‘Mãos mágicas’: a mulher que ressuscita florestas na Índia


Tulsi Gowind Gowda passou a vida cultivando árvores e recriando o ecossistema que os indianos perderam

Por Sameeb Yasir
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - Ela caminhou quilômetros em meio a florestas tropicais cortando cuidadosamente ramos saudáveis de milhares de árvores, para replantá-los ou enxertá-los. Seu olhar se ilumina quando ela fala de sementes ou mudas raras. E, depois de morrer, ela diz que gostaria de reencarnar como uma grande árvore.

Tulsi Gowind Gowda — que não sabe em que ano nasceu mas acredita ter mais de 80 anos — devotou sua vida inteira a transformar vastas parcelas de terra inóspita em seu Estado-natal, Karnataka, no sul da Índia, em florestas densas.

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Ao longo dos anos, ela recebeu cerca de uma dúzia de prêmios por ser pioneira no campo da conservação ambiental. O mais prestigioso, porém, veio no ano passado, quando o governo reconheceu seus esforços e vasto conhecimento de ecossistemas florestais com o Prêmio Padma Shri, uma das mais elevadas distinções civis da Índia.

Tulsi Gowind Gowda, que dedicou sua vida a transformar vastas áreas de terra estéril em florestas densas, trabalha em uma creche do governo em Karnataka, seu estado-natal no sul da Índia  Foto: Priyadarshini Ravichandran/The New York Times - 22/05/2022

Numa manhã recente, Gowda sentou-se em uma cadeira de plástico, recepcionando visitantes em sua residência de três cômodos em Honnali, um vilarejo de aproximadamente 150 casas na beira de uma floresta. Ela usava um sari que deixa as costas nuas, desenhado para facilitar o trabalho físico, e seis cordões em torno do pescoço, feitos de contas de pedras e fibras naturais. Atrás dela, um painel exibia quadros e esculturas plásticas de deidades hindus e fotos das cerimônias de premiação.

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Ser laureada com o Prêmio Padma Shri, a quarta mais elevada honraria civil na Índia, trouxe a Gowda um nível de proeminência com o qual ela não estava acostumada, com ampla atenção pública e cobertura da imprensa indiana. Quando os moradores de seu vilarejo se encontram com ela atualmente, eles se curvam, e crianças se aproximam para tirar selfies com ela. Ônibus repletos de estudantes chegam à sua casa, onde ela vive com dez parentes, incluindo bisnetos.

“Quando os vejo, sinto-me feliz”, afirmou ela, em entrevista, referindo-se aos estudantes. “Eles precisam que alguém lhes ensine como é importante plantar árvores”, afirmou ela.

Desmatamento impulsionado pelos colonizadores

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Quando a Índia estava sob controle do Reino Unido, os colonizadores lideraram um gigantesco impulso de desmatamento nas montanhas para obter madeira para fabricar navios e dormentes de ferrovias, aniquilando grande parte da floresta que cobria o distrito de Uttara Kannada, onde Gowda vive.

Após a independência da Índia, em 1947, os líderes do país continuaram a explorar áreas florestais para industrialização em larga escala e urbanização. Entre 1951 e 1980, cerca de 4,2 milhões de hectares de território foram destinados para projetos de desenvolvimento, de acordo com informações do governo.

Mesmo criança, Gowda, que nunca aprendeu a ler, trabalhou para reverter a derrubada de florestas locais replantando árvores. Durante caminhadas por florestas que duravam dias inteiros, para coletar lenha para sua família, sua mãe lhe ensinou como a regeneração é melhor se for feita com sementes de árvores grandes e saudáveis. Durante a adolescência, Gowda transformou a paisagem devastada atrás da casa de sua família em floresta densa, afirmam habitantes da região e as autoridades indianas.

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“Desde a infância ela conversava com as árvores da mesma maneira que uma mãe conversa com filhos pequenos”, afirmou Rukmani, moradora da região que usa apenas um nome e trabalhou décadas com Gowda.

