É prêmio Nobel de Literatura. Escreve quinzenalmente.

Opinião|Letras Livres


‘Letras Libres’, com a capa ‘Ucrânia heroica’, mostra um pouco da literatura desse país mártir

Por Mario Vargas Llosa

Quando vivia em Londres, lia muitas revistas, que costumavam ser excelentes na Inglaterra. Até perceber que ler todas as seções da Economist, por exemplo, me tomava quase uma semana e me impedia de ler os livros – os romances, os poemas, os ensaios – nos quais estão as verdadeiras ideias. Agora, leio apenas uma revista semanal e outra mensal, The Times Literary Suplement, para saber o que anda sendo escrito pelo mundo, e, em espanhol, Letras Libres, publicada no México e na Espanha (com variações de 30 a 40% em ambas as publicações). Estas últimas, na minha opinião, são as melhores revistas escritas em espanhol e aconselho os bons leitores a não deixarem de lê-las. Lembro de quando o historiador e ensaísta mexicano Enrique Krauze, que trabalhou no México com Octavio Paz na revista Vuelta, criou a Letras Libres. Acabara de chegar a Madri com sua enorme maleta e projetos, e visitava muitos empresários para tentar vender a eles suas ideias, mas o retorno eram muitas decepções. Porém, ele não se deixava abater por esses tropeços, sobretudo porque dizia ser imprescindível que a Espanha e a América Latina tivessem uma mesma revista para expressar seus problemas, suas conquistas literárias e críticas políticas. No fim ele acabou conseguindo e Letras Libres é, na minha opinião, a única revista para a qual colaboram tanto escritores espanhóis quanto latino-americanos e na qual nós leitores descobrimos que os problemas que afligem nossos países não são tão diferentes, apesar dos oceanos que nos separam, porque temos um idioma em comum, uma maravilha pela qual deveríamos agradecer aos céus (ou ao acaso e à história) todos os dias.

Enrique Krauze, ensaísta mexicano criador da revista 'Letras Libres' Foto: Miguel Dimayuga

Escrevo estas linhas porque acabo de receber minha edição da Letras Libres, com uma grande capa em quatro cores (branco, preto, amarelo e cinza) na qual se lê: “Ucrânia heroica”. Li a revista com verdadeira devoção. Não é um simples título. A revista que, na prática, é dirigida por Daniel Gascón, na Espanha, e Christopher Domínguez Michael, no México, conseguiu colaborações e traduções que apresentam um compêndio da literatura ucraniana contemporânea e vislumbres de seu passado, de uma maneira magnífica e que permite aos leitores conhecer de perto um pouco da literatura desse país mártir, submetido atualmente ao ataque russo de Vladimir Putin, condenado pela revista, é claro. Embora tenha uma certa inclinação liberal, suas páginas estão sempre abertas à direita e à esquerda, dependendo da originalidade e da riqueza do conteúdo escrito por seus colaboradores, independentemente de quais sejam seus pontos de vista ideológicos. Como deve ser uma publicação livre, está aberta a todas as perspectivas, desde que sejam originais e bem escritas. Não exagero se digo que ler esta edição da Letras Libres me ensinou mais a respeito da literatura ucraniana que os três ou quatro dias que passei em Kiev há alguns anos, visitando políticos e descobrindo, na própria Praça Maidan, graças ao gentil embaixador espanhol, como os ucranianos derrubaram o político ucraniano pró-Rússia Viktor Yanukovich e conhecendo a casa-museu do grande escritor em língua russa que foi Mikhail Bulgakov – ali, naquele país de mil idiomas, nasceram dois escritores, Josef Conrad, que escrevia em inglês, e Joseph Roth, que escrevia em alemão –, autor do romance quase póstumo O Mestre e a Margarida, que eu pensava ser russo e só ali descobri que ele fora vítima da severidade do stalinismo e, além disso, era ucraniano. Esse museu, diga-se de passagem, abriu meu apetite e desde então li vários livros (traduzidos) de Bulgakov.

continua após a publicidade
Adaptação teatral de 'O Mestre e Margarida' dirigida pelobritânico Simon McBurney em 2012 

A literatura e a política têm relacionamentos difíceis, mas ambas não podem estar separadas demais, porque, na realidade, estão muito próximas uma da outra, embora seja importante que ambas mantenham certa independência, pois não atuam no mesmo campo, apesar das relações contínuas e estreitas que costumam existir entre elas e que ninguém ainda foi capaz de definir. Sartre chegou muito perto de descrever essa difícil relação – é uma de suas façanhas intelectuais –, mas, no fim, a política em sua obra e vida derrotou a literatura e ele acabou fazendo propaganda em prol de um jornal maoista, La Cause du Peuple, para os operários nas portas das fábricas da Renault. A literatura é a fantasia e a política é a verdade que encontramos em nossos caminhos todos os dias. A fantasia é Dostoievski e a política, Putin; um abismo gigantesco os separa e, entretanto, não estão tão distantes um do outro. Os horrores que Dostoievski imaginou em seus romances são realizados no mundo real de hoje por Vladimir Putin e ele é condenado por isso por uma imensa maioria de países. Dostoievski, por outro lado, goza de admiração universal. Um mencionou o outro quando ele ainda não existia. E, da mesma maneira, aconteceu com Bulgakov, quando concebeu o diabo passeando de novo pelas ruas de Moscou: ele cheirava a enxofre e a Putin também. Para entender este e toda a sua tortuosa humanidade, é preciso ler Bulgakov. Mas me distancio do assunto e volto ao que queria dizer. Diante de um acontecimento como o que ocorre atualmente na Ucrânia, não há nada melhor do que conhecer um pouco de sua literatura, na qual tudo isso já está insinuado e condenado, e às vezes até glorificado, e Letras Libres fez o que devia com essa excelente seleção da literatura do país. Aliás, nela descobrimos, entre outras coisas, que os poetas ucranianos leem o peruano César Vallejo e que existe um mexicano universal, Aurelio Asiain, capaz de verter do ucraniano e do japonês para o espanhol e que é poeta, ensaísta e, claro, tradutor.

O escritor russo Mikhail Bulgákov Foto: Editora 34
continua após a publicidade

A relação da Letras Libres com a política é a que uma revista literária deveria ter sempre: aceitar todas as colaborações com um mínimo de qualidade literária e defender suas próprias convicções com firmeza e sem vergonha. “Suas próprias convicções” já diz muito. Em suas páginas convivem todos os representantes intelectuais da esquerda e também da direita, mas, pelo menos, o leitor sabe sempre o que esperar em relação ao que defende a revista: a liberdade, antes de tudo, e, em seguida, a democracia, ou seja, o repúdio à violência e à prepotência que constituem, cada vez mais, a atividade política atual. Isso era o que eu encontrava em Lima, na minha juventude, nas revistas francesas. Com os escassos sóis que ganhava enquanto estava na universidade, escrevendo artigos para Turismo e, às vezes, para La Crónica, assinei duas revistas francesas Les Temps Modernes, dirigida por Sartre, e Les Lettres Nouvelles, dirigida por Maurice Nadeau, que era mais exclusivamente literária. Eu as lia de cabo a rabo, apaixonado por aquele país que me parecia o cúmulo do refinamento e da cultura, embora, depois, quando vivi ali, tenha descoberto que tais características não eram tão evidentes. E que eu, por exemplo, não seria jamais um bom escritor francês, e que seria apenas – como foi magnífico descobrir isso – um escritor mais latino-americano que peruano. Ninguém pôde, entre as revistas que tenho ao meu alcance, resumir como o fez a Letras Libres apresentando este pequeno panorama literário da Ucrânia. É preciso lê-lo para saber como, além dos horrores que os jornais nos informam, há seres vivos, assim como nós por enquanto, que da noite para o dia são assassinados, estuprados e expulsos de seu próprio país devido à loucura imperialista de um governante, como os que temos – até mesmo para dar de presente a quem queira desfrutar deles – na América Latina.

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA 

MARIO VARGAS LLOSA É PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA  © DIREITOS DE PUBLICAÇÃO EM TODAS  AS LÍNGUAS RESERVADAS PARA EDICIONES EL PAÍS S.L. 2022

Quando vivia em Londres, lia muitas revistas, que costumavam ser excelentes na Inglaterra. Até perceber que ler todas as seções da Economist, por exemplo, me tomava quase uma semana e me impedia de ler os livros – os romances, os poemas, os ensaios – nos quais estão as verdadeiras ideias. Agora, leio apenas uma revista semanal e outra mensal, The Times Literary Suplement, para saber o que anda sendo escrito pelo mundo, e, em espanhol, Letras Libres, publicada no México e na Espanha (com variações de 30 a 40% em ambas as publicações). Estas últimas, na minha opinião, são as melhores revistas escritas em espanhol e aconselho os bons leitores a não deixarem de lê-las. Lembro de quando o historiador e ensaísta mexicano Enrique Krauze, que trabalhou no México com Octavio Paz na revista Vuelta, criou a Letras Libres. Acabara de chegar a Madri com sua enorme maleta e projetos, e visitava muitos empresários para tentar vender a eles suas ideias, mas o retorno eram muitas decepções. Porém, ele não se deixava abater por esses tropeços, sobretudo porque dizia ser imprescindível que a Espanha e a América Latina tivessem uma mesma revista para expressar seus problemas, suas conquistas literárias e críticas políticas. No fim ele acabou conseguindo e Letras Libres é, na minha opinião, a única revista para a qual colaboram tanto escritores espanhóis quanto latino-americanos e na qual nós leitores descobrimos que os problemas que afligem nossos países não são tão diferentes, apesar dos oceanos que nos separam, porque temos um idioma em comum, uma maravilha pela qual deveríamos agradecer aos céus (ou ao acaso e à história) todos os dias.

Enrique Krauze, ensaísta mexicano criador da revista 'Letras Libres' Foto: Miguel Dimayuga

Escrevo estas linhas porque acabo de receber minha edição da Letras Libres, com uma grande capa em quatro cores (branco, preto, amarelo e cinza) na qual se lê: “Ucrânia heroica”. Li a revista com verdadeira devoção. Não é um simples título. A revista que, na prática, é dirigida por Daniel Gascón, na Espanha, e Christopher Domínguez Michael, no México, conseguiu colaborações e traduções que apresentam um compêndio da literatura ucraniana contemporânea e vislumbres de seu passado, de uma maneira magnífica e que permite aos leitores conhecer de perto um pouco da literatura desse país mártir, submetido atualmente ao ataque russo de Vladimir Putin, condenado pela revista, é claro. Embora tenha uma certa inclinação liberal, suas páginas estão sempre abertas à direita e à esquerda, dependendo da originalidade e da riqueza do conteúdo escrito por seus colaboradores, independentemente de quais sejam seus pontos de vista ideológicos. Como deve ser uma publicação livre, está aberta a todas as perspectivas, desde que sejam originais e bem escritas. Não exagero se digo que ler esta edição da Letras Libres me ensinou mais a respeito da literatura ucraniana que os três ou quatro dias que passei em Kiev há alguns anos, visitando políticos e descobrindo, na própria Praça Maidan, graças ao gentil embaixador espanhol, como os ucranianos derrubaram o político ucraniano pró-Rússia Viktor Yanukovich e conhecendo a casa-museu do grande escritor em língua russa que foi Mikhail Bulgakov – ali, naquele país de mil idiomas, nasceram dois escritores, Josef Conrad, que escrevia em inglês, e Joseph Roth, que escrevia em alemão –, autor do romance quase póstumo O Mestre e a Margarida, que eu pensava ser russo e só ali descobri que ele fora vítima da severidade do stalinismo e, além disso, era ucraniano. Esse museu, diga-se de passagem, abriu meu apetite e desde então li vários livros (traduzidos) de Bulgakov.

Adaptação teatral de 'O Mestre e Margarida' dirigida pelobritânico Simon McBurney em 2012 

A literatura e a política têm relacionamentos difíceis, mas ambas não podem estar separadas demais, porque, na realidade, estão muito próximas uma da outra, embora seja importante que ambas mantenham certa independência, pois não atuam no mesmo campo, apesar das relações contínuas e estreitas que costumam existir entre elas e que ninguém ainda foi capaz de definir. Sartre chegou muito perto de descrever essa difícil relação – é uma de suas façanhas intelectuais –, mas, no fim, a política em sua obra e vida derrotou a literatura e ele acabou fazendo propaganda em prol de um jornal maoista, La Cause du Peuple, para os operários nas portas das fábricas da Renault. A literatura é a fantasia e a política é a verdade que encontramos em nossos caminhos todos os dias. A fantasia é Dostoievski e a política, Putin; um abismo gigantesco os separa e, entretanto, não estão tão distantes um do outro. Os horrores que Dostoievski imaginou em seus romances são realizados no mundo real de hoje por Vladimir Putin e ele é condenado por isso por uma imensa maioria de países. Dostoievski, por outro lado, goza de admiração universal. Um mencionou o outro quando ele ainda não existia. E, da mesma maneira, aconteceu com Bulgakov, quando concebeu o diabo passeando de novo pelas ruas de Moscou: ele cheirava a enxofre e a Putin também. Para entender este e toda a sua tortuosa humanidade, é preciso ler Bulgakov. Mas me distancio do assunto e volto ao que queria dizer. Diante de um acontecimento como o que ocorre atualmente na Ucrânia, não há nada melhor do que conhecer um pouco de sua literatura, na qual tudo isso já está insinuado e condenado, e às vezes até glorificado, e Letras Libres fez o que devia com essa excelente seleção da literatura do país. Aliás, nela descobrimos, entre outras coisas, que os poetas ucranianos leem o peruano César Vallejo e que existe um mexicano universal, Aurelio Asiain, capaz de verter do ucraniano e do japonês para o espanhol e que é poeta, ensaísta e, claro, tradutor.

