao funcionamento da democracia. A maioria dos franceses acha que ela não vai bem. Isso se soma a um certo cansaço de candidatos que não oferecem, ao menos não de maneira clara, uma solução para os problemas do país”, afirma Vitiello.

Revanche

O fracasso da união de partidos da esquerda (Socialista, Comunista, Ecologista e França Insubmissa) e o desempenho fraco da direita tradicional, de Valérie Pécresse (Os Republicanos), antecipou a sensação de que o duelo do segundo turno, marcado para o dia 24, será uma revanche de 2017, entre Macron e Le Pen.

Durante a campanha, Zemmour usou o discurso nacionalista e supremacista, mobilizando a questão identitária em um grupo mais radical da população com frequentes citações à teoria conspiratória da “grande substituição” de Renaud Camus, segundo a qual os árabes tomarão a Europa.

Marine Le Pen, candidata da extrema direita, faz campanha em Perpignan, sul da França Foto: Albert Gea/Reuters

Com isso, Le Pen tornou-se uma candidata viável, como explica Sylvie Strudel, professora da Universidade Panthéon-Assas, em Paris. “Graças a Zemmour, Le Pen dá a impressão de ser menos extrema.”

Mesmo sem ter alterado seu programa nacionalista e conservador, Le Pen ganhou pontos ao concentrar sua campanha em temas econômicos e propostas para ampliar o poder de compra do francês, tema que mais preocupa o eleitorado.

“Ela está menos radical”, afirma a enfermeira Madeleine, eleitora de Le Pen, que votou na esquerda até 2017. “Ela é a única que pode derrotar Macron e eu não aguento mais”, diz Madeleine, após dois anos de pandemia. “A situação dos hospitais públicos só piora. Os franceses já sofreram demais.”

Para os opositores do presidente, Emmanuel Macron, a eleição presidencial francesa é um plebiscito em relação ao governo. O presidente, no entanto, demorou a entrar em campanha e se tornou figura ausente nas discussões políticas.

Macron esperou até março para oficializar sua candidatura à reeleição. Com vantagem nas pesquisas, ele decidiu manter sua posição nas negociações com a Rússia sobre a Ucrânia e deixar de lado eventos eleitorais, realizando apenas um comício oito dias antes da votação.

Além disso, o presidente rejeitou diversas entrevistas e deixou de participar de encontros com outros candidatos na imprensa, “o que foi visto negativamente como uma fuga do debate”, afirma a analista Sylvie Strudel. “O resultado dessa campanha inábil foi uma queda abrupta na reta final, voltando ao mesmo patamar de outubro de 2021.”

A queda de Macron, somada ao forte repúdio à imagem do presidente, preocupa os macronistas. Ele foi eleito em 2017 com forte apoio de eleitores de esquerda e da direita tradicional, em um movimento de união já conhecido no país para barrar a chegada da extrema direita ao poder – como ocorreu em 2002 contra Jean-Marie Le Pen, pai de Marine Le Pen.

Cartilha liberal

Uma vez no poder, o presidente seguiu uma cartilha liberal na economia, com o fim do imposto sobre grandes fortunas, uma política de austeridade, redução dos benefícios sociais e do tamanho do Estado. Em 2018, ao implementar um imposto sobre combustíveis, Macron despertou a ira da população, já afetada em seu poder de compra. Era o início do movimento dos coletes amarelos, que parou a França ao longo de meses.

Assim como os protestos reuniram eleitores da esquerda à direita contra Macron, a eleição presidencial pode unir esquerdistas e direitistas que pretendem impedir sua reeleição.

Em uma mercearia do 14° Distrito de Paris, a aposentada Laetitia se diz decepcionada com os cinco anos de governo Macron. Ela, que é eleitora do Republicanos, considera que o presidente “não conhece a França de verdade”, e dá como exemplo a alta dos preços dos alimentos. Após a pandemia, e com a guerra na Ucrânia, o país vive uma inflação de 4,5%. O que a aposentada fará em um possível segundo turno entre Macron e Le Pen? “Ainda não sei. É um cenário horrível.”