Em 1983, as políticas de conservação ambiental do governo mudaram. Naquele ano, uma graduada autoridade florestal indiana, Adugodi Nanjappa Yellappa Reddy, chegou a uma creche pública de Karnataka com uma tarefa gigantesca: reflorestar grandes porções de território na região.

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Em seu primeiro dia de trabalho, sob um sol escaldante, ele conheceu Gowda, que trabalhava na creche. Ela separava pequenas pedras do solo e plantava meticulosamente sementes e mudas.

“Havia algo de magia em suas mãos”, afirmou Reddy, de 86 anos, atualmente aposentado. “O conhecimento dela para identificar espécies nativas, coletar sementes e mudas cuidadosamente e cuidar das árvores não se encontra em nenhum livro.”

Gowda transformou-se em sua valorosa conselheira, afirmou Reddy. E trabalhar com ele trouxe a ela uma nova atenção localmente, com alguns moradores chegando a chamá-la de “deusa das árvores”.

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Pés descalços

Gowda foi descalça receber sua medalha do Prêmio Padma Shri em Rashtrapati Bhavan, a residência presidencial da Índia, em Nova Délhi. Ao longo de toda sua vida, afirmou Gowda em entrevista, ela nunca usou sapatos, o que é comum em sua comunidade tribal.

Os cerca de 700 grupos tribais da Índia têm uma população de 104 milhões, de acordo com o censo mais recente, de 2011. Entre esses grupos, mais de 600 comunidades são registradas como tribos, o que significa que recebem certos benefícios do governo, incluindo cotas em instituições de ensino e empregos no governo.

Mas a tribo de Gowda — Halakki-Vokkaligas, com cerca de 180 mil integrantes — jamais obteve o status oficial. Membros de sua tribo, que vive há séculos em regiões ocupadas por vastas florestas tropicais nas montanha, têm advogado por esse reconhecimento desde 2006.

O índice de pobreza entre os Halakki-Vokkaligas é de aproximadamente 95%, com apenas 15% completando qualquer nível de educação, afirmou Shridhar Gouda, professor da Universidade de Karnataka que estudou a comunidade por décadas.

O Estado é minimamente desenvolvido. No distrito em que Gowda vive, as estradas são de terra, as escolas com frequência não funcionam e não há hospitais de emergência, apesar do distrito ser um dos maiores do Estado. “Muita gente morre nas estradas tentando chegar a hospitais”, afirmou Gouda.

Gowda trabalhou 48 anos na creche do governo, aposentando-se oficialmente em 1998 — apesar de ter continuado a trabalhar na instituição durante mais 15 anos, como conselheira, e de ainda ajudar compartilhando seu imenso conhecimento sobre árvores locais.

Tulsi Gowind Gowda diz não saber o que significa mudança climática, mas entende que o espaço das árvores e dos animais foi invadido, com destruição em grande escala das florestas e seus ecossistemas Foto: Priyadarshini Ravichandran/The New York Time - 22/05/2022

Mesmo que ela diga que com frequência se sente cansada após longas conversas com visitantes, uma caminhada que atravessou campos de arroz, passou diante de um cartaz com uma foto dela em tamanho real e entrou em uma densa floresta repleta de acácias pareceu revigorá-la.

Durante o trajeto, ela parou com frequência para pronunciar nomes de árvores e plantas em sua língua nativa, Kannada: Garcinia indica (da família dos mangostins), Ficus benghaliens (ou figueira-de-bengala) e tamarindo, entre dezenas de outras que ela conseguiu identificar.

Nos meses recentes, o número de pessoas visitando sua casa para conhecê-la aumentou, afirmou ela. Com frequência lhe perguntam sobre as mudanças climáticas. Ela afirma não entender o que isso significa. Tudo que ela sabe, disse ela, é que o espaço das árvores e dos animais foi invadido, com destruição em grande escala das florestas e seus ecossistemas.

E ela notou que as monções na parte do planeta em que ela vive estão cada vez mais erráticas e perigosas, matando pessoas com alagamentos e deslizamentos de terra.

“A reversão vai levar muito tempo”, afirmou ela, referindo-se ao reflorestamento da terra devastada, mas ela também expressou algum otimismo em relação ao futuro. “Quando vejo essas florestas densas daqui, sinto que é possível para os humanos prosperar sem cortar árvores.”

Apesar do burburinho dos visitantes, nada parece ter mudado muito para Gowda pessoalmente desde que ela virou celebridade nacional, exceto que a legislatura local construiu uma ponte de madeira para ela poder atravessar um pequeno córrego. Mas Gowda afirmou que nunca a usa; em vez disso, prefere molhar os pés cruzando o riozinho.

Seu filho e seus netos trabalham em uma pequena parcela de terra de sua propriedade e também em outros campos. Eles dependem das florestas de seu entorno para obter lenha e medicamentos. Sua tribo é conhecida pelo conhecimento sobre plantas medicinais, que seus membros usam para se curar de doenças.

Gowda afirmou que anda frágil ultimamente e que pensa com frequência sobre a morte e sobre morrer. “A melhor morte seria sob os galhos enormes de uma árvore gigante”, afirmou ela. “Gosto delas mais do que tudo na minha vida.” / NYT, TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - Ela caminhou quilômetros em meio a florestas tropicais cortando cuidadosamente ramos saudáveis de milhares de árvores, para replantá-los ou enxertá-los. Seu olhar se ilumina quando ela fala de sementes ou mudas raras. E, depois de morrer, ela diz que gostaria de reencarnar como uma grande árvore.

Tulsi Gowind Gowda — que não sabe em que ano nasceu mas acredita ter mais de 80 anos — devotou sua vida inteira a transformar vastas parcelas de terra inóspita em seu Estado-natal, Karnataka, no sul da Índia, em florestas densas.

Ao longo dos anos, ela recebeu cerca de uma dúzia de prêmios por ser pioneira no campo da conservação ambiental. O mais prestigioso, porém, veio no ano passado, quando o governo reconheceu seus esforços e vasto conhecimento de ecossistemas florestais com o Prêmio Padma Shri, uma das mais elevadas distinções civis da Índia.

Tulsi Gowind Gowda, que dedicou sua vida a transformar vastas áreas de terra estéril em florestas densas, trabalha em uma creche do governo em Karnataka, seu estado-natal no sul da Índia  Foto: Priyadarshini Ravichandran/The New York Times - 22/05/2022

Numa manhã recente, Gowda sentou-se em uma cadeira de plástico, recepcionando visitantes em sua residência de três cômodos em Honnali, um vilarejo de aproximadamente 150 casas na beira de uma floresta. Ela usava um sari que deixa as costas nuas, desenhado para facilitar o trabalho físico, e seis cordões em torno do pescoço, feitos de contas de pedras e fibras naturais. Atrás dela, um painel exibia quadros e esculturas plásticas de deidades hindus e fotos das cerimônias de premiação.

Ser laureada com o Prêmio Padma Shri, a quarta mais elevada honraria civil na Índia, trouxe a Gowda um nível de proeminência com o qual ela não estava acostumada, com ampla atenção pública e cobertura da imprensa indiana. Quando os moradores de seu vilarejo se encontram com ela atualmente, eles se curvam, e crianças se aproximam para tirar selfies com ela. Ônibus repletos de estudantes chegam à sua casa, onde ela vive com dez parentes, incluindo bisnetos.

“Quando os vejo, sinto-me feliz”, afirmou ela, em entrevista, referindo-se aos estudantes. “Eles precisam que alguém lhes ensine como é importante plantar árvores”, afirmou ela.