O escritor russo Mikhail Bulgákov Foto: Editora 34

A relação da Letras Libres com a política é a que uma revista literária deveria ter sempre: aceitar todas as colaborações com um mínimo de qualidade literária e defender suas próprias convicções com firmeza e sem vergonha. “Suas próprias convicções” já diz muito. Em suas páginas convivem todos os representantes intelectuais da esquerda e também da direita, mas, pelo menos, o leitor sabe sempre o que esperar em relação ao que defende a revista: a liberdade, antes de tudo, e, em seguida, a democracia, ou seja, o repúdio à violência e à prepotência que constituem, cada vez mais, a atividade política atual. Isso era o que eu encontrava em Lima, na minha juventude, nas revistas francesas. Com os escassos sóis que ganhava enquanto estava na universidade, escrevendo artigos para Turismo e, às vezes, para La Crónica, assinei duas revistas francesas Les Temps Modernes, dirigida por Sartre, e Les Lettres Nouvelles, dirigida por Maurice Nadeau, que era mais exclusivamente literária. Eu as lia de cabo a rabo, apaixonado por aquele país que me parecia o cúmulo do refinamento e da cultura, embora, depois, quando vivi ali, tenha descoberto que tais características não eram tão evidentes. E que eu, por exemplo, não seria jamais um bom escritor francês, e que seria apenas – como foi magnífico descobrir isso – um escritor mais latino-americano que peruano. Ninguém pôde, entre as revistas que tenho ao meu alcance, resumir como o fez a Letras Libres apresentando este pequeno panorama literário da Ucrânia. É preciso lê-lo para saber como, além dos horrores que os jornais nos informam, há seres vivos, assim como nós por enquanto, que da noite para o dia são assassinados, estuprados e expulsos de seu próprio país devido à loucura imperialista de um governante, como os que temos – até mesmo para dar de presente a quem queira desfrutar deles – na América Latina.

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA 

MARIO VARGAS LLOSA É PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA  © DIREITOS DE PUBLICAÇÃO EM TODAS  AS LÍNGUAS RESERVADAS PARA EDICIONES EL PAÍS S.L. 2022

Quando vivia em Londres, lia muitas revistas, que costumavam ser excelentes na Inglaterra. Até perceber que ler todas as seções da Economist, por exemplo, me tomava quase uma semana e me impedia de ler os livros – os romances, os poemas, os ensaios – nos quais estão as verdadeiras ideias. Agora, leio apenas uma revista semanal e outra mensal, The Times Literary Suplement, para saber o que anda sendo escrito pelo mundo, e, em espanhol, Letras Libres, publicada no México e na Espanha (com variações de 30 a 40% em ambas as publicações). Estas últimas, na minha opinião, são as melhores revistas escritas em espanhol e aconselho os bons leitores a não deixarem de lê-las. Lembro de quando o historiador e ensaísta mexicano Enrique Krauze, que trabalhou no México com Octavio Paz na revista Vuelta, criou a Letras Libres. Acabara de chegar a Madri com sua enorme maleta e projetos, e visitava muitos empresários para tentar vender a eles suas ideias, mas o retorno eram muitas decepções. Porém, ele não se deixava abater por esses tropeços, sobretudo porque dizia ser imprescindível que a Espanha e a América Latina tivessem uma mesma revista para expressar seus problemas, suas conquistas literárias e críticas políticas. No fim ele acabou conseguindo e Letras Libres é, na minha opinião, a única revista para a qual colaboram tanto escritores espanhóis quanto latino-americanos e na qual nós leitores descobrimos que os problemas que afligem nossos países não são tão diferentes, apesar dos oceanos que nos separam, porque temos um idioma em comum, uma maravilha pela qual deveríamos agradecer aos céus (ou ao acaso e à história) todos os dias.

Enrique Krauze, ensaísta mexicano criador da revista 'Letras Libres' Foto: Miguel Dimayuga

Escrevo estas linhas porque acabo de receber minha edição da Letras Libres, com uma grande capa em quatro cores (branco, preto, amarelo e cinza) na qual se lê: “Ucrânia heroica”. Li a revista com verdadeira devoção. Não é um simples título. A revista que, na prática, é dirigida por Daniel Gascón, na Espanha, e Christopher Domínguez Michael, no México, conseguiu colaborações e traduções que apresentam um compêndio da literatura ucraniana contemporânea e vislumbres de seu passado, de uma maneira magnífica e que permite aos leitores conhecer de perto um pouco da literatura desse país mártir, submetido atualmente ao ataque russo de Vladimir Putin, condenado pela revista, é claro. Embora tenha uma certa inclinação liberal, suas páginas estão sempre abertas à direita e à esquerda, dependendo da originalidade e da riqueza do conteúdo escrito por seus colaboradores, independentemente de quais sejam seus pontos de vista ideológicos. Como deve ser uma publicação livre, está aberta a todas as perspectivas, desde que sejam originais e bem escritas. Não exagero se digo que ler esta edição da Letras Libres me ensinou mais a respeito da literatura ucraniana que os três ou quatro dias que passei em Kiev há alguns anos, visitando políticos e descobrindo, na própria Praça Maidan, graças ao gentil embaixador espanhol, como os ucranianos derrubaram o político ucraniano pró-Rússia Viktor Yanukovich e conhecendo a casa-museu do grande escritor em língua russa que foi Mikhail Bulgakov – ali, naquele país de mil idiomas, nasceram dois escritores, Josef Conrad, que escrevia em inglês, e Joseph Roth, que escrevia em alemão –, autor do romance quase póstumo O Mestre e a Margarida, que eu pensava ser russo e só ali descobri que ele fora vítima da severidade do stalinismo e, além disso, era ucraniano. Esse museu, diga-se de passagem, abriu meu apetite e desde então li vários livros (traduzidos) de Bulgakov.