ESPECIAL PARA O ESTADÃO, DE PARIS- Doze candidatos disputam neste domingo, 10, o primeiro turno da eleição presidencial francesa. As pesquisas apontam uma disputa acirrada entre o presidente, Emmanuel Macron (República em Marcha), e a candidata de extrema direita Marine Le Pen (Reunião Nacional), que protagonizou um crescimento impressionante na reta final de campanha.

Após uma queda de quase 5 pontos porcentuais, Macron tem 26,5% das intenções de voto. Le Pen, 23%, segundo pesquisa Ipsos. Em terceiro lugar aparece o representante da esquerda radical, Jean-Luc Mélenchon (França Insubmissa), com 16,5%.

Se as urnas confirmarem as pesquisas, será uma eleição histórica para a extrema direita, que pode conquistar mais de um terço dos franceses e chegar ao segundo turno mais forte do que nunca. Os outros candidatos da extrema direita, Éric Zemmour e Nicolas Dupont-Aignan, têm 11,5% das intenções de voto.

Apatia Eleitoral

A eleição vem sendo acompanhada com uma apatia incomum na França, onde política se discute a toda hora. A campanha teve menos comícios, em razão da pandemia. Além disso, a invasão russa à Ucrânia, em fevereiro, capturou a atenção geral. “É uma campanha que não vingou entre os eleitores. A falta de debates, as notícias sobre a guerra da Ucrânia. Isso tudo anestesiou o público e reduziu as questões da política interna”, afirma o cientista político Thomas Vitiello, da Sciences Po, de Paris. Como resultado, pesquisas apontam que a abstenção no primeiro turno pode ser recorde: 31% dos franceses não têm certeza se sairão de casa para votar. Em 2017, o número foi de 22,2%.

Emmanuel Macron faz campanha em mercado de Neuilly-sur-Seine, perto de Paris, em 8 de abril Foto: Ludovic Marin / AFP

Atendente em uma mercearia de Paris, Julien está entre eles. “Tudo é igual, nada muda e os candidatos não trazem nenhuma contribuição real para resolver nossos problemas. Só sabem falar de imigração, da Otan.” Ele, que já votou nos socialistas e ajudou a eleger Macron, desta vez não sabe se vai votar. “Vamos ver. Se não estiver chovendo”, diz.

“Há uma sensação crônica de insatisfação em relação ao funcionamento da democracia. A maioria dos franceses acha que ela não vai bem. Isso se soma a um certo cansaço de candidatos que não oferecem, ao menos não de maneira clara, uma solução para os problemas do país”, afirma Vitiello.

Revanche

O fracasso da união de partidos da esquerda (Socialista, Comunista, Ecologista e França Insubmissa) e o desempenho fraco da direita tradicional, de Valérie Pécresse (Os Republicanos), antecipou a sensação de que o duelo do segundo turno, marcado para o dia 24, será uma revanche de 2017, entre Macron e Le Pen.

Durante a campanha, Zemmour usou o discurso nacionalista e supremacista, mobilizando a questão identitária em um grupo mais radical da população com frequentes citações à teoria conspiratória da “grande substituição” de Renaud Camus, segundo a qual os árabes tomarão a Europa.

Marine Le Pen, candidata da extrema direita, faz campanha em Perpignan, sul da França Foto: Albert Gea/Reuters

Com isso, Le Pen tornou-se uma candidata viável, como explica Sylvie Strudel, professora da Universidade Panthéon-Assas, em Paris. “Graças a Zemmour, Le Pen dá a impressão de ser menos extrema.”

Mesmo sem ter alterado seu programa nacionalista e conservador, Le Pen ganhou pontos ao concentrar sua campanha em temas econômicos e propostas para ampliar o poder de compra do francês, tema que mais preocupa o eleitorado.

“Ela está menos radical”, afirma a enfermeira Madeleine, eleitora de Le Pen, que votou na esquerda até 2017. “Ela é a única que pode derrotar Macron e eu não aguento mais”, diz Madeleine, após dois anos de pandemia. “A situação dos hospitais públicos só piora. Os franceses já sofreram demais.”

Para os opositores do presidente, Emmanuel Macron, a eleição presidencial francesa é um plebiscito em relação ao governo. O presidente, no entanto, demorou a entrar em campanha e se tornou figura ausente nas discussões políticas.