Desmatamento impulsionado pelos colonizadores

Quando a Índia estava sob controle do Reino Unido, os colonizadores lideraram um gigantesco impulso de desmatamento nas montanhas para obter madeira para fabricar navios e dormentes de ferrovias, aniquilando grande parte da floresta que cobria o distrito de Uttara Kannada, onde Gowda vive.

Após a independência da Índia, em 1947, os líderes do país continuaram a explorar áreas florestais para industrialização em larga escala e urbanização. Entre 1951 e 1980, cerca de 4,2 milhões de hectares de território foram destinados para projetos de desenvolvimento, de acordo com informações do governo.

Mesmo criança, Gowda, que nunca aprendeu a ler, trabalhou para reverter a derrubada de florestas locais replantando árvores. Durante caminhadas por florestas que duravam dias inteiros, para coletar lenha para sua família, sua mãe lhe ensinou como a regeneração é melhor se for feita com sementes de árvores grandes e saudáveis. Durante a adolescência, Gowda transformou a paisagem devastada atrás da casa de sua família em floresta densa, afirmam habitantes da região e as autoridades indianas.

“Desde a infância ela conversava com as árvores da mesma maneira que uma mãe conversa com filhos pequenos”, afirmou Rukmani, moradora da região que usa apenas um nome e trabalhou décadas com Gowda.

Em 1983, as políticas de conservação ambiental do governo mudaram. Naquele ano, uma graduada autoridade florestal indiana, Adugodi Nanjappa Yellappa Reddy, chegou a uma creche pública de Karnataka com uma tarefa gigantesca: reflorestar grandes porções de território na região.

Em seu primeiro dia de trabalho, sob um sol escaldante, ele conheceu Gowda, que trabalhava na creche. Ela separava pequenas pedras do solo e plantava meticulosamente sementes e mudas.

“Havia algo de magia em suas mãos”, afirmou Reddy, de 86 anos, atualmente aposentado. “O conhecimento dela para identificar espécies nativas, coletar sementes e mudas cuidadosamente e cuidar das árvores não se encontra em nenhum livro.”

Gowda transformou-se em sua valorosa conselheira, afirmou Reddy. E trabalhar com ele trouxe a ela uma nova atenção localmente, com alguns moradores chegando a chamá-la de “deusa das árvores”.

Pés descalços

Gowda foi descalça receber sua medalha do Prêmio Padma Shri em Rashtrapati Bhavan, a residência presidencial da Índia, em Nova Délhi. Ao longo de toda sua vida, afirmou Gowda em entrevista, ela nunca usou sapatos, o que é comum em sua comunidade tribal.

Os cerca de 700 grupos tribais da Índia têm uma população de 104 milhões, de acordo com o censo mais recente, de 2011. Entre esses grupos, mais de 600 comunidades são registradas como tribos, o que significa que recebem certos benefícios do governo, incluindo cotas em instituições de ensino e empregos no governo.

Mas a tribo de Gowda — Halakki-Vokkaligas, com cerca de 180 mil integrantes — jamais obteve o status oficial. Membros de sua tribo, que vive há séculos em regiões ocupadas por vastas florestas tropicais nas montanha, têm advogado por esse reconhecimento desde 2006.

O índice de pobreza entre os Halakki-Vokkaligas é de aproximadamente 95%, com apenas 15% completando qualquer nível de educação, afirmou Shridhar Gouda, professor da Universidade de Karnataka que estudou a comunidade por décadas.

O Estado é minimamente desenvolvido. No distrito em que Gowda vive, as estradas são de terra, as escolas com frequência não funcionam e não há hospitais de emergência, apesar do distrito ser um dos maiores do Estado. “Muita gente morre nas estradas tentando chegar a hospitais”, afirmou Gouda.

Gowda trabalhou 48 anos na creche do governo, aposentando-se oficialmente em 1998 — apesar de ter continuado a trabalhar na instituição durante mais 15 anos, como conselheira, e de ainda ajudar compartilhando seu imenso conhecimento sobre árvores locais.