Adaptação teatral de 'O Mestre e Margarida' dirigida pelobritânico Simon McBurney em 2012 

A literatura e a política têm relacionamentos difíceis, mas ambas não podem estar separadas demais, porque, na realidade, estão muito próximas uma da outra, embora seja importante que ambas mantenham certa independência, pois não atuam no mesmo campo, apesar das relações contínuas e estreitas que costumam existir entre elas e que ninguém ainda foi capaz de definir. Sartre chegou muito perto de descrever essa difícil relação – é uma de suas façanhas intelectuais –, mas, no fim, a política em sua obra e vida derrotou a literatura e ele acabou fazendo propaganda em prol de um jornal maoista, La Cause du Peuple, para os operários nas portas das fábricas da Renault. A literatura é a fantasia e a política é a verdade que encontramos em nossos caminhos todos os dias. A fantasia é Dostoievski e a política, Putin; um abismo gigantesco os separa e, entretanto, não estão tão distantes um do outro. Os horrores que Dostoievski imaginou em seus romances são realizados no mundo real de hoje por Vladimir Putin e ele é condenado por isso por uma imensa maioria de países. Dostoievski, por outro lado, goza de admiração universal. Um mencionou o outro quando ele ainda não existia. E, da mesma maneira, aconteceu com Bulgakov, quando concebeu o diabo passeando de novo pelas ruas de Moscou: ele cheirava a enxofre e a Putin também. Para entender este e toda a sua tortuosa humanidade, é preciso ler Bulgakov. Mas me distancio do assunto e volto ao que queria dizer. Diante de um acontecimento como o que ocorre atualmente na Ucrânia, não há nada melhor do que conhecer um pouco de sua literatura, na qual tudo isso já está insinuado e condenado, e às vezes até glorificado, e Letras Libres fez o que devia com essa excelente seleção da literatura do país. Aliás, nela descobrimos, entre outras coisas, que os poetas ucranianos leem o peruano César Vallejo e que existe um mexicano universal, Aurelio Asiain, capaz de verter do ucraniano e do japonês para o espanhol e que é poeta, ensaísta e, claro, tradutor.

O escritor russo Mikhail Bulgákov Foto: Editora 34

A relação da Letras Libres com a política é a que uma revista literária deveria ter sempre: aceitar todas as colaborações com um mínimo de qualidade literária e defender suas próprias convicções com firmeza e sem vergonha. “Suas próprias convicções” já diz muito. Em suas páginas convivem todos os representantes intelectuais da esquerda e também da direita, mas, pelo menos, o leitor sabe sempre o que esperar em relação ao que defende a revista: a liberdade, antes de tudo, e, em seguida, a democracia, ou seja, o repúdio à violência e à prepotência que constituem, cada vez mais, a atividade política atual. Isso era o que eu encontrava em Lima, na minha juventude, nas revistas francesas. Com os escassos sóis que ganhava enquanto estava na universidade, escrevendo artigos para Turismo e, às vezes, para La Crónica, assinei duas revistas francesas Les Temps Modernes, dirigida por Sartre, e Les Lettres Nouvelles, dirigida por Maurice Nadeau, que era mais exclusivamente literária. Eu as lia de cabo a rabo, apaixonado por aquele país que me parecia o cúmulo do refinamento e da cultura, embora, depois, quando vivi ali, tenha descoberto que tais características não eram tão evidentes. E que eu, por exemplo, não seria jamais um bom escritor francês, e que seria apenas – como foi magnífico descobrir isso – um escritor mais latino-americano que peruano. Ninguém pôde, entre as revistas que tenho ao meu alcance, resumir como o fez a Letras Libres apresentando este pequeno panorama literário da Ucrânia. É preciso lê-lo para saber como, além dos horrores que os jornais nos informam, há seres vivos, assim como nós por enquanto, que da noite para o dia são assassinados, estuprados e expulsos de seu próprio país devido à loucura imperialista de um governante, como os que temos – até mesmo para dar de presente a quem queira desfrutar deles – na América Latina.

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA 

MARIO VARGAS LLOSA É PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA  © DIREITOS DE PUBLICAÇÃO EM TODAS  AS LÍNGUAS RESERVADAS PARA EDICIONES EL PAÍS S.L. 2022

Quando vivia em Londres, lia muitas revistas, que costumavam ser excelentes na Inglaterra. Até perceber que ler todas as seções da Economist, por exemplo, me tomava quase uma semana e me impedia de ler os livros – os romances, os poemas, os ensaios – nos quais estão as verdadeiras ideias. Agora, leio apenas uma revista semanal e outra mensal, The Times Literary Suplement, para saber o que anda sendo escrito pelo mundo, e, em espanhol, Letras Libres, publicada no México e na Espanha (com variações de 30 a 40% em ambas as publicações). Estas últimas, na minha opinião, são as melhores revistas escritas em espanhol e aconselho os bons leitores a não deixarem de lê-las. Lembro de quando o historiador e ensaísta mexicano Enrique Krauze, que trabalhou no México com Octavio Paz na revista Vuelta, criou a Letras Libres. Acabara de chegar a Madri com sua enorme maleta e projetos, e visitava muitos empresários para tentar vender a eles suas ideias, mas o retorno eram muitas decepções. Porém, ele não se deixava abater por esses tropeços, sobretudo porque dizia ser imprescindível que a Espanha e a América Latina tivessem uma mesma revista para expressar seus problemas, suas conquistas literárias e críticas políticas. No fim ele acabou conseguindo e Letras Libres é, na minha opinião, a única revista para a qual colaboram tanto escritores espanhóis quanto latino-americanos e na qual nós leitores descobrimos que os problemas que afligem nossos países não são tão diferentes, apesar dos oceanos que nos separam, porque temos um idioma em comum, uma maravilha pela qual deveríamos agradecer aos céus (ou ao acaso e à história) todos os dias.

