Por pior que tenha sido a vida dos venezuelanos na década passada, poderia ter sido pior. Apesar de todo o sofrimento, da repressão aos dissidentes políticos, do êxodo de um quarto da população e de outros atos horrendos, ainda se tratava de um país onde, diferentemente de Cuba e Nicarágua, o discurso político não era completamente restrito, e algumas formalidades da democracia eram mantidas, aparentemente porque Nicolás Maduro e seus apoiadores se importavam pelo menos um pouco com a opinião global e com a manutenção de vínculos econômicos com seus vizinhos e outras democracias ocidentais.
Esse desejo, essa relutância em entrar no “modo Ortega”, nos moldes do ditador Daniel Ortega da Nicarágua, parece ter levado Maduro a um erro de cálculo do qual ele agora certamente se arrepende: permitir que a eleição presidencial de domingo acontecesse como aconteceu. Embora nunca pudéssemos esperar uma votação livre ou justa, Maduro acabou, sob pressão dos Estados Unidos, mas também de seus apoiadores esquerdistas de longa data no Brasil e na Colômbia, permitindo a participação de Edmundo González, um candidato alinhado à popular figura da oposição María Corina Machado.
Maduro subestimou enormemente a habilidade política de Machado, enquanto sua proibição aos observadores eleitorais europeus e à maioria dos outros observadores confiáveis foi insuficiente para cegar o mundo, ou seu próprio povo, diante da fraude eleitoral nua e crua que seu governo anunciou na noite de domingo.
Conforme a segunda-feira avançava, ficou claro que Maduro estava disposto a dar o próximo passo — e se tornar um regime totalmente desonesto, isolado, ao estilo da Nicarágua, se necessário, para manter o poder. O regime nomeou Machado como suspeita de uma suposta sabotagem eleitoral, um prelúdio potencial para prendê-la e a outras figuras da oposição.
Depois que vários países latino-americanos pediram que Maduro respeitasse a vontade popular, Maduro reagiu expulsando todos os seus diplomatas de Caracas — um passo extremo que até mesmo os cubanos hesitaram em dar ao longo dos anos. Ele suspendeu muitos dos poucos voos internacionais restantes para seu país. E enquanto milhares de venezuelanos saíram às ruas na segunda feira à noite e na terça feira para exigir que seu voto fosse respeitado, derrubando várias estátuas de Hugo Chávez, havia temores de uma repressão ainda mais violenta do que as rodadas anteriores na década de 2010, que deixaram centenas de mortos.
Ao tentar entender o comportamento de Maduro e antecipar o que pode acontecer a seguir, volto a duas suposições principais. A primeira é que o que Maduro e seus aliados mais temem não é perder o poder em si, mas passar o resto de suas vidas em uma prisão federal Supermax nos Estados Unidos. Com várias autoridades, incluindo Maduro, enfrentando acusações em tribunais dos EUA por tráfico de drogas, corrupção e abusos de direitos humanos suficientemente documentados para manter Haia totalmente ocupada por uma década, Maduro e seus apoiadores nas forças armadas venezuelanas nunca deixariam o cargo sem algum tipo de acordo abrangente de imunidade e/ou justiça transicional.
A segunda suposição é que o modelo do chavismo sempre foi Cuba, onde as autoridades permaneceram “com sucesso” no poder reprimindo a dissidência, ignorando a economia quando necessário e exportando descontentes por 65 anos e contando. Assumindo a visão de longo prazo, a visão de Havana, esta parece apenas mais uma tempestade que passará.
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É possível que essas suposições estejam erradas: a estrutura de poder venezuelana pode ser mais fraca, mais dividida e ansiosa por mudanças do que imaginamos, acreditando que sua crescente falta de legitimidade doméstica e no exterior seja insustentável. Maduro pode estar marcando território agora em antecipação a uma eventual negociação. Mas se Maduro estiver realmente disposto a fazer o que for preciso para permanecer no poder, então qualquer caminho restante para uma transição democrática será estreito e extremamente perigoso nos próximos dias.
A pressão internacional, particularmente do Brasil e da Colômbia, será necessária — mas insuficiente. Nesta fase, o regime de Maduro sabe que o mundo sabe que ele mentiu a respeito dos resultados de domingo, e ele simplesmente não se importa. Também parece improvável que a ameaça de Washington ou de nações europeias de novas sanções, ou de reconhecer González como líder legítimo da Venezuela mude a situação; já passamos por isso antes, com pouco efeito positivo e muitos danos colaterais.
Criticamente, Maduro recebeu apoio instantâneo na segunda feira dos governos da China, Rússia e Irã, o que pode fornecer uma ponte de salvação econômica e diplomática suficiente para que ele enfrente qualquer tempestade que esteja por vir (mas pode levar os democratas da América Latina a fazerem perguntas renovadas sobre os verdadeiros interesses e impacto desses países na região).
O foco, então, se volta para a dinâmica dentro da própria Venezuela, boa parte dela desconhecida: quão dispostos os venezuelanos comuns estarão a correr o risco de ferimentos ou morte para tentar tirar Maduro do poder? Machado e González conseguirão manter engajados seus apoiadores, muitos dos quais estão compreensivelmente desiludidos por vários ciclos de esperança e repressão ao longo de muitos anos?
Poderão eles fazer isso enquanto mantêm canais abertos com elementos dentro do aparato estatal para negociar algum tipo de transição? Será que as forças de segurança, que até agora parecem unidas e capazes de suprimir qualquer dissidência em suas fileiras e na sociedade em geral, começarão a se fragmentar se a demonstração de resistência popular for massiva o suficiente? Quão dispostos os soldados rasos estarão a derramar o sangue de seus compatriotas?
Estas são as perguntas que os dissidentes na Nicarágua, Cuba, China, Rússia, Romênia, Líbia e outros lugares enfrentaram ao longo dos anos. Os resultados têm sido, em sua maioria, sombrios, apontando mais uma vez para o velho ditado: uma vez que os ditadores tomam o poder, é quase impossível removê-los. Quase. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL