BERLIM - Um estudo publicado nesta segunda-feira, 10, na revista Nature Medicine mostrou que as altas temperaturas que atingiram a Europa no ano passado podem ter levado mais de 61 mil pessoas à morte, e número tende a continuar crescendo conforme temperaturas extremas se tornam comuns. Alerta ocorre durante o início do verão no hemisfério norte e uma semana após o planeta bater recorde de calor.
Os pesquisadores examinaram os números oficiais de mortalidade de 35 países europeus e encontraram um aumento acentuado de mortes entre o final de maio e o início de setembro do ano passado, em comparação com a média registrada em um período de 30 anos.
De acordo com o estudo, sem medidas de prevenção apropriadas, a carga de mortalidade relacionada ao calor será de 68.116 mortes em média a cada verão até o ano de 2030. Os autores preveem que esse número aumentará para mais de 94.000 em 2040 e mais de 120.000 em meados do século.
É provável que este verão europeu seja ainda pior já que além das mudanças climáticas, a Terra entrou em um padrão climático natural de El Niño pela primeira vez em quatro anos, provocando condições que aumentarão o calor em muitas partes do mundo, incluindo onde é inverno.
A maioria das pessoas que morreram em 2022 eram mulheres, especialmente aquelas com mais de 80 anos. Entre os mais jovens, os homens morreram em taxas mais altas. Os países mediterrâneos, onde as temperaturas eram mais altas na época, foram os que mais sofreram.
Os idosos continuam altamente vulneráveis, especialmente aqueles sem acesso a ar-condicionado, assim como as pessoas que trabalham ao ar livre. As mulheres mais velhas foram provavelmente o grupo em pior situação no verão passado, simplesmente porque vivem mais do que os homens nas idades em que as pessoas são mais frágeis e com maior probabilidade de morrer durante o calor intenso, disse o coautor Joan Ballester, do Instituto de Saúde Global de Barcelona.
Leia também
Medidas de mitigação
Mas os dados também indicaram que as medidas tomadas na França desde uma onda de calor mortal há duas décadas podem ter ajudado a evitar mortes no país no ano passado.
“No padrão das temperaturas médias de verão na Europa durante o verão de 2022, não vemos fronteiras”, disse Ballester. As temperaturas mais altas foram registradas em uma faixa do sudoeste da Europa, da Espanha à França e Itália. “Mas quando olhamos para a mortalidade relacionada ao calor, começamos a ver fronteiras.”
Enquanto a França teve 73 mortes relacionadas ao calor por milhão de habitantes no verão passado, a taxa da Espanha foi de 237 e a da Itália foi de 295, segundo o estudo. “Possivelmente a França tirou lições da experiência de 2003″, disse ele.
O sistema de alerta francês inclui anúncios públicos com conselhos sobre como manter a calma e encorajar as pessoas a beber água e evitar álcool. Outras medidas incluem a conscientização sobre os perigos das altas temperaturas e a identificação de indivíduos que precisam de atenção especial durante as ondas de calor, disse ele. “São medidas baratas e econômicas”, afirma Ballester
Nem todas as mortes relacionadas ao calor calculadas em toda a Europa no verão passado estavam ligadas às mudanças climáticas. Alguns teriam ocorrido mesmo se as temperaturas tivessem permanecido em linha com a média de longo prazo. Mas não há dúvida de que o calor intenso de 2022 levou a taxas de mortalidade mais altas, como também mostraram outros estudos sobre mortes por calor.
Os autores calcularam que houve mais de 25.000 mortes em excesso relacionadas ao calor no verão passado do hemisfério norte do que a média de 2015 a 2021. Mortes em excesso são mortes acima da média esperada para um determinado período de tempo e cujo monitoramento, neste caso, é feito pelo escritório de estatísticas da União Europeia, a Eurostat.
Os governos da Espanha e da Alemanha anunciaram recentemente novas medidas para lidar com os efeitos do clima quente em suas populações. Na Suíça, um grupo de idosos está citando o perigo representado pelo calor intenso para mulheres mais velhas em um processo judicial que busca forçar o governo a tomar medidas climáticas mais duras.
Aumento da temperatura
Uma dificuldade para os pesquisadores é que as mortes relacionadas ao calor geralmente ocorrem em pessoas com condições pré-existentes, como doenças cardiovasculares, disse Matthias an der Heiden, do Instituto Robert Koch da Alemanha, que não participou do estudo.
Isso significa que o calor não é a causa subjacente das mortes e, portanto, não é registrado nas estatísticas de causa de mortes. Isso pode encobrir o impacto significativo que o calor tem sobre as pessoas vulneráveis, com até 30% mais mortes em certas faixas etárias durante os períodos de clima quente.
“O problema ficará mais agudo devido às mudanças climáticas e os sistemas médicos precisam se ajustar a isso”, disse ele.
An der Heiden também observou que o estudo da Nature estimou quase o dobro do número de mortes por calor na Alemanha no ano passado do que seu instituto. Embora a discrepância possa ser explicada pelos diferentes valores limiares de calor usados, ela indica a necessidade de uma descrição mais detalhada da mortalidade relacionada ao calor que diferencie entre calor moderado e intenso, disse ele.
Segundo o coautor Ballester, o impacto do calor depende muito da saúde geral da população, principalmente no que diz respeito às doenças cardíacas e pulmonares.
“Na minha opinião e na opinião de todos os cientistas do clima, quanto menos o clima for modificado, melhor”, disse Ballester. “Por isso é tão importante começarmos, o quanto antes, a mitigar as mudanças climáticas e reduzir a vulnerabilidade.”
Há quatro anos, a Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho publicou um guia para ajudar as autoridades municipais a responder às ondas de calor, e suas recomendações incluíam mudanças nas residências e na infraestrutura física, como melhorar a eficiência energética e a ventilação.
Cálculos feitos por especialistas meteorológicos da ONU publicados em maio concluíram que a temperatura média anual próxima à superfície terrestre poderia se elevar, de forma transitória, em mais de 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais entre 2023 e 2027. Além disso, há 98% de chance de que ao menos um dos próximos cinco anos, assim como o período como um todo, sejam os mais quentes já registrados./AP e NYT