Enrique Krauze, ensaísta mexicano criador da revista 'Letras Libres' Foto: Miguel Dimayuga

Escrevo estas linhas porque acabo de receber minha edição da Letras Libres, com uma grande capa em quatro cores (branco, preto, amarelo e cinza) na qual se lê: “Ucrânia heroica”. Li a revista com verdadeira devoção. Não é um simples título. A revista que, na prática, é dirigida por Daniel Gascón, na Espanha, e Christopher Domínguez Michael, no México, conseguiu colaborações e traduções que apresentam um compêndio da literatura ucraniana contemporânea e vislumbres de seu passado, de uma maneira magnífica e que permite aos leitores conhecer de perto um pouco da literatura desse país mártir, submetido atualmente ao ataque russo de Vladimir Putin, condenado pela revista, é claro. Embora tenha uma certa inclinação liberal, suas páginas estão sempre abertas à direita e à esquerda, dependendo da originalidade e da riqueza do conteúdo escrito por seus colaboradores, independentemente de quais sejam seus pontos de vista ideológicos. Como deve ser uma publicação livre, está aberta a todas as perspectivas, desde que sejam originais e bem escritas. Não exagero se digo que ler esta edição da Letras Libres me ensinou mais a respeito da literatura ucraniana que os três ou quatro dias que passei em Kiev há alguns anos, visitando políticos e descobrindo, na própria Praça Maidan, graças ao gentil embaixador espanhol, como os ucranianos derrubaram o político ucraniano pró-Rússia Viktor Yanukovich e conhecendo a casa-museu do grande escritor em língua russa que foi Mikhail Bulgakov – ali, naquele país de mil idiomas, nasceram dois escritores, Josef Conrad, que escrevia em inglês, e Joseph Roth, que escrevia em alemão –, autor do romance quase póstumo O Mestre e a Margarida, que eu pensava ser russo e só ali descobri que ele fora vítima da severidade do stalinismo e, além disso, era ucraniano. Esse museu, diga-se de passagem, abriu meu apetite e desde então li vários livros (traduzidos) de Bulgakov.

Adaptação teatral de 'O Mestre e Margarida' dirigida pelobritânico Simon McBurney em 2012 

A literatura e a política têm relacionamentos difíceis, mas ambas não podem estar separadas demais, porque, na realidade, estão muito próximas uma da outra, embora seja importante que ambas mantenham certa independência, pois não atuam no mesmo campo, apesar das relações contínuas e estreitas que costumam existir entre elas e que ninguém ainda foi capaz de definir. Sartre chegou muito perto de descrever essa difícil relação – é uma de suas façanhas intelectuais –, mas, no fim, a política em sua obra e vida derrotou a literatura e ele acabou fazendo propaganda em prol de um jornal maoista, La Cause du Peuple, para os operários nas portas das fábricas da Renault. A literatura é a fantasia e a política é a verdade que encontramos em nossos caminhos todos os dias. A fantasia é Dostoievski e a política, Putin; um abismo gigantesco os separa e, entretanto, não estão tão distantes um do outro. Os horrores que Dostoievski imaginou em seus romances são realizados no mundo real de hoje por Vladimir Putin e ele é condenado por isso por uma imensa maioria de países. Dostoievski, por outro lado, goza de admiração universal. Um mencionou o outro quando ele ainda não existia. E, da mesma maneira, aconteceu com Bulgakov, quando concebeu o diabo passeando de novo pelas ruas de Moscou: ele cheirava a enxofre e a Putin também. Para entender este e toda a sua tortuosa humanidade, é preciso ler Bulgakov. Mas me distancio do assunto e volto ao que queria dizer. Diante de um acontecimento como o que ocorre atualmente na Ucrânia, não há nada melhor do que conhecer um pouco de sua literatura, na qual tudo isso já está insinuado e condenado, e às vezes até glorificado, e Letras Libres fez o que devia com essa excelente seleção da literatura do país. Aliás, nela descobrimos, entre outras coisas, que os poetas ucranianos leem o peruano César Vallejo e que existe um mexicano universal, Aurelio Asiain, capaz de verter do ucraniano e do japonês para o espanhol e que é poeta, ensaísta e, claro, tradutor.