Tulsi Gowind Gowda diz não saber o que significa mudança climática, mas entende que o espaço das árvores e dos animais foi invadido, com destruição em grande escala das florestas e seus ecossistemas Foto: Priyadarshini Ravichandran/The New York Time - 22/05/2022

Mesmo que ela diga que com frequência se sente cansada após longas conversas com visitantes, uma caminhada que atravessou campos de arroz, passou diante de um cartaz com uma foto dela em tamanho real e entrou em uma densa floresta repleta de acácias pareceu revigorá-la.

Durante o trajeto, ela parou com frequência para pronunciar nomes de árvores e plantas em sua língua nativa, Kannada: Garcinia indica (da família dos mangostins), Ficus benghaliens (ou figueira-de-bengala) e tamarindo, entre dezenas de outras que ela conseguiu identificar.

Nos meses recentes, o número de pessoas visitando sua casa para conhecê-la aumentou, afirmou ela. Com frequência lhe perguntam sobre as mudanças climáticas. Ela afirma não entender o que isso significa. Tudo que ela sabe, disse ela, é que o espaço das árvores e dos animais foi invadido, com destruição em grande escala das florestas e seus ecossistemas.

E ela notou que as monções na parte do planeta em que ela vive estão cada vez mais erráticas e perigosas, matando pessoas com alagamentos e deslizamentos de terra.

“A reversão vai levar muito tempo”, afirmou ela, referindo-se ao reflorestamento da terra devastada, mas ela também expressou algum otimismo em relação ao futuro. “Quando vejo essas florestas densas daqui, sinto que é possível para os humanos prosperar sem cortar árvores.”

Apesar do burburinho dos visitantes, nada parece ter mudado muito para Gowda pessoalmente desde que ela virou celebridade nacional, exceto que a legislatura local construiu uma ponte de madeira para ela poder atravessar um pequeno córrego. Mas Gowda afirmou que nunca a usa; em vez disso, prefere molhar os pés cruzando o riozinho.

Seu filho e seus netos trabalham em uma pequena parcela de terra de sua propriedade e também em outros campos. Eles dependem das florestas de seu entorno para obter lenha e medicamentos. Sua tribo é conhecida pelo conhecimento sobre plantas medicinais, que seus membros usam para se curar de doenças.

Gowda afirmou que anda frágil ultimamente e que pensa com frequência sobre a morte e sobre morrer. “A melhor morte seria sob os galhos enormes de uma árvore gigante”, afirmou ela. “Gosto delas mais do que tudo na minha vida.” / NYT, TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - Ela caminhou quilômetros em meio a florestas tropicais cortando cuidadosamente ramos saudáveis de milhares de árvores, para replantá-los ou enxertá-los. Seu olhar se ilumina quando ela fala de sementes ou mudas raras. E, depois de morrer, ela diz que gostaria de reencarnar como uma grande árvore.

Tulsi Gowind Gowda — que não sabe em que ano nasceu mas acredita ter mais de 80 anos — devotou sua vida inteira a transformar vastas parcelas de terra inóspita em seu Estado-natal, Karnataka, no sul da Índia, em florestas densas.

Ao longo dos anos, ela recebeu cerca de uma dúzia de prêmios por ser pioneira no campo da conservação ambiental. O mais prestigioso, porém, veio no ano passado, quando o governo reconheceu seus esforços e vasto conhecimento de ecossistemas florestais com o Prêmio Padma Shri, uma das mais elevadas distinções civis da Índia.