Macron esperou até março para oficializar sua candidatura à reeleição. Com vantagem nas pesquisas, ele decidiu manter sua posição nas negociações com a Rússia sobre a Ucrânia e deixar de lado eventos eleitorais, realizando apenas um comício oito dias antes da votação.

Além disso, o presidente rejeitou diversas entrevistas e deixou de participar de encontros com outros candidatos na imprensa, “o que foi visto negativamente como uma fuga do debate”, afirma a analista Sylvie Strudel. “O resultado dessa campanha inábil foi uma queda abrupta na reta final, voltando ao mesmo patamar de outubro de 2021.”

A queda de Macron, somada ao forte repúdio à imagem do presidente, preocupa os macronistas. Ele foi eleito em 2017 com forte apoio de eleitores de esquerda e da direita tradicional, em um movimento de união já conhecido no país para barrar a chegada da extrema direita ao poder – como ocorreu em 2002 contra Jean-Marie Le Pen, pai de Marine Le Pen.

Cartilha liberal

Uma vez no poder, o presidente seguiu uma cartilha liberal na economia, com o fim do imposto sobre grandes fortunas, uma política de austeridade, redução dos benefícios sociais e do tamanho do Estado. Em 2018, ao implementar um imposto sobre combustíveis, Macron despertou a ira da população, já afetada em seu poder de compra. Era o início do movimento dos coletes amarelos, que parou a França ao longo de meses.

Assim como os protestos reuniram eleitores da esquerda à direita contra Macron, a eleição presidencial pode unir esquerdistas e direitistas que pretendem impedir sua reeleição.

Em uma mercearia do 14° Distrito de Paris, a aposentada Laetitia se diz decepcionada com os cinco anos de governo Macron. Ela, que é eleitora do Republicanos, considera que o presidente “não conhece a França de verdade”, e dá como exemplo a alta dos preços dos alimentos. Após a pandemia, e com a guerra na Ucrânia, o país vive uma inflação de 4,5%. O que a aposentada fará em um possível segundo turno entre Macron e Le Pen? “Ainda não sei. É um cenário horrível.”

ESPECIAL PARA O ESTADÃO, DE PARIS- Doze candidatos disputam neste domingo, 10, o primeiro turno da eleição presidencial francesa. As pesquisas apontam uma disputa acirrada entre o presidente, Emmanuel Macron (República em Marcha), e a candidata de extrema direita Marine Le Pen (Reunião Nacional), que protagonizou um crescimento impressionante na reta final de campanha.

Após uma queda de quase 5 pontos porcentuais, Macron tem 26,5% das intenções de voto. Le Pen, 23%, segundo pesquisa Ipsos. Em terceiro lugar aparece o representante da esquerda radical, Jean-Luc Mélenchon (França Insubmissa), com 16,5%.

Se as urnas confirmarem as pesquisas, será uma eleição histórica para a extrema direita, que pode conquistar mais de um terço dos franceses e chegar ao segundo turno mais forte do que nunca. Os outros candidatos da extrema direita, Éric Zemmour e Nicolas Dupont-Aignan, têm 11,5% das intenções de voto.

Apatia Eleitoral

A eleição vem sendo acompanhada com uma apatia incomum na França, onde política se discute a toda hora. A campanha teve menos comícios, em razão da pandemia. Além disso, a invasão russa à Ucrânia, em fevereiro, capturou a atenção geral. “É uma campanha que não vingou entre os eleitores. A falta de debates, as notícias sobre a guerra da Ucrânia. Isso tudo anestesiou o público e reduziu as questões da política interna”, afirma o cientista político Thomas Vitiello, da Sciences Po, de Paris. Como resultado, pesquisas apontam que a abstenção no primeiro turno pode ser recorde: 31% dos franceses não têm certeza se sairão de casa para votar. Em 2017, o número foi de 22,2%.

Emmanuel Macron faz campanha em mercado de Neuilly-sur-Seine, perto de Paris, em 8 de abril Foto: Ludovic Marin / AFP

Atendente em uma mercearia de Paris, Julien está entre eles. “Tudo é igual, nada muda e os candidatos não trazem nenhuma contribuição real para resolver nossos problemas. Só sabem falar de imigração, da Otan.” Ele, que já votou nos socialistas e ajudou a eleger Macron, desta vez não sabe se vai votar. “Vamos ver. Se não estiver chovendo”, diz.