O escritor russo Mikhail Bulgákov Foto: Editora 34

A relação da Letras Libres com a política é a que uma revista literária deveria ter sempre: aceitar todas as colaborações com um mínimo de qualidade literária e defender suas próprias convicções com firmeza e sem vergonha. “Suas próprias convicções” já diz muito. Em suas páginas convivem todos os representantes intelectuais da esquerda e também da direita, mas, pelo menos, o leitor sabe sempre o que esperar em relação ao que defende a revista: a liberdade, antes de tudo, e, em seguida, a democracia, ou seja, o repúdio à violência e à prepotência que constituem, cada vez mais, a atividade política atual. Isso era o que eu encontrava em Lima, na minha juventude, nas revistas francesas. Com os escassos sóis que ganhava enquanto estava na universidade, escrevendo artigos para Turismo e, às vezes, para La Crónica, assinei duas revistas francesas Les Temps Modernes, dirigida por Sartre, e Les Lettres Nouvelles, dirigida por Maurice Nadeau, que era mais exclusivamente literária. Eu as lia de cabo a rabo, apaixonado por aquele país que me parecia o cúmulo do refinamento e da cultura, embora, depois, quando vivi ali, tenha descoberto que tais características não eram tão evidentes. E que eu, por exemplo, não seria jamais um bom escritor francês, e que seria apenas – como foi magnífico descobrir isso – um escritor mais latino-americano que peruano. Ninguém pôde, entre as revistas que tenho ao meu alcance, resumir como o fez a Letras Libres apresentando este pequeno panorama literário da Ucrânia. É preciso lê-lo para saber como, além dos horrores que os jornais nos informam, há seres vivos, assim como nós por enquanto, que da noite para o dia são assassinados, estuprados e expulsos de seu próprio país devido à loucura imperialista de um governante, como os que temos – até mesmo para dar de presente a quem queira desfrutar deles – na América Latina.

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA 

MARIO VARGAS LLOSA É PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA  © DIREITOS DE PUBLICAÇÃO EM TODAS  AS LÍNGUAS RESERVADAS PARA EDICIONES EL PAÍS S.L. 2022

Quando vivia em Londres, lia muitas revistas, que costumavam ser excelentes na Inglaterra. Até perceber que ler todas as seções da Economist, por exemplo, me tomava quase uma semana e me impedia de ler os livros – os romances, os poemas, os ensaios – nos quais estão as verdadeiras ideias. Agora, leio apenas uma revista semanal e outra mensal, The Times Literary Suplement, para saber o que anda sendo escrito pelo mundo, e, em espanhol, Letras Libres, publicada no México e na Espanha (com variações de 30 a 40% em ambas as publicações). Estas últimas, na minha opinião, são as melhores revistas escritas em espanhol e aconselho os bons leitores a não deixarem de lê-las. Lembro de quando o historiador e ensaísta mexicano Enrique Krauze, que trabalhou no México com Octavio Paz na revista Vuelta, criou a Letras Libres. Acabara de chegar a Madri com sua enorme maleta e projetos, e visitava muitos empresários para tentar vender a eles suas ideias, mas o retorno eram muitas decepções. Porém, ele não se deixava abater por esses tropeços, sobretudo porque dizia ser imprescindível que a Espanha e a América Latina tivessem uma mesma revista para expressar seus problemas, suas conquistas literárias e críticas políticas. No fim ele acabou conseguindo e Letras Libres é, na minha opinião, a única revista para a qual colaboram tanto escritores espanhóis quanto latino-americanos e na qual nós leitores descobrimos que os problemas que afligem nossos países não são tão diferentes, apesar dos oceanos que nos separam, porque temos um idioma em comum, uma maravilha pela qual deveríamos agradecer aos céus (ou ao acaso e à história) todos os dias.

Enrique Krauze, ensaísta mexicano criador da revista 'Letras Libres' Foto: Miguel Dimayuga

Escrevo estas linhas porque acabo de receber minha edição da Letras Libres, com uma grande capa em quatro cores (branco, preto, amarelo e cinza) na qual se lê: “Ucrânia heroica”. Li a revista com verdadeira devoção. Não é um simples título. A revista que, na prática, é dirigida por Daniel Gascón, na Espanha, e Christopher Domínguez Michael, no México, conseguiu colaborações e traduções que apresentam um compêndio da literatura ucraniana contemporânea e vislumbres de seu passado, de uma maneira magnífica e que permite aos leitores conhecer de perto um pouco da literatura desse país mártir, submetido atualmente ao ataque russo de Vladimir Putin, condenado pela revista, é claro. Embora tenha uma certa inclinação liberal, suas páginas estão sempre abertas à direita e à esquerda, dependendo da originalidade e da riqueza do conteúdo escrito por seus colaboradores, independentemente de quais sejam seus pontos de vista ideológicos. Como deve ser uma publicação livre, está aberta a todas as perspectivas, desde que sejam originais e bem escritas. Não exagero se digo que ler esta edição da Letras Libres me ensinou mais a respeito da literatura ucraniana que os três ou quatro dias que passei em Kiev há alguns anos, visitando políticos e descobrindo, na própria Praça Maidan, graças ao gentil embaixador espanhol, como os ucranianos derrubaram o político ucraniano pró-Rússia Viktor Yanukovich e conhecendo a casa-museu do grande escritor em língua russa que foi Mikhail Bulgakov – ali, naquele país de mil idiomas, nasceram dois escritores, Josef Conrad, que escrevia em inglês, e Joseph Roth, que escrevia em alemão –, autor do romance quase póstumo O Mestre e a Margarida, que eu pensava ser russo e só ali descobri que ele fora vítima da severidade do stalinismo e, além disso, era ucraniano. Esse museu, diga-se de passagem, abriu meu apetite e desde então li vários livros (traduzidos) de Bulgakov.