Tulsi Gowind Gowda, que dedicou sua vida a transformar vastas áreas de terra estéril em florestas densas, trabalha em uma creche do governo em Karnataka, seu estado-natal no sul da Índia  Foto: Priyadarshini Ravichandran/The New York Times - 22/05/2022

Numa manhã recente, Gowda sentou-se em uma cadeira de plástico, recepcionando visitantes em sua residência de três cômodos em Honnali, um vilarejo de aproximadamente 150 casas na beira de uma floresta. Ela usava um sari que deixa as costas nuas, desenhado para facilitar o trabalho físico, e seis cordões em torno do pescoço, feitos de contas de pedras e fibras naturais. Atrás dela, um painel exibia quadros e esculturas plásticas de deidades hindus e fotos das cerimônias de premiação.

Ser laureada com o Prêmio Padma Shri, a quarta mais elevada honraria civil na Índia, trouxe a Gowda um nível de proeminência com o qual ela não estava acostumada, com ampla atenção pública e cobertura da imprensa indiana. Quando os moradores de seu vilarejo se encontram com ela atualmente, eles se curvam, e crianças se aproximam para tirar selfies com ela. Ônibus repletos de estudantes chegam à sua casa, onde ela vive com dez parentes, incluindo bisnetos.

“Quando os vejo, sinto-me feliz”, afirmou ela, em entrevista, referindo-se aos estudantes. “Eles precisam que alguém lhes ensine como é importante plantar árvores”, afirmou ela.

Desmatamento impulsionado pelos colonizadores

Quando a Índia estava sob controle do Reino Unido, os colonizadores lideraram um gigantesco impulso de desmatamento nas montanhas para obter madeira para fabricar navios e dormentes de ferrovias, aniquilando grande parte da floresta que cobria o distrito de Uttara Kannada, onde Gowda vive.

Após a independência da Índia, em 1947, os líderes do país continuaram a explorar áreas florestais para industrialização em larga escala e urbanização. Entre 1951 e 1980, cerca de 4,2 milhões de hectares de território foram destinados para projetos de desenvolvimento, de acordo com informações do governo.

Mesmo criança, Gowda, que nunca aprendeu a ler, trabalhou para reverter a derrubada de florestas locais replantando árvores. Durante caminhadas por florestas que duravam dias inteiros, para coletar lenha para sua família, sua mãe lhe ensinou como a regeneração é melhor se for feita com sementes de árvores grandes e saudáveis. Durante a adolescência, Gowda transformou a paisagem devastada atrás da casa de sua família em floresta densa, afirmam habitantes da região e as autoridades indianas.

“Desde a infância ela conversava com as árvores da mesma maneira que uma mãe conversa com filhos pequenos”, afirmou Rukmani, moradora da região que usa apenas um nome e trabalhou décadas com Gowda.

Em 1983, as políticas de conservação ambiental do governo mudaram. Naquele ano, uma graduada autoridade florestal indiana, Adugodi Nanjappa Yellappa Reddy, chegou a uma creche pública de Karnataka com uma tarefa gigantesca: reflorestar grandes porções de território na região.

Em seu primeiro dia de trabalho, sob um sol escaldante, ele conheceu Gowda, que trabalhava na creche. Ela separava pequenas pedras do solo e plantava meticulosamente sementes e mudas.

“Havia algo de magia em suas mãos”, afirmou Reddy, de 86 anos, atualmente aposentado. “O conhecimento dela para identificar espécies nativas, coletar sementes e mudas cuidadosamente e cuidar das árvores não se encontra em nenhum livro.”

Gowda transformou-se em sua valorosa conselheira, afirmou Reddy. E trabalhar com ele trouxe a ela uma nova atenção localmente, com alguns moradores chegando a chamá-la de “deusa das árvores”.

Pés descalços

Gowda foi descalça receber sua medalha do Prêmio Padma Shri em Rashtrapati Bhavan, a residência presidencial da Índia, em Nova Délhi. Ao longo de toda sua vida, afirmou Gowda em entrevista, ela nunca usou sapatos, o que é comum em sua comunidade tribal.