“Há uma sensação crônica de insatisfação em relação ao funcionamento da democracia. A maioria dos franceses acha que ela não vai bem. Isso se soma a um certo cansaço de candidatos que não oferecem, ao menos não de maneira clara, uma solução para os problemas do país”, afirma Vitiello.

Revanche

O fracasso da união de partidos da esquerda (Socialista, Comunista, Ecologista e França Insubmissa) e o desempenho fraco da direita tradicional, de Valérie Pécresse (Os Republicanos), antecipou a sensação de que o duelo do segundo turno, marcado para o dia 24, será uma revanche de 2017, entre Macron e Le Pen.

Durante a campanha, Zemmour usou o discurso nacionalista e supremacista, mobilizando a questão identitária em um grupo mais radical da população com frequentes citações à teoria conspiratória da “grande substituição” de Renaud Camus, segundo a qual os árabes tomarão a Europa.

Marine Le Pen, candidata da extrema direita, faz campanha em Perpignan, sul da França Foto: Albert Gea/Reuters

Com isso, Le Pen tornou-se uma candidata viável, como explica Sylvie Strudel, professora da Universidade Panthéon-Assas, em Paris. “Graças a Zemmour, Le Pen dá a impressão de ser menos extrema.”

Mesmo sem ter alterado seu programa nacionalista e conservador, Le Pen ganhou pontos ao concentrar sua campanha em temas econômicos e propostas para ampliar o poder de compra do francês, tema que mais preocupa o eleitorado.

“Ela está menos radical”, afirma a enfermeira Madeleine, eleitora de Le Pen, que votou na esquerda até 2017. “Ela é a única que pode derrotar Macron e eu não aguento mais”, diz Madeleine, após dois anos de pandemia. “A situação dos hospitais públicos só piora. Os franceses já sofreram demais.”

Para os opositores do presidente, Emmanuel Macron, a eleição presidencial francesa é um plebiscito em relação ao governo. O presidente, no entanto, demorou a entrar em campanha e se tornou figura ausente nas discussões políticas.

Macron esperou até março para oficializar sua candidatura à reeleição. Com vantagem nas pesquisas, ele decidiu manter sua posição nas negociações com a Rússia sobre a Ucrânia e deixar de lado eventos eleitorais, realizando apenas um comício oito dias antes da votação.

Além disso, o presidente rejeitou diversas entrevistas e deixou de participar de encontros com outros candidatos na imprensa, “o que foi visto negativamente como uma fuga do debate”, afirma a analista Sylvie Strudel. “O resultado dessa campanha inábil foi uma queda abrupta na reta final, voltando ao mesmo patamar de outubro de 2021.”

A queda de Macron, somada ao forte repúdio à imagem do presidente, preocupa os macronistas. Ele foi eleito em 2017 com forte apoio de eleitores de esquerda e da direita tradicional, em um movimento de união já conhecido no país para barrar a chegada da extrema direita ao poder – como ocorreu em 2002 contra Jean-Marie Le Pen, pai de Marine Le Pen.

Cartilha liberal

Uma vez no poder, o presidente seguiu uma cartilha liberal na economia, com o fim do imposto sobre grandes fortunas, uma política de austeridade, redução dos benefícios sociais e do tamanho do Estado. Em 2018, ao implementar um imposto sobre combustíveis, Macron despertou a ira da população, já afetada em seu poder de compra. Era o início do movimento dos coletes amarelos, que parou a França ao longo de meses.

Assim como os protestos reuniram eleitores da esquerda à direita contra Macron, a eleição presidencial pode unir esquerdistas e direitistas que pretendem impedir sua reeleição.

Em uma mercearia do 14° Distrito de Paris, a aposentada Laetitia se diz decepcionada com os cinco anos de governo Macron. Ela, que é eleitora do Republicanos, considera que o presidente “não conhece a França de verdade”, e dá como exemplo a alta dos preços dos alimentos. Após a pandemia, e com a guerra na Ucrânia, o país vive uma inflação de 4,5%. O que a aposentada fará em um possível segundo turno entre Macron e Le Pen? “Ainda não sei. É um cenário horrível.”

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.