Adaptação teatral de 'O Mestre e Margarida' dirigida pelobritânico Simon McBurney em 2012 

A literatura e a política têm relacionamentos difíceis, mas ambas não podem estar separadas demais, porque, na realidade, estão muito próximas uma da outra, embora seja importante que ambas mantenham certa independência, pois não atuam no mesmo campo, apesar das relações contínuas e estreitas que costumam existir entre elas e que ninguém ainda foi capaz de definir. Sartre chegou muito perto de descrever essa difícil relação – é uma de suas façanhas intelectuais –, mas, no fim, a política em sua obra e vida derrotou a literatura e ele acabou fazendo propaganda em prol de um jornal maoista, La Cause du Peuple, para os operários nas portas das fábricas da Renault. A literatura é a fantasia e a política é a verdade que encontramos em nossos caminhos todos os dias. A fantasia é Dostoievski e a política, Putin; um abismo gigantesco os separa e, entretanto, não estão tão distantes um do outro. Os horrores que Dostoievski imaginou em seus romances são realizados no mundo real de hoje por Vladimir Putin e ele é condenado por isso por uma imensa maioria de países. Dostoievski, por outro lado, goza de admiração universal. Um mencionou o outro quando ele ainda não existia. E, da mesma maneira, aconteceu com Bulgakov, quando concebeu o diabo passeando de novo pelas ruas de Moscou: ele cheirava a enxofre e a Putin também. Para entender este e toda a sua tortuosa humanidade, é preciso ler Bulgakov. Mas me distancio do assunto e volto ao que queria dizer. Diante de um acontecimento como o que ocorre atualmente na Ucrânia, não há nada melhor do que conhecer um pouco de sua literatura, na qual tudo isso já está insinuado e condenado, e às vezes até glorificado, e Letras Libres fez o que devia com essa excelente seleção da literatura do país. Aliás, nela descobrimos, entre outras coisas, que os poetas ucranianos leem o peruano César Vallejo e que existe um mexicano universal, Aurelio Asiain, capaz de verter do ucraniano e do japonês para o espanhol e que é poeta, ensaísta e, claro, tradutor.

O escritor russo Mikhail Bulgákov Foto: Editora 34

A relação da Letras Libres com a política é a que uma revista literária deveria ter sempre: aceitar todas as colaborações com um mínimo de qualidade literária e defender suas próprias convicções com firmeza e sem vergonha. “Suas próprias convicções” já diz muito. Em suas páginas convivem todos os representantes intelectuais da esquerda e também da direita, mas, pelo menos, o leitor sabe sempre o que esperar em relação ao que defende a revista: a liberdade, antes de tudo, e, em seguida, a democracia, ou seja, o repúdio à violência e à prepotência que constituem, cada vez mais, a atividade política atual. Isso era o que eu encontrava em Lima, na minha juventude, nas revistas francesas. Com os escassos sóis que ganhava enquanto estava na universidade, escrevendo artigos para Turismo e, às vezes, para La Crónica, assinei duas revistas francesas Les Temps Modernes, dirigida por Sartre, e Les Lettres Nouvelles, dirigida por Maurice Nadeau, que era mais exclusivamente literária. Eu as lia de cabo a rabo, apaixonado por aquele país que me parecia o cúmulo do refinamento e da cultura, embora, depois, quando vivi ali, tenha descoberto que tais características não eram tão evidentes. E que eu, por exemplo, não seria jamais um bom escritor francês, e que seria apenas – como foi magnífico descobrir isso – um escritor mais latino-americano que peruano. Ninguém pôde, entre as revistas que tenho ao meu alcance, resumir como o fez a Letras Libres apresentando este pequeno panorama literário da Ucrânia. É preciso lê-lo para saber como, além dos horrores que os jornais nos informam, há seres vivos, assim como nós por enquanto, que da noite para o dia são assassinados, estuprados e expulsos de seu próprio país devido à loucura imperialista de um governante, como os que temos – até mesmo para dar de presente a quem queira desfrutar deles – na América Latina.

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA 

MARIO VARGAS LLOSA É PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA  © DIREITOS DE PUBLICAÇÃO EM TODAS  AS LÍNGUAS RESERVADAS PARA EDICIONES EL PAÍS S.L. 2022

Opinião por Mario Vargas Llosa

É prêmio Nobel de Literatura

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.