Os cerca de 700 grupos tribais da Índia têm uma população de 104 milhões, de acordo com o censo mais recente, de 2011. Entre esses grupos, mais de 600 comunidades são registradas como tribos, o que significa que recebem certos benefícios do governo, incluindo cotas em instituições de ensino e empregos no governo.

Mas a tribo de Gowda — Halakki-Vokkaligas, com cerca de 180 mil integrantes — jamais obteve o status oficial. Membros de sua tribo, que vive há séculos em regiões ocupadas por vastas florestas tropicais nas montanha, têm advogado por esse reconhecimento desde 2006.

O índice de pobreza entre os Halakki-Vokkaligas é de aproximadamente 95%, com apenas 15% completando qualquer nível de educação, afirmou Shridhar Gouda, professor da Universidade de Karnataka que estudou a comunidade por décadas.

O Estado é minimamente desenvolvido. No distrito em que Gowda vive, as estradas são de terra, as escolas com frequência não funcionam e não há hospitais de emergência, apesar do distrito ser um dos maiores do Estado. “Muita gente morre nas estradas tentando chegar a hospitais”, afirmou Gouda.

Gowda trabalhou 48 anos na creche do governo, aposentando-se oficialmente em 1998 — apesar de ter continuado a trabalhar na instituição durante mais 15 anos, como conselheira, e de ainda ajudar compartilhando seu imenso conhecimento sobre árvores locais.

Tulsi Gowind Gowda diz não saber o que significa mudança climática, mas entende que o espaço das árvores e dos animais foi invadido, com destruição em grande escala das florestas e seus ecossistemas Foto: Priyadarshini Ravichandran/The New York Time - 22/05/2022

Mesmo que ela diga que com frequência se sente cansada após longas conversas com visitantes, uma caminhada que atravessou campos de arroz, passou diante de um cartaz com uma foto dela em tamanho real e entrou em uma densa floresta repleta de acácias pareceu revigorá-la.

Durante o trajeto, ela parou com frequência para pronunciar nomes de árvores e plantas em sua língua nativa, Kannada: Garcinia indica (da família dos mangostins), Ficus benghaliens (ou figueira-de-bengala) e tamarindo, entre dezenas de outras que ela conseguiu identificar.

Nos meses recentes, o número de pessoas visitando sua casa para conhecê-la aumentou, afirmou ela. Com frequência lhe perguntam sobre as mudanças climáticas. Ela afirma não entender o que isso significa. Tudo que ela sabe, disse ela, é que o espaço das árvores e dos animais foi invadido, com destruição em grande escala das florestas e seus ecossistemas.

E ela notou que as monções na parte do planeta em que ela vive estão cada vez mais erráticas e perigosas, matando pessoas com alagamentos e deslizamentos de terra.

“A reversão vai levar muito tempo”, afirmou ela, referindo-se ao reflorestamento da terra devastada, mas ela também expressou algum otimismo em relação ao futuro. “Quando vejo essas florestas densas daqui, sinto que é possível para os humanos prosperar sem cortar árvores.”

Apesar do burburinho dos visitantes, nada parece ter mudado muito para Gowda pessoalmente desde que ela virou celebridade nacional, exceto que a legislatura local construiu uma ponte de madeira para ela poder atravessar um pequeno córrego. Mas Gowda afirmou que nunca a usa; em vez disso, prefere molhar os pés cruzando o riozinho.

Seu filho e seus netos trabalham em uma pequena parcela de terra de sua propriedade e também em outros campos. Eles dependem das florestas de seu entorno para obter lenha e medicamentos. Sua tribo é conhecida pelo conhecimento sobre plantas medicinais, que seus membros usam para se curar de doenças.

Gowda afirmou que anda frágil ultimamente e que pensa com frequência sobre a morte e sobre morrer. “A melhor morte seria sob os galhos enormes de uma árvore gigante”, afirmou ela. “Gosto delas mais do que tudo na minha vida.” / NYT, TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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